FOLHAPRESS – Murilo Benício se lançou como diretor de cinema em 2018 com uma adaptação pouco convencional de “O Beijo no Asfalto”, um dos clássicos de Nelson Rodrigues.
Em uma homenagem ao teatro e ao seu pai, admirador das tragédias rodriguianas, o filme de Benício começava justamente em um palco. Ao redor de uma mesa, atores discutiam “O Beijo” e interpretavam trechos da peça quando, sem sobressaltos, os bastidores se abriam para a trama.
Era um primeiro passo atrevido, longe da pasmaceira e da obviedade, indicando que estávamos diante de um cineasta promissor.
Sorte de principiante? “Pérola”, seu segundo filme, demonstra que Benício tem mesmo segurança e sensibilidade para a direção.
O curioso é que ele reafirma esse talento com uma produção bastante distinta da primeira no tema e no estilo. O diálogo do cinema com o teatro é outra vez evidente, mas as semelhanças não vão muito além disso.
Da tragédia da incursão inicial, ele salta para o melodrama, com diversas passagens divertidas. Do tributo ao seu pai, volta-se agora para a reverência à mãe.
Benício vai ao encontro de Mauro Rasi, um dos grandes dramaturgos brasileiros dos anos 1980 e 1990. Um dos textos mais celebrados do autor nascido em Bauru, em São Paulo, “Pérola” nasceu para o palco, mas oferece os recursos narrativos associados à linguagem cinematográfica, bem explorados pela direção.
É a relação entre mãe e filho amorosa, mas cheia de arestas que conduz “Pérola”, um texto autobiográfico em grande parte.
Ficamos sabendo logo no início que a personagem-título havia acabado de morrer, situação que leva o jovem Mauro, papel de Leonardo Fernandes de volta ao interior de São Paulo e às memórias do passado familiar.
Espontânea, no limite da extravagância, Pérola, vivida por Drica Moraes, adora cantar e beber as caipirinhas preparadas pelo marido, Vado interpretado por Rodolfo Vaz, o “rei dos drinques” como o chamam. A obsessão dela é construir uma piscina no quintal, obra que se arrasta por anos.
Mas Pérola se impõe, sobretudo, como uma mãe determinada. O problema é que o futuro que ela projeta para os dois filhos, Mauro e Elisa, papel de Valentina Bandeira, não combina com os planos cultivados por eles.
Vera Holtz fez história ao assumir esse papel no teatro há quase três décadas. Nesse trânsito entre os registros dramático e cômico, com o desenvolvimento de nuances que a tornam cada vez mais carismática, a Pérola de Drica também é uma interpretação de excelência.
Em uma carreira de 40 anos, talvez esse seja o seu melhor trabalho no cinema.
Os desempenhos de Vaz e Cláudia Missura, que vive uma das irmãs de Pérola, também são notáveis.
Extrair tanta força do elenco é um dos méritos de Benício, ele mesmo um bom ator. Há ainda um cuidado em reproduzir a atmosfera paulista dos anos 1960 e 1970, missão que, claro, não cabe apenas ao diretor.
A Bauru de outrora também ganha vida com a fotografia de Kika Cunha, o figurino de Bia Salgado e, especialmente, a direção de arte de Valéria Costa, que enfrenta o kitsch sem medo.
Quando a peça reestreou em São Paulo, em 1997, Nelson de Sá escreveu que o espetáculo alcançava “aquele ideal de integração entre o teatro dito de qualidade e o teatro popular”. Essa proeza Benício também consegue, agora no cinema.
PÉROLA
Avaliação Muito bom
Quando Estreia nos cinemas nesta quinta (28)
Classificação 12 anos
Elenco Drica Moraes, Leonardo Fernandes e Rodolfo Vaz
Produção Brasil, 2023
Direção Murilo Benício
NAIEF HADDAD / Folhapress