SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O veículo estaciona em frente ao condomínio residencial no Jardim das Perdizes, em São Paulo. Desembarca dele um homem trajando uniforme da empresa de segurança. Ele explica aos colegas a necessidade de tirar fotos da equipe, para atualização do cadastro da firma. “Coisa rápida”, diz.
Os funcionários concordam. Três deles são fotografados em frente ao prédio e, um quarto, no interior da guarita. O fotógrafo agradece e vai embora. Minutos depois, o encarregado da equipe é chamado à sede da empresa, sob o risco de perder emprego. O histórico de dez anos de bons serviços prestados o salvaria.
O encarregado quase foi demitido porque havia falhado em um teste: o suposto funcionário era, na verdade, um motorista de aplicativo usando uma camisa da empresa de segurança particular Haganá, emprestada para o teste, que simulava um acesso criminoso. Numa situação real, a invasão à guarita representaria riscos aos moradores.
A “invasão” ao condomínio do Jardim das Perdizes foi acompanhada pela reportaagem. Com autorização da empresa, a reportagem registrou testes em sete condomínios, na capital e em Guarulhos. Dos endereços visitados, em apenas um deles houve falha na segurança.
Em um dos endereços, foram quatro tentativas de invasões, em situações diferentes, duas delas simultaneamente. Todas repelidas.
Nesse caso de quatro testes, realizado em Guarulhos, foram empregadas algumas das técnicas mais usadas por criminosos, como um adolescente se passando por morador, uma mulher com trajes de ginástica, um veículo embicando na entrada da garagem e, ainda, um homem que fingia ser um entregador.
A própria equipe do endereço “invadido”, no Jardim das Perdizes, tinha barrado momentos antes uma tentativa invasão de veículo pela garagem. O coordenador diria aos chefes que eles pensaram que o fotógrafo estava registrando a equipe pelo sucesso dessa primeira ação.
“Na sequência, vieram vocês e se passaram por membro da equipe. Ou seja: foram induzidos ao erro. Mas não tem justificativa. Está errado, deveriam ter feito a confirmação com a central”, disse o diretor de operações da Haganá, Ricardo Francisco Napoli, responsável pelo setor de testes da empresa.
De acordo com o diretor, a empresa realiza esses testes operacionais há 26 anos. Por mês, são até 2.000 simulações, em mais de mil condomínios em que ela presta serviços. Nesses milhares de testes, ainda segundo Napoli, há falhas em cerca de 50 a 60 investidas (até 3% do total).
“O objetivo é manter as equipes em alerta, atentas ao cumprimento dos procedimentos e a toda a situação que elas passam em treinamento”, afirma.
Os atores usados nos testes fazem parte da própria empresa são pessoas que sabem realmente interpretar os papéis, para dificultar o nível do teste. A contratação de profissionais externos não é recomendada, para evitar o acesso a informações de segurança da empresa.
Além da Haganá, pioneira nesses testes, há outras empresas do ramo que adotaram as simulações. Há firmas especializadas, segundo o diretor, só em aplicação de testes de invasão.
As tentativas mais comuns de invasão a prédios, conta Napoli, têm sido de jovens se passando por estudantes voltando da escola e, ainda, de pessoas que ligam para a portaria avisando que algum parente vai chegar em minutos e autorizam a entrada (leia lista com mais casos abaixo).
Quanto aos funcionários do prédio do Jardim das Perdizes onde a segurança apresentou falha, Napoli afirma que todos iriam passar por reciclagem e, assim como todos os colaboradores que cometem erros nos testes, serão revisitados.
“A gente volta [aos endereços], sem que a equipe seja avisada, para que ela possa passar novamente pelo teste operacional. Se houver reincidência, ele [o funcionário] é desligado da empresa.”
O delegado Vinícius Nogueira, da 4ª delegacia do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), que investiga roubos e furtos em condomínios, reitera que o tipo mais comum de tentativa de invasão a condomínios é o de jovens se passando por moradores.
“Eles põem a mão no portão e esperam que o porteiro, ou o controlador de acesso, cometa essa falha e abra. Se não abrir, vão tentar em outro”, afirma.
Nogueira diz ainda que a maioria dos porteiros que deram acesso a criminosos nessas situações alegou ter aberto o portão pelo receio de barrar um morador e levar bronca. “Eles dizem: A gente já levou bronca porque barrou o filho do morador, porque não o reconheceu. Ou porque barrou o próprio morador, sem querer, porque não reconheceu”, narra o delegado.
Diante desse quadro, de intimidação de porteiros, Nogueira recomenda duas medidas de segurança que, segundo ele, dificultam o acesso indevido de pessoas. A primeira delas é a implementação de reconhecimento facial para abertura do portão, inclusive com imagens para acesso de visitantes.
Caso o condomínio não tenha recursos para a implantação desse sistema, que é caro, o controle pode ser feito manualmente, com uma máquina fotográfica ou câmera de circuito interno. Isso porque a pessoa que pretender praticar um crime não vai querer deixar imagens que possam levar à sua identificação.
“Em conversas informais com alguns autores de furtos de residência, eles mesmo falam para a gente: Ah, doutor, a gente já tentou entrar nesse prédio, mas a gente viu que é reconhecimento facial. A gente desiste porque sabe que vai dar problema, então a gente vai em outro que a segurança é mais falha'”, explica.
Outra dica é fazer a identificação das visitas já dentro da “clausura”, sem que elas tenham entrado no interior do condomínio. Isso porque, ao passar pelo primeiro portão, mas, encontrar o segundo fechado, o criminoso tende a ficar muito nervoso e, com isso, acaba se diferenciando de um morador comum.
“Quando ele vê que o outro portão não vai abrir, vai se desesperar. Se é um furtador, vai, provavelmente, fazer de tudo para sair. Ele vai arrombar o portão e sair correndo, como já ocorreu. Uma simples troca de procedimento: em vez de a visita sem identificar fora, se identifica dentro”, afirma.
O presidente da Aabic (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo), José Roberto Graiche Júnior, avalia que a massificação de equipamentos de segurança em condomínios conseguiu reduzir o número de casos de invasão a edifícios.
“As tentativas ainda são em grande quantidade, mas o êxito no golpe caiu muito. O que os condomínios estão vivendo muito agora? É o assalto na calçada. Na hora que você sai, para ir numa padaria, numa farmácia, ou você está esperando um Uber, falando ao celular… [Esses roubos] estão demais na cidade, crescendo muito. Tem um pânico dos moradores, da população.”
Graiche Júnior diz também que há um trabalho constante da associação para orientar e preparar os funcionários de condomínios para lidar melhor com golpes e antecipar situações que possam ser aproveitadas por criminosos, como a aplicação do Censo.
“Se o morador insistir [em não querer cumprir regra do local] e o porteiro se sentir acuado, constrangido, que ele aponte a ocorrência e chame o síndico para que tome as providências, como conversar, advertir ou multar.”
ROGÉRIO PAGNAN / Folhapress