SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto ainda sofre o impacto da pandemia, o setor aéreo sinaliza mudanças em sua sazonalidade que delineia o padrão das flutuações de preço influenciadas por oferta e demanda ao longo do ano.
Alterações no perfil sazonal podem afetar o planejamento estratégico das empresas e a previsibilidade dos consumidores que buscam bilhetes nos períodos de melhor custo-benefício.
Além das discrepâncias sazonais, um estudo do professor Alessandro Oliveira, do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), verificou forte reversão na trajetória de valores dos voos domésticos.
Antes do início da crise sanitária, em 2020, o mercado caminhava para uma tendência de queda de preços de aproximadamente 2,5% a cada cinco anos. Porém, isso se reverteu no pós-pandemia, levando a uma projeção de aumentos em torno de 23% a cada cinco anos, segundo o estudo.
“Essa é uma tendência extrapolada de cinco anos. Se as condições continuarem as mesmas, com tudo mais constante, todos os outros fatores controlados, aumentaria 23%. Isso é insustentável”, diz Oliveira.
Neste cenário de um patamar generalizado de passagens mais caras do que no passado, o estudo também apontou tendência de maior concessão de promoções na baixa temporada.
“Com preços altos, fica mais difícil encher os aviões. Aí os incentivos para dar descontos em alguns momentos-chave começam a aparecer”, diz.
Na prática, o pós-pandemia trouxe maior discrepância entre preços de alta e baixa estação.
“Observamos um efeito bem diferenciado no final da alta estação e nos primeiros meses da baixa, em particular, em abril”, diz o professor.
Procuradas pela reportagem, Gol e Latam afirmam que já fizeram promoções nos dois primeiros meses de 2024, que correspondem à alta estação.
A Gol diz que o calendário promocional segue ao longo do ano, com foco nas vendas nos fins de semana e madrugadas. Segundo a empresa, janeiro teve promoção com voos a partir de R$ 144 e, no Carnaval, por R$ 184.
A Latam afirma ter feito três promoções em janeiro e fevereiro, com bilhetes a partir de R$ 99 por trecho, e segue com o calendário.
“Em geral, as companhias aéreas não trabalham fortemente os descontos tão cedo, em fevereiro. Elas ficam esperando para ver como a economia vai se comportar no ano. Depois do Carnaval, começam a sentir o mercado e fazer o planejamento. Tudo depende da economia. Por mais que tenha propaganda de promoções nesse período, no primeiro trimestre, é menos provável encontrar uma boa promoção. Ela acontece mais para a frente”, diz Oliveira.
O atual desarranjo no mercado de viagens pode ser consequência do descasamento entre oferta e demanda de assentos que a aviação enfrenta hoje, além das mudanças no comportamento do consumidor.
O setor vive uma preocupante escassez de motores e até aeronaves. Além dos atrasos provocados por fornecedores de aviões e peças, o mercado brasileiro atravessa ainda a crise da Gol, que entrou em recuperação judicial nos Estados Unidos.
José Roberto Afonso, professor do IDP, também vê sinais de mudança no perfil de demanda por viagens ao longo da semana. A prática do home office às sextas ou segundas-feiras em muitas empresas pode ter estimulado a procura pela ponte aérea às quintas e terças.
Uma nova tendência adotada por passageiros corporativos, o chamado bleisure (em que o profissional estica a viagem a um congresso ou reunião para complementar com lazer) pode reorganizar as datas de maior demanda.
O mercado de viagens corporativas também se adaptou à nova realidade de preços reduzindo a frequência das reuniões presenciais em outras cidades e até fretando voos para otimizar os custos.
Para Roberto Afonso, o país deveria pensar em uma campanha de educação do consumidor de passagem aérea para ajudá-lo a planejar seus gastos. O movimento poderia ser feito por governo, Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), entidades de defesa do consumidor ou pelas próprias companhias.
“Eles poderiam desenvolver um serviço de busca de preços ou listar os sites privados que já fazem isso, ensinando a fazer consultas e a escolher entre os tipos de passagem. Por exemplo, se você sabe que não vai mudar a data da sua viagem, a compra sem alteração é mais barata. Não é uma educação financeira sofisticada para investimento. É só indicar ao consumidor que existem plataformas que nos permitem acompanhar a evolução dos preços”, diz ele.
A regra mais tradicional para quem busca gastar menos é a da compra antecipada. A mudança nos padrões de sazonalidade, porém, dificulta essa previsão.
Uma pesquisa de passagens realizada pela reportagem no buscador de preços Skyscanner na sexta-feira (23) encontrou viagens de São Paulo a Natal, ida e volta, por R$ 1.011 entre os sábados 13 e 20 de abril ou por R$ R$ 887 entre os sábados 11 e 18 de maio.
As datas, apesar de mais próximas, estão mais baratas do que se fossem marcadas entre os sábados 10 e 17 de agosto (R$ 1.257) ou 14 e 21 de setembro (R$ 1.059).
Em meio à pressão dos preços, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu no ano passado com a promessa de que faria um acordo com as aéreas para vender passagens a R$ 200 o trecho para aposentados, estudantes e servidores públicos. Seria o Voa Brasil, mas nada ainda saiu do papel.
Hoje, as expectativas para o projeto se resumem a uma plataforma que deve funcionar como um agregador de estoque de passagens disponíveis a menos de R$ 200 em que o usuário poderia verificar se há opções que lhe atendam.
A Azul afirma que as campanhas promocionais variam com fatores como trecho, sazonalidade, antecipação e oferta de assentos, mas há aspectos externos que influenciam os preços como câmbio, combustível e conflitos internacionais.
A empresa diz ainda que, na alta temporada, em dezembro, janeiro, fevereiro e julho, além de feriados e datas de grandes eventos, realiza voos extras para elevar a oferta.
JOANA CUNHA / Folhapress