SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Javier Milei resolveu deixar para o fim do vídeo os votos de “Feliz 2024” para os argentinos, na mensagem oficial que publicou na noite de sábado (30).
Há pouco mais de 20 dias no cargo, o presidente da Argentina tem apresentado propostas duras –como cortes de subsídios, redução do Estado e do número de ministérios e restrições a protestos.
Em uma época do ano em que a os presidentes preferem dar boas notícias, o novo mandatário argentino optou por começar seu pronunciamento ano lembrando que a população deve estar preparada para o pior. No vídeo, de sete minutos, é como se ele só lembrasse no fim que era antevéspera de Ano-Novo.
Milei prevê que o ano que vem será difícil para todos e que o país poderá enfrentar “uma catástrofe econômica de magnitude desconhecida para qualquer argentino vivo”, caso o Congresso não aprove as medidas enviadas por seu governo.
A chamada “lei ônibus” (por transitar por diversos setores, da economia à política) tem um total 664 artigos e propõe, entre outros pontos, a eliminação das eleições primárias, mudanças no âmbito penal e desregulamentação da economia.
Combinadas com os 366 artigos de outro decreto da semana passada, as medidas definem as mais de mil alterações que o novo governo quer para fazer uma “revolução liberal”.
As mudanças visam atrair investimentos, diminuir o tamanho e a burocracia do Estado e atribuir ao Executivo poderes sobre matérias que precisariam do aval do Legislativo. Algumas medidas endurecem penas sob a premissa da lei e da ordem.
Milei afirmou que, embora muitos argentinos tenham ficado impressionados com a quantidade de medidas e com a velocidade com que o novo governo tem proposto mudanças profundas, elas são necessárias para mitigar os efeitos do que considera ser a pior herança da história, deixada pelo governo anterior, de Alberto Fernández.
“Estamos falando de uma economia com 15 pontos de déficit consolidado, com uma emissão monetária de 20 pontos do PIB nos últimos quatro anos, com preços artificialmente reprimidos na energia e nos transportes até um quinto do seu valor real, com um banco central sem reservas e com uma inflação que nas últimas semanas atingiu 1,2% diariamente. Isso anualizado implicaria em torno de 7.500% ao ano.”
Milei afirmou que as medidas propostas pelo novo governo são os primeiros passos para virar a página e deixar para trás de uma vez por todas o modelo econômico que ele considera ter mergulhado os argentinos na miséria.
Na mensagem à população, Milei disse que as consequências da não aprovação das medidas seriam ainda mais terríveis do que as da crise de 2001 e 2002.
O ano de 2001 terminou em uma espiral de crises do “corralito” e do “corralón” que até hoje assombra a política argentina, com a renúncia do presidente Fernando de la Rúa, com o fim da conversibilidade entre peso e dólar, protestos de rua com mortos e feridos, confisco e desvalorização da moeda.
Para evitar o pior cenário, o presidente pediu apoio da população às reformas. “Esta lei confere ao Executivo os poderes necessários para agir face a esta situação de emergência e evitar a catástrofe econômica, além de promover reformas profundas na segurança comercial, fiscal, produtiva, social, educacional e em todas as áreas do governo”, disse.
Com minoria no Legislativo, o anarcocapitalista aproveitou a mensagem de fim de ano para convocar a população a pressionar deputados e senadores para que aprovem as mudanças. “Se todos os atores políticos, sociais, sindicais e empresariais do país compreenderem o momento histórico que vivemos e apoiarem o nosso programa, tenho certeza que haverá luz no fim do caminho.”
O mandatário também disse considerar que, apesar das dificuldades de 2024, esse pode ser o ano em que o país deixará para trás o “modelo coletivista” que o tornou pobre e abraçará novamente o “modelo de liberdade” que o fez rico há cem anos.
Leia a íntegra do discurso de Milei:
“Pouco antes do início das celebrações do Ano Novo, quero dirigir-me a todos os argentinos para estender as minhas saudações e partilhar uma breve mensagem. Amanhã marcará as primeiras três semanas desde que assumimos a liderança da nação. Desde 10 de dezembro, desenhamos um plano de choque de estabilização, encolhemos o Estado, implementamos uma nova doutrina de ordem pública e promovemos mais de 500 reformas, entre muitas outras iniciativas.
Alguns ficaram impressionados com a quantidade e a severidade das medidas que adotamos. A verdade é que foram necessárias para tentar mitigar os efeitos da pior herança da história. Estes são os primeiros passos para virar a página e deixar para trás de uma vez por todas o modelo econômico, a casta que mergulhou os argentinos na miséria durante mais de cem anos. A mudança radical deste modelo empobrecedor é um compromisso inegociável que assumi com todos os argentinos. No entanto, o problema herdado é muito profundo.
Estamos falando de uma economia com 15 pontos de déficit consolidado, com uma emissão monetária de 20 pontos do PIB nos últimos quatro anos, com preços artificialmente reprimidos na energia e nos transportes até um quinto do seu valor real, com um Banco Central sem reservas e com uma inflação que nas últimas semanas atingiu 1,2% diariamente. Isso anualizado implicaria em torno de 7.500% ao ano.
Uma herança que condena metade dos argentinos à pobreza, atingindo especialmente 7 em cada 10 das nossas crianças. Esta é uma situação inicial pior do que a de 2001-2002, que foi a pior crise da nossa história. Portanto, estamos perante uma situação de emergência nacional que nos obriga a agir de forma imediata e contundente com o maior número possível de instrumentos que excedem em muito os recursos que utilizamos nestas primeiras semanas.
Quero deixar isto claro: a menos que façamos o que é necessário, estamos agora caminhando para uma catástrofe econômica de uma magnitude desconhecida por qualquer argentino vivo. Por isso enviamos ao Congresso um projeto de lei que pode muito bem determinar o destino do nosso país com a convicção de que será aprovado nas próximas semanas. Chamamos essa lei de ‘Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos’, em referência a Juan Bautista Alberdi, o autor intelectual da nossa primeira Constituição.
Tendo suas ideias de farol, foi realizado o projeto de país que entre o final do século 19 e o início do século 20 fez da Argentina o país mais rico do mundo. Esta lei confere ao Executivo os poderes necessários para agir face a esta situação de emergência e evitar a catástrofe econômica, além de promover reformas profundas na segurança comercial, fiscal, produtiva, social, educacional e em todas as áreas do governo.
O espírito da lei é voltar a ser um país livre com um Estado limitado que atue em defesa da vida, da liberdade e da propriedade dos argentinos. Um país onde a ordem pública é respeitada, um país onde a política não tira proveito dos cidadãos, mas está ao seu serviço. Onde todos sejam livres para trabalhar, produzir, empregar, comercializar, importar e exportar como considerem melhor, e não como um burocrata ditando as regras de um escritório governamental. Quem pode preferir o país devastado de hoje ao país próspero que propomos?
Dentro de algumas semanas, quando chegar a hora da verdade, os deputados e senadores do país se verão diante de duas opções. Eles serão capazes de rejeitar a lei e continuar com o modelo que nos empobreceu durante cem anos, ou serão capazes de aprovar a lei para fazer uma mudança profunda e mais uma vez abraçar as ideias de liberdade?
Ao longo do último ano, estabeleci um código de honra com os argentinos. É melhor contar uma verdade incômoda do que uma mentira confortável. E embora eu não tenha prometido um caminho cheio de rosas, mas sim de esforço e sacrifício, a grande maioria dos argentinos me retribuiu com seu voto.
Vou insistir com uma dura verdade que já disse muitas vezes: devido às decisões irresponsáveis tomadas pelos recentes governos, o próximo ano será difícil para todos nós. Mas a outra certeza que tenho é que se o nosso programa for obstruído pelas mesmas pessoas de sempre, que não querem que nada mude, não teremos os instrumentos para evitar que esta crise se transforme numa catástrofe social de proporções bíblicas.
Evitar esse futuro catastrófico a que nos levaram depende de todos, depende de nós do governo trabalharmos todos os dias para proteger os argentinos como temos feito, depende dos líderes sindicais e sociais que enfrentarão a responsabilidade histórica de escolher entre o bem-estar geral ou a preservação dos seus interesses pessoais, depende dos deputados e senadores que vão debater no Congresso e que terão que escolher se querem fazer parte da solução ou se querem continuar fazendo parte do problema. E depende também dos argentinos de bem, que vejam que estamos diante de um ponto de inflexão na nossa história e tenham fé que como nação poderemos avançar.
E é por isso que convido todos os argentinos de bem a exigirem que os seus representantes aprovem esta lei. O país precisa disso. Se todos os atores políticos, sociais, sindicais e empresariais do país compreenderem o momento histórico que vivemos e apoiarem o nosso programa, tenho certeza que haverá luz no fim do caminho.
Em essência, nossas reformas implicariam em níveis de liberdade econômica que em um período de 45 anos nos permitiriam multiplicar por dez o nosso PIB per capita, alcançando nível similar ao da Irlanda, que hoje se encontra 50% acima do dos Estados Unidos.
Por fim, quero desejar mais uma vez a todos os argentinos um feliz Ano Novo. Espero que vocês possam passá-lo na companhia de suas famílias e entes queridos. Este pode ser o ano em que completaremos um século de fracasso. Este pode ser o ano em que deixaremos para trás o modelo coletivista que nos tornou pobres e em que abraçaremos novamente o modelo de liberdade que nos tornou o país mais rico do mundo.
O meu desejo para este novo ano é que a liderança política abandone as suas vendas ideológicas e os seus interesses pessoais e esteja à altura da ocasião para poder avançar rapidamente nas mudanças de que o país necessita. Por fim, que Deus abençoe os argentinos e que as forças do céu estejam conosco.
Muito obrigado.”
DOUGLAS GAVRAS / Folhapress