Em 2019 Evo fugiu; Arce, por sua vez, impediu um golpe, diz vice-ministro da Bolívia

LA PAZ, BOLÍVIA (FOLHAPRESS) – O vice-ministro da Bolívia Álvaro García teve visão privilegiada do desenrolar da tentativa de golpe de Estado no país andino. Estava na sede do poder que os militares tentaram tomar, ombro a ombro com o presidente Luis Arce, a quem ele, como tantos, refere-se como Lucho.

Ele recebeu a reportagem em seu escritório na Grande Casa do Povo, sede do Executivo em La Paz, quando descreveu esse dia, afirmou que a urgência é ir atrás dos atores intelectuais dessa tentativa de golpe e, questionado, fez transparecer a rixa entre Arce e Evo Morales.

“Em 2019, quando outro golpe ocorreu na Bolívia, a população já havia ultrapassado a capacidade de defesa, e policiais haviam se amotinado. Tomaram o poder tranquilos, e o presidente Evo Morales saiu rumo ao hangar presidencial”, diz. “Se o presidente Lucho Arce tivesse saído assim, hoje teríamos um presidente militar.”

Responsável pela coordenação do Executivo com estados e cidades, García fala à reportagem sobre a participação dos três braços das Forças Armadas neste episódio, das eleições de 2025 e da situação econômica.

*

PERGUNTA – De alguma os senhores esperavam que isso aconteceria?

ÁLVARO GARCIA – Não, de forma alguma. Sabíamos que na Bolívia estamos em uma etapa de, eu diria, pré-período eleitoral. Houve ataques constantes recentes para desestabilizar o governo com bloqueios de estradas, mas chegar a um golpe de Estado? Não estava nos planos.

P – Como podemos descrever a relação prévia do general Zúñiga com o governo? Ele foi nomeado pelo presidente Arce…

AG – Ele exerceu bem o cargo por um tempo. Mas cometeu um erro em uma entrevista recente quando falou mais do que deveria [disse que não permitiria que Evo concorresse de novo].

E, claro, nosso governo mostrou que não concordava com essas declarações, que ele tinha colocado até mesmo seu próprio cargo em risco e que o chamaram na terça-feira [dia anterior ao golpe] aqui no governo para ser removido de seu cargo. Ele disse aos ministros da Presidência e da Defesa que ele é um soldado da pátria e que ia aceitar.

Mas nada disso acontece. Na quarta-feira ele surpreende a todos com sua ação. Por volta das 14h15, estávamos no escritório com colegas de trabalho e começaram a soar sirenes. Nos aproximamos da janela e começamos a ver como os tanques estavam se posicionando nas esquinas para evitar entradas e alguns veículos sendo desviados.

Pensamos que era um treinamento, mas ele continuava com mais e mais militares. A primeira coisa que fizeram foi um dos tanques parar em frente à porta do Palácio do Governo. Vemos um dos ministros chegar e se aproximar do tanque onde estava o general Zúñiga para bater e saber o que estava acontecendo. O general não sai.

Então encontro a ministra da Presidência no elevador e ela nos diz: “estão nos dando um golpe de Estado”. Então confirmaram que era um golpe, a polícia estava encurralada, e foi quando começamos a ver nas imagens que tentaram primeiro com o tanque derrubar a porta. O presidente disse que precisávamos sair para enfrentá-los porque do contrário entrariam com tudo e havia o risco de algo acontecer com nosso povo.

O presidente desce e ele enfrenta o general Zúñiga. Diz ao general: você sabe o que é isso? Mostra seu bastão presidencial e exige que retirem todos os militares. O general diz que não, que o Exército está muito chateado. Lucho pergunta porquê não foi comunicado disso. Olha para um lado e vê o chefe da Força Naval. Para outro e vê o chefe da Força Aérea.

P – Então houve uma ampla participação das Forças Armadas.

AG – Estavam as três forças. A equipe de segurança chegou a dizer para o presidente colocar um colete à prova de balas. Ele o coloca, todos o ajudamos, mas no final ele diz “não consigo me mover com isso”. Então decide tirar e diz, bem, só nos resta enfrentar. Ele impediu o golpe.

Em 2019, quando outro golpe ocorreu, a população já havia ultrapassado a capacidade de defesa, e os policiais haviam se amotinado. Tomaram o poder tranquilos, e o presidente Evo Morales saiu rumo ao hangar presidencial. Se o presidente Lucho Arce tivesse saído assim, hoje teríamos um presidente militar.

P – Alguns setores dizem que foi uma tentativa de autogolpe. Outros que há um papel de Evo. No governo, acham que Evo está envolvido?

AG – Olha, Evo foi o primeiro a tuitar sobre o tema de um possível golpe. Agora, eu não sei se alguém em sã consciência, como Zúñiga, vai se prestar a fazer isso sabendo que vai para a prisão por mais de 20 anos.

Mas pergunto: outras pessoas devem ter alguma participação nisso ou o general decidiu sozinho que queria dar um golpe?

O general se proclamava o general do povo. Sobre se Evo participa ou não, tivemos muitas ameaças de seus seguidores. E certamente a investigação vai esclarecendo essa situação.

P – Então os senhores acham que o general fez tudo isso sozinho ou acham que há alguém?

AG – Está claro que há também atores intelectuais, mas ele liderou isso e estamos certos de que a investigação vai indicar com maior clareza.

P – Sobre 2025, no governo acham que há uma chance real de uma reeleição para Lucho? Com a crise econômica que há hoje…

AG – Lucho nunca anunciou que seria candidato. No entanto, nós que trabalhamos e seguimos com ele acreditamos que ele deveria ser candidato. Por quê? Porque a continuidade do nosso processo é sempre importante. Agora, eu não sei o que chamam de crise, porque aqui temos uma inflação baixa em relação e comparando a nível.

P – Mas nas ruas as pessoas estão compartilhando que a vida está mais difícil, que houve um aumento nos preços, que há o problema dos dólares. E há o tema do gás.

AG – Infelizmente tivemos desastres naturais, inundações e recentemente geadas que afetaram a produção. Há um aumento nos preços no mundo. No entanto, nossa inflação em relação a outros países continua baixa e controlada, chegando a 1%. Por outro lado, a Bolívia é uma economia bolivianizada, não é uma economia dolarizada. Se você vai ao mercadinho, ao mercado ou ao supermercado, vão te cobrar em bolivianos. Claro, quem são os que precisam de dólares? Alguns que estavam importando. Muitos de nossos exportadores vendem nossa produção, mas não trazem o dinheiro de volta para a Bolívia. É verdade que nossa produção de gás diminuiu, mas não temos apenas gás, temos outros produtos que têm permitido manter certo equilíbrio.

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS