MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – A seca no Amazonas, onde 20 municípios já estão em situação de emergência, tem levado o poder público a abrir estradas de terra para caminhos antes via rio e a anunciar o envio de cestas básicas e água potável a comunidades isoladas.
Em Parintins, no baixo Amazonas, o rio chegou ao nível máximo de cheia em junho, mas ficou 1,27 metro abaixo da cheia anterior, consequência da seca histórica de 2023. Isso obrigou embarcações de grande porte, com turistas, a atracarem em balsas no meio do rio por não conseguirem chegar à orla.
O município criou estradas para comunidades com acesso antes apenas pelos rios e microssistemas de água para evitar o desabastecimento, de acordo com o prefeito Bi Garcia (PSD).
Neste ano, o governo voltou à estratégia de anunciar o envio de cestas básicas a indígenas. Em 2023, no entanto, os itens com produtos industrializados foram devolvidos pelos indígenas do Vale do Javari, no oeste do estado.
“A gente não come esse alimento. Produzimos mandioca, temos caça e fartura. Precisamos de insumos para agricultura e produto de higiene porque não dá para descer para a cidade com o rio seco”, disse o coordenador da Univaja (União dos Povos Indígenas do Javari), Bushe Matis.
No final de maio, o governo estadual emitiu alerta de seca tão severa como a de 2023 e orientou estocagem de alimentos e água potável. O prefeito de Itamarati, João Campelo (MDB), afirma que a antecipação já é feita, dentro das limitações do orçamento do município e das famílias, a cada vazante.
Campelo diz enviar três meses de medicamentos e merenda escolar e deixar professores fixos nas comunidades isoladas pela vazante. Itamarati fica na calha do rio Juruá, no sudoeste do Amazonas, próximo ao Acre.
Em fevereiro deste ano, cestas básicas e água potável da ajuda emergencial da seca de 2023 chegaram por balsa a São Gabriel da Cachoeira, no extremo norte do país.
O presidente da Foirn (Federação das Organizações Indígenas do Alto Rio Negro), Marivelton Baré, afirma que a segurança alimentar e o abastecimento de água potável e energia elétrica –feita por meio de termelétrica que precisa de diesel– exigem ações que se antecipem à seca. “A produção local não é incentivada, há uma dependência de produtos industrializados em terras totalmente férteis. Qual plano para além do emergencial?”, questiona.
A coordenadora executiva da Apiam (Articulação dos Povos Indígenas do Amazonas), Mariazinha Baré, afirma que foi sugerido, numa reunião com órgãos do estado, que indígenas deixassem suas aldeias para evitar o isolamento na seca.
“Não queremos ser refugiados climáticos. Queremos tecnologias que nos ajudem a manter nossos modos de vida nos territórios. Tem parentes que cavam com a mão para ter água. Vamos ter que passar por quantas secas para sermos ouvidos e termos medidas estruturantes?”
O presidente da Câmara de Humaitá, Manoel Domingos Neves (PSB), diz que a seca no rio Madeira, que desce cerca de 12 cm por dia segundo o relatório do SGB (Serviço Geológico do Brasil), aumentou o custo de vida. “Desde que foram construídas as usinas Santo Antônio e Jirau, o rio não é mais controlado pela natureza.” Em 2023, a estiagem parou a Santo Antônio, a quarta maior hidrelétrica do país.
O rio Madeira descarrega água e sedimentos no rio Amazonas. No ano passado, a hidrovia ficou obstruída e prejudicou o abastecimento da população e da ZFM (Zona Franca de Manaus).
O secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti), Serafim Corrêa (PSB), disse que a dragagem de sedimentos em trechos do Amazonas e Madeira aguarda pela conclusão do processo licitatório no governo federal. Caso não se efetive, os terminais portuários particulares trabalharão com entrepostos antes dos pontos críticos, e os produtos serão descarregados e levados em balsas para Manaus.
A licença ambiental para dragagem foi concedida em tempo recorde pelo Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas).
“Qual impacto isso vai gerar em rios em formação como é o Madeira? Onde vão jogar os sedimentos? A gente precisa deixar que a natureza se reorganize, ela precisa se readaptar ao que nós seres humanos já fizemos com ela”, diz Mariazinha Baré.
Seca histórica
A vazante dos rios da bacia do Amazonas, iniciada há cerca de um mês, apresenta tendência de ser grande, mas não superior à maior seca da história, registrada em 2023.
A avaliação é da pesquisadora de geociência do SGB Jussara Cury, com base nos dados de monitoramento dos níveis de descida dos rios e na transição climática com o fim do fenômeno El Niño. No ano passado, a região sofreu a pior estiagem registrada em 121 anos.
“No momento, em relação ao clima, estamos em período de transição e as descidas têm sido regulares e dentro do padrão para esse período de vazante. Assim, a tendência é que a estiagem de 2024 seja de grande ordem, mas não com níveis mais baixos que 2023”, afirmou a pesquisadora.
Segundo o 29º boletim de alerta hidrológico da bacia do Amazonas, a maior parte dos rios indica níveis abaixo dos registrados no mesmo período do ano de suas piores secas.
“Algumas estações estão com níveis baixos, pois não se recuperaram totalmente da estiagem de 2023, como é o caso do rio Amazonas. Mas ano passado, ocorreram dois fenômenos climáticos simultâneos [aquecimento do Pacífico e Atlântico] que influenciaram as descidas intensas principalmente nos meses mais críticos da estiagem [agosto e setembro]”, explicou.
O último boletim mensal climático da Amazônia do Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia), divulgado em junho, aponta uma condição de “neutralidade” no trimestre entre julho e setembro.
Para o período, a previsão é de chuvas abaixo da média na parte inferior da bacia amazônica e dentro da normalidade nas demais regiões. No mesmo período em 2023, as chuvas estavam abaixo da normalidade nas cabeceiras dos rios e alteraram a recuperação da bacia.
ROSIENE CARVALHO / Folhapress