Em formato de quilombo urbano, Casa Akotirene promove ações sociais com mulheres de Brasília

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Na unidade federativa com menor população quilombola segundo o Censo, o Distrito Federal, está a Casa Akotirene, um autoproclamado quilombo urbano. Localizado em Ceilândia, região administrativa de Brasília, o lugar é um espaço para rodas de conversas e capacitação profissional e cultural voltado principalmente para mulheres negras.

Criada em 2019, ainda que não seja uma comunidade quilombola ao pé da letra, a Casa Akotirene trabalha com os valores envolvidos na ideia de aquilombamento —acolhimento, comunidade, pertencimento—, conforme explica a fundadora Joice Marques, 36.

Educadora popular pela Fiocruz, há cinco anos Joice pediu as contas de seu trabalho de escritório para realizar o projeto. “A casa surgiu dessa ideia de ter um espaço de organização e encontro de pessoas negras, um espaço para a gente trabalhar questões raciais, questões da comunidade”, conta.

Dentre as ações, a Casa faz direcionamento de jovens a vagas de menor aprendiz por meio da parceria com o CIEE (Centro de Integração Empresa Escola), distribuição de cestas básicas e absorventes, oficinas de tranças e penteados, língua iorubá e customização de acessórios e peças afro, semanalmente de forma gratuita. Cursos de informática e de panificação também já foram oferecidos na casa.

O local costuma receber cerca de cem pessoas, em sua maioria mulheres, de faixa etária que varia dos nove aos 60 anos, de Ceilândia Norte e adjacências. As oficinas têm em média 15 pessoas.

A ideia da Casa Akotirene é do coletivo Afromanas, do qual Joice fazia parte, junto a Jusianne Castilho e Aline Karina.

Natural de Vereda Grande, no Piauí, a idealizadora sempre esteve familiarizada com os princípios quilombolas que hoje guiam os trabalhos da casa. Sua família chegou a Brasília em um grupo de retirantes na década de 1990. Em 2022, Joice foi vencedora do prêmio Mulher Transformadora, organizado pelo Conselho Federal de Economia.

“Quando veio essa ideia de ser um espaço de organização de mulheres negras onde a gente ‘tramava’ coisas, [a ideia] era justamente esse aquilombamento, ser um espaço nosso de organização política junto à comunidade que é majoritariamente negra e nordestina, então não precisei ir muito longe, é a minha identificação, é o que eu me reconheço”, relata Joice.

As rodas de conversas, palestras e oficinas têm o objetivo de trazer conhecimentos úteis a longo prazo para as mulheres.

“Elas veem a casa como um local de referência a partir das rodas de conversa. Se vem a Secretaria de Justiça fazer uma roda sobre temas de Justiça, depois elas vão vir aqui procurar ajuda e perguntar questões de família, guarda, pensão. Elas vão receber acolhimento e a gente vai direcionar para os parceiros que a gente tem para executar as coisas”, diz a coordenadora Maria Paula Cândido, 28.

Mas a localização, próxima de entidades públicas, nunca foi aspecto facilitador para conseguir os apoios. O suporte financeiro da Casa vem de parcerias e doações.

O nome é em referência à figura simbólica de Akotirene, tida como uma das lideranças femininas do Quilombo dos Palmares, vinda da África Central.

A comunidade Sol Nascente, a segunda maior do país conforme o Censo, atrás apenas da Rocinha, no Rio, fica a cerca de 34 km de Ceilândia e recebe apoio da Casa há quatro anos.

Renata Cunha, 38, trancista e líder da comunidade, participou dos cursos oferecidos pela Casa, cujo conteúdo hoje se tornou base para sua principal fonte de renda.

“Elas oferecem cursos para a pessoa poder criar uma renda para sobreviver. Eu fiz vários cursos, o de trança e um de administração. Hoje, dependendo da trança, eu cobro de R$ 30 a R$ 100”, conta.

Cerca de 50 meninas recebem mensalmente os absorventes entregues pela casa, em parceria com a Associação de Mulheres de Sol Nascente. São cerca de 60 pacotes distribuídos proporcionalmente pela quantidade de mulheres na família.

Já a entrega de alimentos não é o bastante para suprir o déficit da comunidade em termos de comida. Na casa, elas buscam orientar sobre a chamada “alimentação não colonizada”, filosofia que engloba os conhecimentos acerca dos poderes nutritivos de plantas e demais recursos da natureza.

“É resgatar esse conhecimento e repassar para as mulheres. A ora-pro-nóbis, por exemplo, cura anemia, mas elas [as mulheres] não sabem. Então quando o menino está com anemia, elas vão no posto pegar um remédio. Se não tiver, vão ficar agoniadas para comprar na farmácia”, diz Joice.

O desamparo à saúde se dá em diversos níveis, sobretudo a saúde mental, o que torna a roda de conversas a atividade mais procurada pelas mulheres locais. “Muitas estão em uma situação de adoecimento psicológico. Elas veem nisso um momento de espairecer”, relata.

Quando há eventos como saraus, a Casa costuma fazer o “sextayo”, em que servem pratos fartos especiais como abará, peixe, pastel de abobrinha, entre outros.

“Tudo é formação aqui na Casa Akotirene. A gente não faz nada aleatório e sem um porquê”, diz Joice.

MARIANA BRASIL / Folhapress

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