SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em uma manhã comum, dois grupos da Nova Inglaterra se reúnem para jogar beisebol. Divididos entre vermelhos e azuis, eles se aquecem nos bancos e vestiários. Crianças brincam nos arredores, pouco atraídas pelo confronto de titãs. O vendedor de um food truck atrapalha o treinamento com anúncios desenfreados. Um senhor tenta prever o placar enquanto conversa sozinho na arquibancada. Tudo segue em plena normalidade, mas este não é um dia como qualquer outro. É a última partida que o campo irá presenciar.
Se alguns diretores passam toda uma vida procurando maneiras de filmar milagres, o que Carson Lund propõe com “Eephus”, em exibição na Mostra Internacional de São Paulo, é praticamente o contrário. O cineasta escolhe um local fadado ao esquecimento para chamar de paraíso e dedica uma hora e quarenta à sua falência natural. Somos testemunhas de uma terra de possibilidades cuja magia está prestes a acabar, nem que para isso precise viver as suas últimas horas de encantamento.
Diferente da perfeição que um deus esperaria para a sua criação idílica, a direção de Lund não está preocupada com a performance desses esportistas. Na verdade, até mesmo aqueles que nunca acompanharam uma partida de beisebol perceberão facilmente que todos jogam muito mal. Nosso olhar perde interesse pelo jogo e somos atraídos por um cenário maior.
O trunfo está na valorização do que dá sentido à partida. A memória do senhor esquecido insiste em resgatar jogos do passado. Um garoto seduzido pelos saques e rebatidas ameaça se aproxima da grade metálica. Seu rosto é contraposto ao de um jogador veterano. Passado, presente e futuro se encontram em uma mesma imagem.
Os enquadramentos se esforçam para encaixar os seres errantes. Lund comprime gerações, mistura sonhos e frustrações através da câmera, distorcendo o espaço segundo a vontade dos personagens. Por vezes, parece maior do que realmente o é, escondendo corredores e bancadas que guardam novos detalhes. Por outras, parece se fechar, sufocando os personagens incapazes de viver sem uns aos outros.
É como a jogada título. Em determinado momento, um jovem arremessador explica a sua principal estratégia: a bola “Eephus”. Nem rápido nem devagar demais, o arremesso confunde aquele que se prepara para rebater. Dá a impressão de estar manipulando o tempo, avançando e retrocedendo simultaneamente. Uma síntese do projeto, que estende os minutos para abrigar seus últimos momentos, sem que a opressão do avanço deixe de afetar os jogadores.
Esse temor aumenta quando as luzes se apagam. O cair da noite obriga os times a persistirem no escuro. Tudo se torna sugestão, guiada por gritos, acertos de bola e corpos disparando sobre o chão terroso. É um momento em que o filme atinge um estado quase transcendental, onde o culto à partida convence o espectador daquilo que não é possível ver.
A partir daí, o filme brinca com os seus personagens enquanto ilustrações e os mergulha em uma espécie de transe expressionista. As sombras fortes e o alto contraste os deslocam da realidade, alinhados ao seu desejo de preservar o campo de beisebol e livrá-lo dos efeitos do tempo.
“Eephus” é esse exercício duplo. Projeta uma realidade quase paralela, onde o tempo se alonga e os jogos de beisebol podem durar por horas e horas. Mas seu cronômetro nunca para de avançar, teimando anunciar um fim iminente. Nunca uma partida foi tão espirituosa.
EEPHUS
Quando Mostra de SP: Seg. (28), às 19h20, no Espaço Augusta
Classificação 14 anos
Elenco Keith William Richards, Cliff Blake e Ray Hryb
Produção Estados Unidos, 2024
Direção Carson Lund
Avaliação Muito bom
DAVI KRASILCHIK / Folhapress