SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2023, o Brasil emitiu 2,29 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa (GtCO₂e), queda de 12% na comparação com o ano anterior, quando foram emitidas 2,6 GtCO₂e.
Os dados são da nova coleção do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), elaborada pelo Observatório do Clima e lançada nesta quinta-feira (7).
O primeiro ano do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve a maior redução percentual desde 2009 (1,7 GtCO₂e), quando ocorreu o menor patamar de emissões da série histórica da plataforma, que se inicia em 1990.
A diminuição na poluição por gás carbônico e outros gases que provocam as mudanças climáticas foi causada pela contenção do desmatamento na amazônia. Na esteira da retomada de políticas para combater a devastação da floresta, as emissões por desmatamento na região caíram 37% foram de 1,07 bilhão de toneladas de CO₂e para 687 milhões de toneladas (MtCO₂e).
Considerando todos os biomas brasileiros, a redução das emissões por desmatamento foi de 24%. Isso porque, com exceção da amazônia e do pampa (-15%), os índices aumentaram expressivamente: no pantanal cresceram 86%; no cerrado, segundo maior bioma do país, 23%; na caatinga, 11%; e na mata atlântica, 4%.
As mudanças de uso da terra (basicamente, desmatamento) são a principal fonte de emissões brutas de gases de efeito estufa do Brasil, respondendo em 2023 por 46% do total (1,062 GtCO₂e). Para comparação, se fosse um país, o desmate dos biomas brasileiros seria o oitavo maior emissor do planeta, considerando dados de 2021 compilados pela plataforma Climate Watch.
“A queda nas emissões em 2023 certamente é uma boa notícia”, diz o coordenador do Seeg, David Tsai. “Ao mesmo tempo, mostra que ainda estamos excessivamente dependentes do que acontece na amazônia, já que as políticas para os outros setores são tímidas ou inexistentes”.
ECONOMIA BRASILEIRA EMITINDO MAIS
Todos os setores da economia tiveram aumento de emissões no ano passado. A alta mais expressiva, de 2,2%, ocorreu na agropecuária, que lançou na atmosfera 631 milhões de toneladas de gases de efeito estufa, contra 617 MtCO₂e em 2022. O agro é a segunda maior fonte emissora do país (28% do total) e bateu seu próprio recorde de carbono pela quarta vez consecutiva.
Somadas às emissões por mudança de uso da terra, largamente associadas à abertura de pastagens e lavouras, a atividade agropecuária segue sendo a maior emissora do país, respondendo por 74% da poluição climática em território nacional.
Segundo o Seeg, o incremento no setor foi provocado principalmente pela expansão do rebanho bovino, que em 2023 chegou a 238,6 milhões de cabeças de gado. Isso se reflete, principalmente, no crescimento da fermentação entérica (o “arroto” do boi), nome dado à digestão de celulose por animais ruminantes, que emite metano, um poderoso gás de efeito estufa.
Estima-se que o metano aqueça o planeta cerca de 80 vezes mais do que o dióxido de carbono. O metano, porém, se dissipa ao longo de décadas, enquanto o CO₂ (responsável por 64% do aquecimento do planeta) pode levar centenas de anos para desaparecer. Cientistas defendem que cortes drásticos nas emissões de metano podem ser uma forma de resfriar o planeta rapidamente.
No setor de energia, a elevação foi de 1,1%, indo de 420 MtCO₂e em 2022 para 417 MtCO₂e em 2023, enquanto o setor de processos industriais cresceu 0,9%, de 90 MtCO₂e para 91 MtCO₂e, e o de resíduos, 0,2%, variando de 91 MtCO2e em 2022 para 92 MtCO2e no ano passado.
O setor de energia respondeu por 18% das emissões totais do Brasil no último ano, e os de resíduos e processos industriais, por 4% cada.
Nos quatro setores, aponta o relatório, o aumento das emissões acompanhou o aquecimento da economia, com alta de 2,9% no PIB (Produto Interno Bruto).
“Isso indica que a economia brasileira está atrelada às emissões de gás de efeito estufa”, explica Tsai, usando como exemplo o transporte da produção, muito dependente do modal rodoviário e do diesel de petróleo.
“O Brasil precisa de um plano de descarbonização consistente e que faça de fato uma transformação na economia”, afirma o pesquisador.
Ele ressalta que a transição energética deve garantir que as necessidades sociais e econômicas dos países sejam atendidas com energia que venha de fontes limpas, como solar, eólica, hidrelétrica e biocombustíveis. “Não é só possível desassociar o crescimento econômico das emissões como é necessário”.
‘MIGRAÇÃO’ DO DESMATE
A amazônia é o bioma que historicamente mais tem emitido gases do efeito estufa, principalmente por causa do avanço da pecuária sobre a floresta.
De acordo com o Seeg, em 2022, as emissões brutas do bioma foram cinco vezes maiores do que as do cerrado, em razão da maior extensão da área desmatada e da vegetação florestal, que acumula mais carbono. Mas em 2023, essa distância diminuiu e as emissões brutas da amazônia foram 3,5 vezes maiores do que as do cerrado.
Ainda que continue num patamar alto, a perda da vegetação nativa na amazônia vem diminuindo, enquanto no cerrado ocorre em uma velocidade proporcionalmente três vezes maior.
“O aumento da devastação no cerrado num momento de queda na amazônia já ocorreu em outros momentos e provavelmente indica ‘vazamento’ do desmate entre biomas”, diz o relatório do Seeg.
O avanço do desmate na região fez o Maranhão entrar pela primeira vez no ranking dos cinco estados com mais emissões brutas do Brasil, atrás apenas de Pará e Mato Grosso.
Emissões brutas representam o total emitido pelo país. Já no cálculo das emissões líquidas é descontada a remoção de carbono feita por florestas regeneradas, unidades de conservação e terras indígenas. As emissões líquidas brasileiras caíram 15% em 2023, indo de 1,956 GtCO₂e em 2022 para 1,653 GtCO₂e.
Essa medida é a usada pelo governo federal na meta climática assumida no Acordo de Paris, conhecida como NDC. O compromisso brasileiro é de 1,3 GtCO₂e de emissões líquidas em 2025 e de 1,2 GtCO₂e em 2030.
Em nível global, a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera bateu um novo recorde no ano passado, segundo a Organização Meteorológica Mundial, vinculada à ONU.
A concentração de CO₂ na atmosfera atingiu 420 partes por milhão (ppm) em 2023, um crescimento de 2,3 ppm em relação ao ano anterior. Esse foi o 12º ano consecutivo em que a concentração de dióxido de carbono cresceu acima de 2 ppm.
JÉSSICA MAES / Folhapress