Em abrigo para mulheres no RS, vítimas da chuva buscam segurança para planejar recomeço

PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Uma criança exibe um pote de moedas e afirma que está juntando para comprar um lugar para sua família morar –ela teve a casa destruída em meio às enchentes, na região metropolitana de Porto Alegre.

Tanto a menina como sua mãe estão abrigadas na Casa Violeta, um centro de acolhimento criado em Porto Alegre para receber mulheres atingidas pela chuva que atingiu o Rio Grande do Sul, principalmente àquelas em situação de vulnerabilidade.

Grande parte de quem está ali foi alvo de alguma forma de violência sexual durante as enchentes. Por isso, todas as abrigadas que conversaram com a reportagem pediram para não ter seus nomes divulgados.

Aberta no dia 29 de junho, a casa é o terceiro centro de acolhimento pelo qual a menina e sua mãe que viviam nos arredores da capital gaúcha passaram desde o início da tragédia climática, situação comum entre as abrigadas no local.

Heloísa Melillo, especialista das duas ONGs que participam da gestão do local (MeToo Brasil e Instituto Survivor), diz que há casos em que mulheres passaram por sete abrigos em 30 dias, antes de chegarem ao novo centro, que foi idealizado pelo governo gaúcho.

“É comum que elas cheguem aqui com a insegurança de que amanhã vão ter que entrar em um ônibus para ir para outro abrigo, por mais que a gente explique que não é isso que vai acontecer”, diz.

O centro foi aberto dentro de uma escola desativada e tem espaço para receber até 190 mulheres e crianças. Não são aceitos homens, só meninos de até 12 anos, desde que acompanhados da mãe. O objetivo é garantir a segurança desta parcela da população que, além do sofrimento com as chuvas e perda de casas, também foi alvo de assédio e outras formas de violência sexual dentro de abrigos.

Hoje, serve de casa para 80 pessoas, entre mulheres e crianças. Melillo diz que os casos de abuso demonstram como esses dois grupos são o mais vulnerável em tragédias e que a grande maioria das mulheres que ali habitam sofreram algum tipo de violência nos abrigos pelos quais passaram.

“As mulheres se tornam a imagem vulnerável em meio a todos os vulneráveis. Cidades e estados precisam estar preparados para que [em momentos de tragédias] seja oferecido desde o primeiro momento o abrigamento exclusivo para elas e para as crianças”, diz a especialista que há mais de 40 anos trabalha com pessoas com vulnerabilidade e garantia de direitos.

Segundo ela, o objetivo é que a estadia na Casa Violeta se assemelhe o máximo possível com a vida normal. Por isso, por exemplo, não há distribuição de marmitas, e as refeições são feitas no esquema de bufê. Além disso, sacos de lixo ou caixas para guardar pertences foram substituídos por móveis, e divisórias são usadas para criar espécie de quartos para as mulheres.

O lugar disponibiliza também atendimento psicológico e médico e possui uma equipe que conta com segurança e assistentes sociais. Também são realizados eventos para crianças e cursos que estão previstos com objetivo de ajudar as mulheres a reingressar no mercado de trabalho.

Para Izabella Borges, presidente do Instituto Survivor, essas ações multidisciplinares são essenciais para ajudar na autonomia emocional e financeira das mulheres.

Após mais de 40 dias do início das chuvas, Melillo afirma que a atual situação é de fragilidade. Por isso, ainda ainda é cedo para falar em reconstrução da vida. “Quando elas foram arrancadas das casas, o mais importante era garantir a elas e seus filhos uma mínima alimentação e proteção. Agora, vêm inseguranças sobre o que vai ser a vida delas.”

A ideia é que as funcionárias ajudem a matricular as crianças em creches e escolas, principalmente das mulheres que devem permanecer na casa por mais tempo. “O futuro é uma grande interrogação”, diz Melillo.

Um outro desafio é garantir a convivência de mulheres de realidades diferentes, já que há pessoas que trabalhavam e tinham sua própria casa, mas também quem vivia em situação de rua.

Para lidar com problemas do dia a dia são realizadas assembleias em que as pessoas que convivem e as administradoras expõe situações e ajudam a encontrar soluções.

À frente do MeToo Brasil, Mariana Ganzarolli chama a atenção para o fato de que, atualmente, não há no Brasil uma política pública para acolher mulheres vítimas de desastres climáticos.

“Em tragédias, os mais vulneráveis, mulheres, crianças, povos tradicionais, indígenas, quilombolas são aqueles que vão sofrer mais as consequências”, diz. Ela aponta que é comum o aumento da violência sexual e doméstica após esse tipo de desastre. “[A Casa Violeta] é uma resposta não só à emergência, ao desastre socioambiental, mas uma resposta de maior duração de até um ano.”

Entre as pessoas que vivem ali, está uma mulher de 40 anos antes moradora da Ilha da Pintada, uma das regiões mais afetadas pelas enchentes.

Diferentemente de outras das abrigadas no centro, ela não chegou a sofrer assédios nos outros locais por qual passou. Mas afirma que ouviu muitos relatos e, por isso, decidiu ir para a Casa Violeta, pois temia ser alvo de alguma violência.

Ela afirma que ainda não teve coragem de retomar para ver o estado de sua casa. Mas já sabe que além de móveis e eletrodomésticos, a chuva também itens de valor afetivo, incluindo as recordações que guardava da mãe, morta no início do ano.

Por isso, não pretende retomar para a região na qual vivia e faz planos de mudar para Porto Alegre e logo retomar o trabalho.

Para ajudar:

Doações via PIX (Instituto Survivor):

PIX (CNJPJ): 49.437.173/0001-60

Banco Cora SCD

Agência 0001

Conta 4907265-7

ISABELLA MENON / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTICIAS RELACIONADAS