SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Novo filme de Ira Sachs, “Passagens”, que chega agora ao Brasil, causou polêmica nos Estados Unidos pelas cenas de sexo, que reacenderam o infindável debate sobre qual deve ser o nível de intimidade exposto nas telas dos cinemas.
Apesar de nenhuma genitália aparecer nas telonas, a Motion Picture Association, associação que reúne os maiores estúdios de Hollywood, classificou o longa como impróprio para menores de 18 anos. Mas o erotismo, no caso de “Passagens”, é peça-chave para dar vasão à densidade emocional do longa, que retrata um complexo triângulo amoroso.
Tomás, um cineasta encarnado por Franz Rogowski, ator alemão que vem conquistando diretores da Europa aos EUA, vive há anos com seu marido Martin, papel de Ben Whishaw, um confortável apartamento em Paris, com chão de madeira clara, pé-direito alto e decoração descolada.
Mas não tarda para que ele comece a se mostrar entediado mais do que infeliz com a relação. O que não parece novidade para o marido que, com o semblante constantemente cansado, diz que o alvoroço de Tomás acontece sempre que ele termina um filme.
O cineasta, então, conhece a professora de escola primária Agathe, encarnada por Adèle Exarchopoulos, figurinha carimbada no circuito francês de cinema. Ambos se envolvem mais fisicamente do que qualquer outra coisa, visto que são raros os diálogos sobre a vida um do outro.
De forma sutil e certeira, com boas doses de manipulação emocional, Tomás envolve Martin e Agathe em uma relação a três no qual o direito de se relacionar com duas pessoas é um privilégio só seu.
Diferente de “Azul É a Cor Mais Quente”, por exemplo, filme em que Exarchopoulos foi protagonista e mais tarde afirmou ter se sentido pressionada a gravar as longas cenas de sexo com a atriz Léa Seydoux, o ato sexual em “Passagens” não parece à toa.
Pelo contrário. As cenas eróticas estão bem costuradas à intensidade emocional do filme, e a ação se torna como uma tentativa dos personagens de estabelecer alguma intimidade ou buscar outros elementos que parecem faltar em sua relação, como confiança.
Especialmente para Tomás, o sexo parece ser uma desesperada ferramenta de conexão e, em outros momentos, uma forma de manipular seus parceiros, levando-os a acreditar em uma espécie de comprometimento que ele não consegue assegurar nem a si próprio.
Ira Sachs, diretor do filme, não se detém na exploração da orientação sexual de Tomás até porque não combinaria com o personagem, que não parece não se analisar com frequência mas, ao contrário, toma constantemente decisões por impulso sem pensar no impacto sobre os outros.
Em “Passagens”, Sachs mantém os diálogos que parecem investigar as emoções de seus personagens, típicos de seus filmes, e adota um tom mais dramático para se debruçar sobre emoções que, segundo ele, fazem parte da realidade crua da vida adulta.
Ao contrário de seus últimos longas, “Frankie”, “Melhores Amigos” e “O Amor é Estranho”, as relações familiares são deixadas de lado em prol de um conturbado triângulo amoroso causado por um personagem egocêntrico.
Papel que cai como uma luva ao excêntrico Franz Rogowski, que acaba de estrelar também “Disco Boy” e que vem ganhando cada vez mais notoriedade internacional pelos seus papéis de psiquê complexa como em “Great Freedom”, que lhe rendeu uma indicação de melhor ator no Prêmio de Cinema Europeu.
A expressividade de Rogowski dá fôlego às cenas do filme, em que as intenções de Tomás não são transmitidas só nos diálogos e em suas ações, mas também em quadros de angústia solo. Apesar de seu sofrimento em tela, fica difícil sentir empatia pelo protagonista conforme o enredo avança.
PASSAGENS
Avaliação Muito Bom
Quando Estreia nesta quinta (17), nos cinemas
Classificação 18 anos
Autoria Ira Sachs
Elenco Franz Rogowski, Ben Whishaw e Adèle Exarchopoulos
Produção França, Alemanha, 2023
ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress