SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A atual disputa pela Prefeitura de São Paulo reúne candidatos que são muito diferentes entre si, mas têm uma característica em comum: são conservadores quando se trata dos investimentos pessoais.
Segundo as declarações dos postulantes no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a maioria dos investimentos se concentra em imóveis ou em ativos imobiliários, na renda fixa tradicional e em instrumentos de previdência privada. Por outro lado, ativos de maior volatilidade, como os de renda variável, têm aparição discreta.
Para a análise, foram considerados os candidatos com as maiores intenções de voto, segundo o último Datafolha: Guilherme Boulos (PSOL), Pablo Marçal (PRTB); Ricardo Nunes (MDB), José Luiz Datena (PSDB) e Marina Helena (Novo). Não foi possível incluir a candidata Tabata Amaral (PSB) porque a deputada não especificou em sua declaração quais investimentos possui, apenas que tem R$ 799 mil investidos e R$ 8.508 em conta corrente.
Para especialistas, os candidatos se destacam positivamente pela diversificação do patrimônio, regra de ouro ao se investir, mas pecam ao não incluir ativos um pouco mais arriscados, de modo a obter um possível maior retorno, especialmente os mais jovens.
“Quando aceitamos correr mais risco, aumentamos a possibilidade de retorno no longo prazo”, diz Danilo Silva, da consultoria Ticker Wealth.
Com R$ 199,6 mil declarados, Boulos, 42, tem o menor patrimônio entre os candidatos. A maior parte, 86%, diz respeito à sua casa no Campo Limpo, na qual o político detém 50%. O seu carro Celta corresponde a 8%. O restante, R$ 11,9 mil, está aplicado em um CDB (certificado de depósito bancário), com R$ 816 em conta corrente.
Segundo os analistas, a estratégia de investimento do candidato está correta, dado o seu nível de capital. O CDB, neste caso, é uma reserva de emergência que acompanha a taxa Selic (atualmente a 10,5% ao ano) e pode ser acessada a qualquer momento.
O recomendado é passar a diversificar os investimentos após a reserva de emergência contar com o valor correspondente a, pelo menos, seis meses de gastos.
“Pela idade, ele ainda está longe de ter liberdade financeira que o permita viver de investimentos. 40 anos é fase de acumulo de patrimônio”, afirma Jayme Carvalho, economista e sócio da SuperRico.
Para Carvalho, o próximo passo indicado seria a previdência privada, para garantir uma renda futura além do INSS.
A modalidade é o principal investimento de Datena, 67. São R$ 25,7 milhões em VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), plano de previdência no qual a incidência do Imposto de Renda é apenas sobre a rentabilidade dos ativos, porém, sem dedução no IR, como o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre).
“Possivelmente, ele deve ser contratado como pessoa jurídica, então não há sentido em escolher o PGBL, pois não seria possível obter o desconto no IR”, diz Mara Bernardes, especialista em planejamento financeiro.
Além disso, a previdência privada é uma escolha comum para quem acumula uma grande herança, pois, diferentemente de outros bens, ela não depende de burocracias para ser transferida e pode até ser utilizada para pagá-las, como o inventário. Atualmente, outra vantagem do produto é a isenção de ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos).
O atual prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes, também tem boa parte de seus investimentos em previdência (R$ 999 mil). Seu maior patrimônio, porém, está em imóveis (R$ 1,5 milhão), e ele ainda financia a compra de mais um via consórcio, com uma cota de R$ 59 mil.
O segundo maior peso da carteira de Nunes, 56, são Fidcs (Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios), com R$ 1,1 milhão investido. Esses fundos geram uma rentabilidade acima de 100% do CDI (índice que acompanha a Selic), com um retorno mensal aos cotistas. Porém, há riscos envolvidos, já que o recebimento depende do pagamento dos créditos que pertencem ao fundo.
O recomendado, segundo especialistas, seria que Nunes diversificasse mais o patrimônio e priorizasse a previdência privada e a renda fixa tradicional, na qual ele tem R$ 114 mil. Participações em empresas também compõem o capital total divulgado pelo prefeito, que conta ainda com um trator de R$ 176 mil.
As empresas também são boa parte do patrimônio declarado por Pablo Marçal, 37, no TSE, somando R$ 80,7 milhões. Reportagem da Folha de S. Paulo, porém, localizou empresas, imóveis e aeronaves em nome do influencer Marçal e de suas pessoas jurídicas que não constam da declaração à Justiça Eleitoral. No total, elas representam um patrimônio de até R$ 168 milhões.
Na declaração do TSE, a maior parte do capital de Marçal se localiza em aplicações financeiras, não detalhadas, que somam R$ 62,6 milhões. Outros R$ 19,2 milhões estão em LIG (Letra Imobiliária Garantida), instrumento que se assemelha à LCI (Letra de Crédito Imobiliário), mas sem a garantia do FGC (Fundo Garantidor de Créditos) e usualmente ofertado apenas a investidores qualificados (com mais de R$ 1 milhão).
“Normalmente, a LIG tem um retorno mensal, de 0,8% a 0,9%, mas é um investimento de longo prazo, geralmente de cinco anos, e não tem liquidez antes disso”, afirma Silva.
“Marçal tem o perfil de alguém que está acumulando recursos e LIG é um investimento bom para isso, no médio prazo. Mas ele já deveria estar fazendo seus primeiros investimentos em previdência”, diz Carvalho, da SuperRico.
O influencer tem ainda R$ 5 milhões em imóveis e R$ 706 mil em fundos de Venture Capital, que investem em startups. A modalidade é considerada arriscada, mas de alto potencial de retorno no longo prazo. “Ele tem muito patrimônio e pode correr riscos”, diz Mara.
Segundo o planejador financeiro Marlon Glaciano, o perfil de Marçal é atípico no Brasil. “Ele tem uma carteira mais agressiva, com um perfil bem longe da maioria, que é mais imediatista. Ele é novo e pode correr risco.”
Já Marina Helena tem uma carteira mais conservadora, com R$ 8 milhões em imóveis e R$ 928 mil em renda fixa tradicional. “Ter 83% da carteira em imóveis talvez tenha a ver com o fato de ela ter recebido alguma herança, mas é conservador para idade dela não ter previdência”, diz Carvalho.
Ela também tem R$ 585 mil em Fidc e R$ 99,8 mil em FII (fundo de investimento imobiliário), que funciona de maneira semelhante, só que com recursos vindos de contratos imobiliários, e é considerado mais seguro.
A candidata declarou ainda ter R$ 100,3 mil em diversos fundos: de ações, atrelados a índice de mercado, mútuos de privatização (que permitem alocar os recursos do FGTS em ações de empresas em processo de desestatização), e de investimento em empresas emergentes (companhias tenham faturamento líquido anual inferior R$ 30 milhões).
“É uma estratégia focada na preservação de capital e aversão ao risco, mas a falta de diversificação em outros ativos pode representar um risco em termos de flexibilidade e capacidade de responder a mudanças econômicas adversas”, diz Glaciano.
JÚLIA MOURA / Folhapress