BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O território da Noruega já foi parte da Dinamarca, que já lutou diversas guerras contra a Suécia, que controlou por séculos a atual Finlândia.
Diferente do passado com material farto para grandes inimizades, no entanto, o cenário atual é de cooperação quase total dos países nórdicos e de suas embaixadas em Brasília, algo incomum no universo diplomático.
As nações se organizam no Conselho Nórdico, instituição existente desde os anos 1950 para cooperação entre os parlamentos, e no Conselho Nórdico de Ministros, órgão de colaboração entre os governos. Seus sistemas de previdência e a rede de distribuição de energia são conectados.
Em Brasília não há uma instituição formal de cooperação entre eles, mas embaixadores e outros diplomatas falam-se cotidianamente, em uma comunicação descrita por membros dos quatro corpos diplomáticos como fluida e informal.
Essa informalidade reflete-se também no dia a dia das embaixadas. As equipes de comunicação compartilham informações e agendas, e os filhos de diplomatas morando nas embaixadas brincam juntos nos jardins do complexo, cuja segurança é compartilhada.
Ilustrativo disso e das fronteiras abertas também desde o pós-guerra entre os países, a reportagem transitou sem passar por guaritas, entre uma entrevista e outra, da embaixada da Suécia para a da Finlândia por dentro da representação da Noruega -cortesia da doação de terrenos conjugados durante a construção de Brasília pelo governo federal.
As embaixadas têm piscinas, quadras poliesportivas e saunas, onde promovem festas entre si. Há alguns anos organizam uma competição de jogos e brincadeiras entre as representações e vestem a mesma camisa como um time nórdico em campeonatos de futebol que envolvem outras embaixadas.
“O fato de trabalharmos tão próximos é uma consequência de pensarmos de forma semelhante. Temos personalidades diferentes e talvez assumamos papéis diferentes, como em uma família, mas somos fortemente ligados”, diz Karin Wallensteen, embaixadora da Suécia em Brasília.
As quatro embaixadas divulgam ações conjuntas em temas em que mais concordam e pelos quais são reconhecidos, como a igualdade de gênero e a transição energética.
“Somos complementares, mas o tipo de coisa que mais fazemos juntos tem a ver com políticas sociais baseadas em valores: promover a democracia, o estado de direito, igualdade de gênero, direitos LGBT+”, diz Odd Magne Ruud, embaixador da Noruega.
Os países participam como uma delegação, integrada por todos ou alguns membros, em reuniões e encontros com autoridades brasileiras, empresários e a sociedade civil.
O grupo esteve recentemente em Minas Gerais, em encontro com o governador Romeu Zema (Novo) e com a Federação das Indústrias (Fiemg) –grandes empresas dos países operam no estado, como a farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk.
“Em certo sentido, isso nos faz maiores. Se pensarmos em termos de população e de PIB, nos tornamos um país muito grande, seríamos um país do G20”, diz Johanna Karanko, embaixadora da Finlândia.
“É mais fácil conseguir acesso e faz sentido irmos juntos, tanto para nós como para quem nos recebe. Cada um de nós tem certas experiências, e isso faz com que seja mais interessante para os nossos contatos brasileiros nos ouvirem”, afirma Eva Pedersen, embaixadora da Dinamarca.
Nem tudo são flores, como em toda família. Há diferenças políticas históricas, como o fato de a Noruega não fazer parte da União Europeia, e portanto não participar de discussões a respeito do acordo UE-Mercosul.
Outros assuntos são de natureza bilateral e não fazem sentido serem tratados em grupo, como a cooperação Brasil-Suécia de produção do caça Gripen, da sueca Saab.
E muito embora seja tratada de forma leve pelos diplomatas, a diferença de interesses de cada um baliza o trabalho das embaixadas e mesmo a relação com o governo brasileiro -que, de modo geral, não aborda os nórdicos como um conjunto, mas individualmente, segundo os embaixadores.
De todo modo, a cooperação é disseminada entre embaixadas a ponto de causar estranheza perguntas sobre o nível de formalidade entre as equipes.
Emblemático disso foi o evento por ocasião da formalização da Suécia como membro da Otan, a aliança militar ocidental. O país foi o último dos quatro a entrar no grupo, oficialmente em março deste ano, após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
O antecipado ingresso sueco, por meses adiado em meio a negociações com membros ambíguos da aliança, contou com uma cerimônia formal de hasteamento da bandeira da Otan na embaixada –com flâmula emprestada pela Finlândia.
GUILHERME BOTACINI / Folhapress