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Emergências hospitalares não estão preparadas para pacientes obesos, apontam associações médicas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não bastassem os desafios sociais e profissionais, de acessibilidade e da vigilância constante sobre seus corpos, pessoas com obesidade sofrem dobrado quando o assunto é saúde. Nas emergências dos hospitais, o despreparo técnico e estrutural se traduz em riscos concretos: exames imprecisos, procedimentos comprometidos, tratamentos inadequados.

Esse é o diagnóstico da Abramede (Associação Brasileira de Medicina de Emergência) e da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), publicado recentemente em um posicionamento na revista Archives of Endocrinology and Metabolism.

Segundo a pesquisa Vigitel 2023, 61,4% da população adulta brasileira tem sobrepeso, e 24,3% já apresenta obesidade. No mundo, a projeção é que, até 2035, 54% dos adultos estejam acima do peso.

Os impactos vão além da balança: a obesidade é uma doença crônica, multissistêmica, associada a dezenas de comorbidades, como diabetes tipo 2, hipertensão, colesterol alto, doenças cardiovasculares (como infarto) e cerebrovasculares (como AVC), apneia do sono, infertilidade, transtornos mentais e vários tipos de câncer.

No contexto das emergências hospitalares, a falta de conhecimento e preparo pode agravar quadros que exigem intervenção rápida. Medidas básicas, como aferição da pressão arterial, exigem braçadeiras adequadas; se não houver, recomenda-se o uso no punho. A oximetria, outro procedimento simples, tende a superestimar a saturação de oxigênio em dois pontos percentuais, em média, em 9 a cada 10 pacientes com obesidade grau 3 ou superior (índice de massa corporal acima de 40 kg/m²).

A ideia é “melhorar o atendimento aos pacientes com obesidade nos serviços de emergência, após relatos frequentes de dificuldades e improvisações devido à falta de recursos e preparo adequado em hospitais de todo o país”, explica Lucas Silva, professor de medicina de emergência da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), membro da Abramed e um dos autores do posicionamento.

O próprio IMC também não escapa do escrutínio: “O IMC é amplamente utilizado por ser simples e barato [basta dividir o peso pelo quadrado da altura], mas idealmente não deveria ser a única medida”, diz Silva.

“Em um cenário ideal, todos fariam uma avaliação escalonada: cálculo do IMC associado à circunferência abdominal como triagem inicial, seguida por exames mais precisos, como bioimpedância, e uma avaliação clínica para identificar doenças associadas à obesidade. Essa abordagem integrada permitiria classificar obesidade não apenas por peso, mas pelo real impacto clínico e metabólico em cada indivíduo.”

Além do diagnóstico da obesidade propriamente dita, há outros gargalos, e um deles é fazer bons exames de imagem. O excesso de tecido adiposo compromete a qualidade das imagens, e equipamentos como tomógrafos e ressonâncias têm limites de peso e dimensão. A intubação -procedimento vital em situações críticas, como ficou evidente na pandemia de Covid- é mais difícil em pacientes com obesidade. A diretriz recomenda o uso da “posição em rampa”, elevando cabeça, pescoço e ombros para alinhar os eixos anatômicos e facilitar o acesso à traqueia.

O acesso venoso, periférico ou central, é outro problema. O excesso de gordura dificulta a localização de estruturas anatômicas, tornando importante o uso de ultrassom para reduzir o tempo do procedimento e o risco de complicações. E até mesmo a ressuscitação cardiopulmonar requer adaptações, como revezamento mais frequente de socorristas na assistência a pacientes, dado o esforço maior nas compressões.

Entre os aspectos mais críticos está o cálculo da dosagem de medicamentos. A maior parte dos fármacos têm doses padronizadas para adultos magros. Em obesos, erros de subdosagem são frequentes, especialmente em sedativos, antibióticos e anticoagulantes. Um paciente com obesidade pode, por exemplo, receber uma dose insuficiente de succinilcolina, comprometendo a eficácia da intubação em emergência. O mesmo se dá com antibióticos como vancomicina, que devem ser ajustados ao peso total para atingir concentrações terapêuticas adequadas.

Em outros casos, o risco é de superdosagem: medicamentos como o midazolam, um sedativo, devem ser calculados com base no peso ideal. Se dosado pelo peso total de um paciente com obesidade severa, pode levar à depressão respiratória. O posicionamento pede uma revisão ampla desses protocolos, considerando variáveis como peso total, peso ideal e massa magra, para garantir segurança no atendimento

As recomendações estruturais são diversas: leitos com capacidade superior a 230 kg, portas com pelo menos 1,22 metro de largura, macas reforçadas, equipamentos cirúrgicos específicos, balanças de alta capacidade e banheiros adaptados.

Newsletter Cuide-se Ciência, hábitos e prevenção numa newsletter para a sua saúde e bem-estar *** “A cama do centro cirúrgico, a esteira do tomógrafo têm limite de peso. Então tem risco desse motor queimar se não for adequado. As portas e o vaso sanitário, eles não foram feitos para o obeso. O obeso não cabe, não consegue sentar, não consegue passar, fica preso nas cadeiras. As macas são estreitas, têm escadinhas e são instáveis. Tem risco de virar, risco de queda”, descreve Diego Adão, professor de emergência cirúrgica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que não participou da elaboração do documento.

E a encrenca está até nos instrumentos cirúrgicos: “Eles têm comprimento para um paciente magro. Quando você vai operar o obeso, não consegue usar os mesmos materiais em todas as situações. A própria cirurgia bariátrica, a laparoscopia, tem pinças especiais, mais longas, com resistência e angulação diferentes”, explica o médico.

Para fazer o plano sair do papel, a ideia é se aproximar dos diversos setores com poder de decisão, como representantes dos poderes Executivo e Legislativo. “Existe a clara intenção de influenciar políticas públicas. Para transformar isso em realidade, o próximo passo é um trabalho conjunto de sensibilização política, advocacy e, possivelmente, projetos-piloto que mostrem os benefícios dessas adaptações.”

Apesar disso, ainda não há um detalhamento de custos por leito ou por unidade de emergência. “Macas reforçadas, portas alargadas e equipamentos bariátricos certamente têm um custo significativo, variando de milhares a milhões de reais”, reconhece Lucas. Cada hospital terá de dimensionar o investimento necessário de acordo com sua estrutura e capacidade de financiamento.

Mas a transformação tem de ir além da engenharia hospitalar. Os autores apontam a necessidade de reformar currículos médicos, treinar profissionais para examinar corpos reais, além de combater o estigma com linguagem adequada (uso de “pessoa com obesidade” em vez de obeso), escuta empática e condutas clínicas baseadas em evidências. É preciso reconhecer que a obesidade, apesar de o peso poder ser controlado em alguma medida, é uma doença crônica, incurável e progressiva –e que o sistema de saúde precisa estar à altura dessa complexidade.

GABRIEL ALVES / Folhapress

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