SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em um plano-sequência, a câmera cruza o corredor de uma escola e dezenas de adolescentes começam a se beijar. Homem com mulher, homem com homem, mulher com mulher. Vale trisal também. E quadrisal, por que não? É essa atmosfera de uma das pontas de reflexão da série brasileira “B.A.: O Futuro Está Morto”, que estreia nesta quinta-feira (19), na HBO Max.
Adaptação da HQ “O Beijo Adolescente”, de Rafael Coutinho (ilustrador de obras como “Cachalote” e “Forrest Gump”), o seriado se passa em um futuro distópico. A julgar pelas relações líquidas e a forma como adolescentes lidam com afeto, não parece ser uma sociedade tão distante assim para alguns, talvez só seja preciso avançar em termos de evolução mental e aceitação.
“É algo tão normalizado para eles, de serem desprendidos, que ainda falta muito para as pessoas chegarem naquele nível agora”, analisa a atriz Giulia Del Bel, que interpreta a personagem LinLin, par romântico do protagonista Ariel. “‘B.A.’, no fim, propõe como seria e como é lidar com amizades. Todos focam muito no amor romântico, mas acho que todos nós só queremos é ter mais afeto, mais beijo, mais toque mesmo.”
Somente por isso, a trama de “B.A.: O Futuro Está Morto” já valeria a sessão. Nos oito episódios, há bem mais que isso: nesse cenário distante, a Amazônia virou um parque industrial e a poluição tomou os céus. O B.A., sigla para Beijo Adolescente, nada mais é do que um grupo de jovens com superpoderes que tenta se proteger de um mal que ataca os adultos e os deixa sem cores (literalmente), quando a pessoa completa 18 anos.
Toda a história é comandada pelo olhar de Ariel, um adolescente que acaba de completar 15 anos, e é recrutado para o B.A. grupo que é altamente invejado e o sonho de consumo dos jovens em geral. O protagonista também reverbera por outro motivo: o personagem é vivido pelo ator Benjamín, que antes de passar por uma transição de gênero chegou a fazer sucesso como a vilã Martinha em “Malhação – Toda Forma de Amar” (Globo, 2019).
Em entrevista à Folha de S.Paulo, Benjamín celebra a importância do papel, que o coloca como um dos primeiros atores transexuais a viver o protagonista de uma série brasileira, ainda mais com exibição em um gigante no streaming. “Ao mesmo tempo que fico feliz e honrado de abrir essa porta, fico um pouco incomodado de isso estar acontecendo apenas em 2023, mas ‘B.A.’ é uma exceção, já que tem uma equipe com alguns integrantes trans. Espero que seja só o comecinho disso tudo.”
FUTURO PRETO E BRANCO
Uma das mudanças mais claras entre a HQ e a série é a fotografia. Enquanto a obra de Coutinho abusa do preto e branco, com algumas tonalidades em neon, a versão audiovisual explora mais as cores, com algumas cenas com detalhes em arco-íris e matizes fortes.
Na produção, isso fica evidente para quem está assistindo com poucos segundos de exibição. Em uma das primeiras sequências, Ariel traja uma camiseta amarela e recebe os parabéns de seus pais, que cantam feliz aniversário acompanhados de um bolo. O casal está completamente em preto e branco.
Para o ilustrador, o resultado ficou satisfatório, já que o vídeo proporciona mais tonalidades e o seriado “abre um portal interdimensional”. Porém, na visão da criadora e diretora da série, Mariana Youssef, o processo foi bem difícil de realizar.
“Foi um inferno (risos). O Rafa faz um magenta lindo no papel e um ser humano totalmente em preto e branco do lado. Tecnicamente, a gente se esfolou mesmo na série, porque tínhamos que ver na pós-produção como administrar cada cena”, explica ela, entre risos.
Peppe Siffredi, que assina a criação da série com Mariana, diz que a ideia não era refazer a obra de Coutinho, mas transpô-la para outro meio. “Acho que o HQ tem um tempo específico de leitura e o Rafa já começa sabendo onde quer chegar com seus traços, mas a série tem sua narrativa própria e consegue sustentar as suas questões”, reforça. “Respeitando as devidas proporções, olhe para ‘Watchmen’, que traz um gosto da HQ, mas vai por outro caminho, atualizando-a. ‘B.A.’ reforça essa criatividade própria.”
JÚLIO BOLL / Folhapress