SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O processo de descarbonização na construção civil no Brasil tem ganhado força com iniciativas voltadas à redução de emissões de dióxido de carbono. A indústria da construção civil é uma das maiores responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa (GEE), especialmente devido ao uso de materiais como cimento e concreto e à geração de resíduos.
Segundo a Setec (Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Governo Brasileiro), as emissões de GEE do setor de construção e edificações correspondem a 6% das emissões nacionais, totalizando cerca de 139 milhões de toneladas de CO2 anualmente.
Na iniciativa privada, construtoras e incorporadoras adotam materiais de baixo carbono, como tijolos ecológicos, madeira certificada, concreto verde (feito com menores emissões) e argamassa sustentável em busca de certificações e padrões sustentáveis que valorizam seus projetos. Há reutilização de resíduos de demolição e reciclagem para reduzir o impacto ambiental.
Um projeto federal para edificações carbono zero está na fase final de detalhamento e começará por escolas. Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a submissão do documento final deve ser feita pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente nesta semana.
O projeto prevê recursos não reembolsáveis no valor de US$ 10 milhões (cerca de R$ 60 milhões). Com a colaboração de diversos órgãos governamentais e do setor privado, espera-se que a contrapartida, ao longo da execução do projeto, supere US$ 70 milhões (quase R$ 420 milhões).
Em Curitiba (PR), uma parceria entre incorporadoras e a SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental) zerou a emissão de carbono da construção de um edifício residencial de alto padrão. A saída foi adotar cinco hectares de floresta na Reserva das Águas, no litoral do Paraná, para compensar 100% das 2.640 toneladas de dióxido de carbono emitidas na obra do Árten.
“Aqui, ainda é um mercado voluntário. Lá fora, há várias empresas que já olham para isso e adotam essas estratégias de baixo carbono não só por uma questão de diferencial competitivo, mas por questões legais também. Cedo ou tarde, principalmente nessas emergências climáticas que estamos vivenciando, esse é um caminho que não vai se tornar opcional ou para ser um diferencial”, afirma Júlia Berticelli Basso, coordenadora de sustentabilidade da Hiex, do Grupo RAC Engenharia.
O cálculo das emissões produzidas pelo Árten usou a metodologia internacional de Avaliação de Ciclo de Vida do projeto, que estima o desempenho dessa edificação. Segundo Júlia, foi possível definir de forma precisa qual seria a melhor estratégia para compensar e equilibrar o nível de emissões de gases de cada fase do empreendimento, da construção a uma possível demolição no futuro.
“[O estudo] estima qual é o impacto quando teve extração da matéria-prima, dos materiais que a gente coloca, durante toda a fase de uso do futuro morador e até o possível fim do ciclo de vida. Então, quando essa edificação eventualmente for demolida ou parar de ser utilizada, o que vai ser feito com esses materiais?”, diz a engenheira civil.
Com oito pavimentos e 34 apartamentos, o Árten tem 5.845 m² de área construída. O projeto inicial, de 2019, foi lapidado para alcançar a máxima eficiência, endossada com o selo Procel Edifica A.
A escolha de materiais de menor impacto ambiental e gestão eficiente das sobras da obra resultou em mais de 107 toneladas de resíduos de construção civil -o correspondente a 156 caçambas- a serem desviadas de aterros sanitários. O material passou por triagem e, em vez de descartado, foi reaproveitado, por meio de doações e destinação para reciclagem.
Foi implantado no edifício um sistema fotovoltaico para uso da energia elétrica de matriz solar nas áreas comuns, equipadas com sensores de presença e lâmpadas de LED. Nos apartamentos, foram instalados sistemas que permitem o desligamento de interruptores e lâmpadas de forma remota e de banho inteligente com recirculação da água e reaproveitamento da água da chuva para regar jardins.
Segundo o engenheiro Gabriel Falavina Dias, sócio-diretor da Altma, as soluções de conforto térmico do projeto incluem ventilação cruzada e esquadrias termoacústicas, que vão contribuir na redução do uso de climatizadores.
Em Itapema (SC), a construtora J.A. Russi inaugura neste mês uma fazenda solar para mitigar a emissão de mais de 400 toneladas de dióxido de carbono por ano e atender à demanda total do shopping Garden Open Mall, que constrói na cidade. Segundo a empresa, a usina terá capacidade de gerar mais de 809 mil kWh por ano, compatível com o consumo nos projetos elétricos do espaço que terá 50 lojas, cinema e estacionamento distribuídos em 2.500 m².
A empresa usou uma área rural de Porto Belo, no litoral catarinense, para implantar a fazenda solar longe de “intervenções urbanas”.
Felipe Faria, CEO do Green Building Council Brasil (GBCB) -unidade brasileira da entidade mundial que direciona o mercado da construção civil em prol da sustentabilidade, afirma que a procura pelas certificações sustentáveis batem recorde a cada ano no país.
Certificações como LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) e AQUA-HQE (Alta Qualidade Ambiental) vêm sendo utilizadas para promover práticas mais sustentáveis no setor. Elas incentivam o uso eficiente de recursos, a redução de resíduos e o uso de energias renováveis e são objeto de desejo das incorporadoras pela vantagem competitiva no mercado.
Dados da GBCB mostram que em 2022 foram emitidos certificados para 219 novos empreendimentos. Em 2024, até setembro, foram 244 novos empreendimentos certificados. Segundo Faria, a ideia principal é estabelecer metas de desempenho, acima do que disciplinam as normas técnicas, para as empresas serem forçadas a maximizar ao máximo as soluções de eficiência. O residencial, ele diz, é o quarto segmento em crescimento hoje.
“Sempre o principal segmento de mercado, em termos de novos projetos registrados, foi o corporativo de alto padrão. Neste ano, o centro de logística e distribuição foi o maior número de registros em 2024. Isso por conta do crescimento do ecommerce. Depois, vêm grandes marcas do varejo”, afirma Faria.
ANA PAULA BRANCO / Folhapress