SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Elon Musk mudou drasticamente o que era o Twitter. O velho Twitter está morto”, diz Jay Graber, 33, presidente-executiva da rede social BlueSky, projeto de Jack Dorsey, que fundou a plataforma de microblogs e a vendeu para Elon Musk em 2022.
O BlueSky era uma equipe dentro do Twitter, criada em 2019 para tornar a rede do passarinho azul uma plataforma que pode ser editada e personalizada por qualquer um -descentralizada, no jargão no setor.
Quando Musk concretizou a compra do Twitter, ele demitiu 80% da equipe da rede social e cortou todos os contratos externos -um deles era com a equipe do BlueSky.
Junto com o time já liderado por Graeber, foram pelo ralo a equipe que moderava desinformação, as plataformas para desenvolvedores e a assessoria de imprensa. O que abriu espaço para uma rede social rebatizada para X, menos transparente e com mais spam e conteúdo violento, incluindo cenas de zoofilia.
Dorsey, então, investiu do próprio bolso para dar seguimento ao projeto BlueSky, uma referência ao céu azul pelo qual voaria o pássaro Twitter em liberdade -ele, no entanto, abandonou o projeto no último dia 4 de maio e voltou a ter conta no Twitter.
O conceito de descentralização que os candidatos a novo Twitter -como BlueSky, Mastodon e Threads, da Meta- querem emplacar, mas têm dificuldades, significa em essência que uma pessoa poderia levar todas as conexões que fizesse no BlueSky para uma outra rede social descentralizada quando quisesse.
A nova rede social ainda permite que os usuários criem linhas do tempo personalizadas e as disponibilizem para outros usuários. “No Super Bowl, por exemplo, tinha uma timeline sobre o evento que incluía os comentários sobre a Taylor Swift e outra sem, para quem queria se concentrar no esporte”, diz a executiva, Jay Graber, à reportagem.
O código fonte do BlueSky também está disponível na internet, sob uma licença aberta. “Qualquer programador, se não gostar do nosso trabalho, pode construir uma nova rede social a partir do que a gente fez e as pessoas não vão ter de começar do zero”, exemplifica Graeber.
“Dizer que somos similares ao X é como dizer que a Netflix é similar à televisão nos anos 1950”, complementa a diretora de operações do BlueSky, Rose Wang. A transmissão televisiva convencional tem uma grade fixa, enquanto o streaming permite ao usuário escolher o que ver e quando -as executivas do BlueSky afirmam querer que seus usuários escolham a rede social preferida sem obstáculos.
O BlueSky, contudo, ainda é um protótipo em comparação ao X. A rede social ganhou mensagens diretas no fim de maio e ainda não aceita vídeos. As duas executivas disseram, em entrevista via videoconferência à reportagem, que o recurso deve chegar em breve, mas o lançamento ainda não tem data marcada.
Hoje, a rede social tem 5,6 milhões de usuários. “Começamos do zero no ano passado”, diz Graeber. São cerca de 2 milhões de usuários ativos mensais.
O X tem cerca de 335 milhões de usuários ativos, segundo estimativas da plataforma Statista, depois de atingir um pico de 368,4 milhões em 2022. A rede social deixou de divulgar dados sobre sua performance, após a aquisição de Musk.
Para defender o futuro do projeto, as executivas do BlueSky falam da “paixão de seus usuários”, de “uma gestão mais democrática das redes sociais” e da preocupação com um ambiente seguro e com o mínimo possível de desinformação.
Em 28 de fevereiro, o BlueSky contratou o ex-diretor de segurança do Twitter Aaron Rodericks para liderar a equipe de moderação da nova rede. “Ele é especialista em desinformação em eleições e fará um trabalho crucial”, diz Graeber.
A participação engajada da equipe do BlueSky na moderação da rede social foi, contudo, o que fez Dorsey deixar a empresa e dizer que o projeto estava cometendo os mesmos erros do que o Twitter. “Não dependa de corporações para conceder-lhe direitos. Defenda-os você mesmo usando tecnologia da liberdade”, tweetou o executivo.
De acordo com Graeber, Dorsey queria que o BlueSky disponibilizasse apenas a tecnologia e deixasse que os usuários construíssem os próprios feeds de notícias e as regras de moderação. “Jack não queria estar envolvido em outra aplicação como o Twitter.”
Para a presidente-executiva, a criação de uma plataforma permite mostrar o que é possível fazer com uma rede social descentralizada. “Se um usuário estiver insatisfeito com a nossa moderação, ele ainda pode criar as próprias regras e disponibilizar para quem mais quiser”, diz.
Personalidades vinculadas à direita, como o ex-presidente americano Donald Trump, desqualificam a atividade de moderação nas redes sociais como censura. O então morador da Casa Branca foi banido do Twitter em janeiro de 2021 por “risco de incitação à violência” após a invasão do Capitólio, a sede do Congresso dos EUA. Musk, ao assumir a rede social, reverteu o veto a Trump.
Embora tenha uma base de usuários ainda modesta, o BlueSky já atraiu grandes personagens do debate mundial como o ex-presidente dos EUA Barack Obama e o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.
Entre as redes sociais que querem ocupar um vácuo supostamente deixado pelo que seria uma decadência do Twitter, o BlueSky diz não ser controlado por um gigante da tecnologia, como o Threads, da Meta, e afirma ser mais amigável ao usuário do que o Mastodon.
“O Mastodon não foi construído para ser uma comunicação global, foi muito mais baseado em comunidades pequenas, e os usuários de Mastodon não queriam que todos os seus dados fossem públicos”, afirma Graeber.
A última rede social a conquistar um público global e relevante, no entanto, não tinha nada a ver com o Twitter e com essa busca pela autonomia do usuário. Foi o TikTok, com seu algoritmo de recomendação de vídeos via inteligência artificial, que não considera as conexões dos internautas.
Para Graeber, há espaço no gosto do público para TikTok e BlueSky, justamente porque as plataformas são muito diferentes. “O TikTok se tornou uma experiência muito mediada, é quase como sentar e assistir televisão, porque só transmite, o usuário não está realmente se relacionando com as pessoas, apenas consome conteúdo.”
“O exemplo do banimento do TikTok pelo governo americano ainda mostra que ter uma empresa que controla um espaço usado por toda a sociedade pode gerar um problema”, acrescenta.
A executiva, contudo, critica o app chinês por falta de transferência. “Podia haver problemas de vício, para a saúde mental, e o usuário nem sequer sabia como, porque o algoritmo era uma caixa preta sem transparência.”
Tirado do papel com o financiamento de Dorsey, o BlueSky ainda não divulgou como se sustentará e dará lucro aos seus acionistas.
Os principais mecanismos de propaganda e monitoramento dos usuários, hoje alvo de críticas, surgiram da necessidade das redes sociais remeterem dividendos para quem financiou o projeto. Sem querer falar em dinheiro, Graeber afirma que o objetivo do BlueSky é fazer as redes “voltarem a ser sociais” e “levar mais diversão à internet”.
NANÁ DELUCA E PEDRO S. TEIXEIRA / Folhapress