TEFEN, ISRAEL (FOLHAPRESS) – A escalada das tensões no Oriente Médio chegou a um novo patamar depois que foguetes disparados do Líbano pelo grupo terrorista Hezbollah provocaram um incêndio que se alastrou por 15 km², obrigando o governo de Israel a ordenar na segunda (3) a evacuação de milhares de moradores de cidades na fronteira norte. As equipes levaram 48 horas para debelar as chamas, e 70 mil pessoas tiveram de deixar suas casas, fugindo dos ataques com foguetes.
Em resposta, o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, disse, em visita à região atacada, que Israel está preparada “para uma ação muito poderosa no norte”. O governo anunciou nesta quarta-feira (5) a decisão de convocar mais 350 mil reservistas. É comum ver jovens de sandália em centros comerciais e nas praias de Tel Aviv e de Haifa com fuzis a tiracolo.
Declaração semelhante foi dada pelo comandante das Forças Armadas, Herzl Halevi. Segundo ele, aproxima-se “o momento em que uma decisão terá de ser tomada sobre o norte”. De acordo com Halevi, seus homens já “estão preparados” para uma ofensiva mais ampla no Líbano. No mesmo sentido, Boaz Bismuth, parlamentar do Likud, partido de Netanyahu, disse à Folha de S.Paulo que uma guerra no norte “já não é uma questão de ‘se’, mas de ‘quando'”.
Bismuth afirmou que seu governo não tem nenhuma ilusão de que as autoridades do Líbano venham a tomar qualquer atitude para impedir que o Hezbollah siga atacando cidades israelenses na fronteira, o que terá de ser feito militarmente por Tel Aviv. “O Hezbollah é um grupo terrorista com assentos no Congresso libanês. Como é possível que algo assim exista no mundo? É inaceitável. E é hipocrisia dizer que se espera uma atitude do governo libanês contra o Hezbollah agora”, declarou.
A fala do membro do Likud é uma resposta a parlamentares como Shelly Tal Meron, líder da bancada da oposição no Knesset (Parlamento israelense). “Nossas fronteiras estão sendo bombardeadas. Por que esperam que nós toleremos isso? Essa é uma situação que nenhuma nação soberana toleraria”, afirmou Meron à Folha de S.Paulo. Para ela, porém, a saída não é um novo confito: “Ninguém quer mandar seus filhos para mais uma guerra.”
Meron defende que outros países possam fazer pressão sobre o governo do Líbano para que ele se encarregue de conter o Hezbollah. Segundo ela, a maioria dos libaneses “não tem interesse numa guerra entre os dois países”.
A abertura de uma nova frente no norte traria riscos para Israel, já sobrecarregado com Gaza, tendo dobrado o percentual investido na guerra contra o Hamas, de 4,4% do PIB (Produto Interno Bruto) para quase 9%.
O governo de Netanyahu lida também com a pressão crescente de manifestantes que vêm protestando todos os dias no centro de Tel Aviv e de Jerusalém contra sua condução da guerra. Bibi, como é chamado, tornou-se um líder contestado, com uma base parlamentar cada vez mais frágil e que não consegue dar uma resposta satisfatória aos parentes dos 124 sequestrados ainda em poder do Hamas – muitos dos quais podem estar mortos desde outubro, sem que seus corpos tenham sido encontrados até agora.
A tensão no Líbano se agravou com dois episódios recentes. Na terça (4), forças israelenses disseram ter matado um comandante do Hezbollah numa operação na cidade libanesa de Naqoura. Quatro dias antes desse ataque, um outro bombardeio –atribuído pelo Hezbollah a Israel– atingiu a casa na qual a brasileira Fatima Boustani, 30, vivia com os filhos em Saddikine, a aproximadamente 5 km da fronteira com Israel. Uma filha de 10 anos e um filho de 9 também ficaram feridos.
Boustani foi internada em estado grave, mas agora respira sem ajuda de aparelhos, segundo um tio dela. A filha continuava internada, e o filho já havia recebido alta.
Questionada pela reportagem, as Forças de Defesa de Israel (IDF) reconheceram um possível “erro técnico” em ataques na região onde vive a família brasileira e que o incidente está sob revisão, mas não admitiram diretamente a autoria específica do bombardeio que atingiu Boustani e os filhos.
O presidente dos EUA, Joe Biden, insinuou em entrevista à revista Time nesta quarta-feira (4) que Netanyahu pode estar prolongando a guerra para sobreviver politicamente. Bibi enfrenta processos na Justiça doméstica desde maio de 2020, que podem leva-lo à cadeia por suborno, fraude e quebra de confiança. Biden disse também que Israel pode estar trilhando o mesmo caminho que os EUA após o 11 de Setembro, de travar “guerras sem fim”.
“Não vejo nenhuma comparação possível entre o que ocorre em Israel e a situação de segurança dos EUA”, disse à Folha de S.Paulo Avraham Levine, analista do Alma, centro de pesquisa que monitora a situação de segurança na fronteira norte.
“Israel é ameaçado e atacado diariamente pelo Hamas e pelo Jihad Islâmico de Gaza, pelo Hezbollah do Líbano e pelas milícias xiitas da Síria. O objetivo de Israel aqui é claro: trazer os reféns e dezenas de milhares de israelenses (evacuados de suas casas pelos ataques nas fronteiras) de volta para casa em segurança”, disse Levine. Ele vive com seus oito filhos em Safed, cidade próxima da fronteira com o Líbano e alvo frequente de foguetes lançados pelo Hezbollah.
Levine é um dos milhares de reservistas que foram chamados de volta ao serviço ativo das Forças Armadas desde os ataques do Hamas em 7 de outubro. Ele, que foi um major comandante de uma unidade antitanques na juventude, foi reincorporado e passou a servir o Exército ao mesmo tempo que seu filho de 19 anos, recém-retornado de operações em Gaza.
O jornalista viajou a convite do StandWithUs Brazil, da Conib (Confederação Israelita do Brasil) e da Fisesp (Federação Israelita do Estado de São Paulo)
JOÃO PAULO CHARLEAUX / Folhapress