BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) julgou R$ 115,2 bilhões em casos nos dois primeiros meses de 2024. Isso representa 40,5% do total julgado em todo o ano de 2023.
Foram 2.962 casos em janeiro e fevereiro, o que representa um valor médio de R$ 38,9 milhões por caso. No ano passado, o valor médio por decisão foi de R$ 13,3 milhões. Os dados são do balanço de início do ano do conselho ao qual a Folha teve acesso.
O levantamento não aponta quanto desse valor foi julgado em favor da União e quanto foi julgado pró-contribuinte. Em 2023, pessoas e empresas que disputam os casos com o governo saíram vitoriosas em 61% dos recursos julgados.
Na avaliação do presidente do Carf, Carlos Higino, o desempenho poderia ter sido ainda melhor se não fosse a paralisação dos auditores-fiscais para reivindicar a regulamentação do bônus de eficiência da categoria, que ainda teve efeito em janeiro.
“Em fevereiro houve uma retomada e a expectativa é de cumprir a meta que colocamos para esse ano de R$ 870 bilhões em julgamentos”, disse Higino.
“Até setembro ou outubro devemos julgar de 80% a 90% desse total. Não é uma meta que pretendemos atingir no último dia de dezembro”, acrescentou.
Do total de casos julgados, 3,4% só foram resolvidos no voto de desempate. O mecanismo foi um ponto central nas negociações entre o Ministério da Fazenda e o Congresso Nacional para aprovar o projeto alterando o funcionamento do Carf.
Uma lei aprovada no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) determinou que em caso de empate nas votações, a decisão era pró-contribuinte. O Carf é paritário, com metade dos conselheiros indicados pelos contribuintes e a outra metade pelo governo federal.
Com a mudança promovida pelo governo Lula (PT), em caso de empate a decisão vai para o presidente da seção de julgamento, um auditor-fiscal da Receita Federal.
Se a decisão foi tomada baseada nesse voto de desempate, o contribuinte tem benefícios no pagamento de multas e juros em cima do tributo devido.
O percentual de decisões tomadas com base no voto de desempate é por enquanto o maior desde 2019, quando 5,3% das decisões foram tomadas dessa maneira.
O crescimento no valor médio da ação era um dos objetivos do presidente do Carf, Carlos Higino, que defende julgar casos maiores em 2024 e com isso diminuir o estoque de tributos parados.
O objetivo está sendo cumprido no início de 2024. O total de tributos esperando por julgamentos passou de R$ 1,164 trilhão em dezembro do ano passado para R$ 1,118 trilhão em março deste ano.
Na visão do advogado Leandro Bettini, sócio do MJ Alves Burle e Viana Advogados, a redução do estoque está sendo feita sem perder a desempate nos votos.
“O presidente Carlos Higino tem implementando boas práticas, boas medidas regimentais, para diminuir o acervo, como a ampliação na quantidade de turmas. Agora tem duas específicas para temas aduaneiros, por exemplo. Com isso, qualifica mais os julgamentos e dá mais vazão”, analisou.
Além da criação das turmas especializadas, Higino destacou também a nomeação de novos conselheiros e a redução no tamanho dos colegiados, o que possibilita julgamento mais céleres.
O Carf tem R$ 456 bilhões a serem decididos em 168 casos. Na outra ponta, 20.540 casos totalizam R$ 500 milhões em tributos. A partir de 2025, o objetivo é reduzir o número total de casos, que hoje é de 82 mil.
O órgão é parte importante do esforço fiscal administrado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que defende zerar o déficit primário em 2024. O plano da equipe econômica é obter R$ 54,7 bilhões em 2024 a partir de julgamentos do tribunal e outros R$ 28 bilhões no próximo ano.
COMO FUNCIONA O CARF
O Carf é o órgão do Ministério da Fazenda responsável por julgar recursos sobre autuações da Receita Federal em matéria tributária e aduaneira.
O conselho possui 15 câmaras de julgamento e cerca de 150 conselheiros, divididos de forma paritária entre representantes dos contribuintes e da Fazenda.
Os representantes dos contribuintes são indicados pelas confederações patronais dos grandes setores econômicos, por meio de lista tríplice, com a exigência de formação, conhecimento e experiência em tributos federais e aduaneiros. A escolha é realizada por um comitê de seleção e precisa ser referendada pelo ministro da Fazenda.
Ele foi criado em 2008, unificando as estruturas administrativas dos três Conselhos de Contribuintes então existentes, com a finalidade de julgar recursos sobre autuações da Receita Federal.
Em 2020, uma alteração de última hora feita pelo Congresso Nacional na medida provisória do Contribuinte Legal acabou com o chamado “voto de qualidade”, o voto de desempate proferido por um representante da Fazenda.
A justificativa para esse “voto duplo” é que o contribuinte, quando perde, pode rediscutir a questão no Judiciário. Quando há derrota do fisco, o governo não pode ir à Justiça.
LUCAS MARCHESINI / Folhapress