MOSCOU, RÚSSIA (FOLHAPRESS) – A longa história associando Donald Trump a Vladimir Putin faz o republicano ser visto como o melhor candidato à Casa Branca na próxima terça-feira (5) aos olhos da elite russa.
Mas não muito, conforme a reportagem ouviu de pessoas com acesso ao Kremlin, diplomatas e empresários em Moscou e Kazan, onde Putin recebeu líderes mundiais não alinhados aos Estados Unidos na cúpula do Brics, na semana retrasada.
O temperamento mercurial do ex-presidente americano não lhe garante o apoio que costumam atribuir a ele na Rússia.
Segundo esses interlocutores, Putin falava sério quando disse que Joe Biden seria um candidato mais interessante para os russos por encarnar a previsibilidade do establishment americano.
Isso dito, ninguém esconde a torcida para que Trump cumpra o que vem insinuando, que é a busca de uma solução para o conflito na Ucrânia que force Kiev a aceitar algum tipo de perda territorial. O republicano nunca disse isso com todas as letras, contudo, e isso é lembrado por esses integrantes da elite russa.
Segundo um empresário, Trump tem agenda própria e imprevisível. No seu mandato, com efeito, ele iniciou o processo de desmonte do sistema global de controle de armas nucleares. O fez não por causa da Rússia, sua principal rival no campo, mas porque queria que a China estivesse incluída em negociações sobre o tema.
Deu errado: Pequim não sentou à mesa, e hoje os freios e contrapesos do setor praticamente evaporaram.
O que irritou particularmente o Kremlin aqui é a redução da Rússia, que tem mais de dez vezes o poder atômico dos chineses, a um ator secundário num campo em que de fato é protagonista.
Nos populares talk-shows da TV estatal russa, a torcida aberta vista em 2016 não existe mais. Há menções mais desaforáveis a Kamala Harris, a adversária de Trump, mas isso diz tanto sobre preferência política quanto sobre o sexismo arraigado da sociedade russa.
Isso não quer dizer, claro, que não haja uma preferência pelo republicano. Mas ela sempre é temperada, nas conversas, com adversativas. Ele quer o fim da guerra, mas, nessa visão, pode pedir termos que não interessam a Putin.
A proposta feita por dois assessores de Trump na área de segurança, reiterada pelo candidato a vice, J.D. Vance, não agrada muito Moscou. Segundo ela, haveria um congelamento imediato das linhas de frente, com o estabelecimento de uma zona desmilitarizada ao estilo das Coreias.
Para os ouvidos pela reportagem, a essa altura Putin ainda deseja mais conquistas, aproveitando o momento favorável no campo de batalha.
Na Rússia, o tema da interferência russa em favor de Trump em 2016, que voltou ao noticiário recentemente com supostas campanhas desinformativas contra Kamala, é tema de piada.
A investigação do Departamento de Justiça que não encontrou evidências desse movimento em 2016 é citada com ironia por membros da elite. Por óbvio, isso não significa que não houve algo, mas daí a creditar o resultado da eleição há oito anos a hackers russos, sob esta lógica, há uma longa distância.
Putin e Trump, claro, comungam de valores algo semelhantes, além da imagem de machos alfa políticos. O russo é uma espécie de ícone da direita populista global, dada sua posição antissistema que, associada ao antiamericanismo, o torna um favorito improvável em locais como a esquerda brasileira.
IGOR GIELOW / Folhapress