CRUZEIRO DO SUL, RS (FOLHAPRESS) – “Aqui tinha um mercado, uma rampa de lavagem, uma fábrica de tijolos e casas. O que você vê aqui é o que a água não levou: só escombro”, aponta Paulo Rogério Borges de Lima, 36.
O cenário descrito por ele é de um trecho do bairro Passo de Estrela, varrido do mapa no município de Cruzeiro do Sul (a 120 km de Porto Alegre). Casas, ruas, empresas e igreja foram dizimadas pela cheia do rio Taquari um mês atrás.
“Olhar isso, do jeito que está, é inacreditável. Sempre teve enchente, mas nunca teve uma devastação assim”, diz Lima. Ele foi até o bairro para ver o que restava do local na manhã fria e de pouco sol desta terça-feira (4) -a temperatura estava perto de 10ºC.
Passo de Estrela fica às margens de uma curva do rio Taquari. Paredes de casas, emaranhados de fios, roupas, objetos estragados e muito barro preenchem a paisagem. O quadro parece o de uma área bombardeada em uma guerra.
O bairro está praticamente vazio. Poucas pessoas perambulam pelas ruas, cuja identificação é difícil em razão dos estragos e da lama, que cobriu trechos onde havia asfalto.
O silêncio só é quebrado pelo canto de pássaros e pelo barulho de carros do outro lado do rio, no município vizinho de Estrela, também devastado pela cheia do Taquari.
Pouca coisa ficou de pé em Passo de Estrela. Perto do rio, além de postes de luz de concreto aparentemente intactos, também é possível observar uma estátua de Jesus Cristo de braços abertos em meio aos escombros.
Segundo Lima, em tempos normais, a imagem ficava em uma pequena gruta, que não é mais vista.
Perto dali, uma pequena igreja de Nossa Senhora de Fátima sucumbiu à força das águas. Há somente restos do que era o piso do santuário.
O que chamou atenção é que, apesar da devastação, uma estátua da santa resistiu à enchente. A imagem já foi retirada do local.
Nesta terça, o padre Ezequiel Perin, 31, observava os estragos na área da capela, que completaria 70 anos em 2024. Ele atuava no santuário.
O religioso afirma que a intenção é construir um memorial com a estátua da santa. A intenção é prestar uma homenagem às vítimas da enchente.
Segundo o padre, a estátua era voltada para o rio antes da tragédia ambiental. Com a força da água, ela caiu, girou e se voltou para o bairro, diz Perin.
“A gente vê a destruição, tudo o que a enchente causou. Mas, ao mesmo tempo, a gente encontra força, esperança e, sobretudo, um sinal de fé. A imagem ter permanecido ali é muito simbólico. Muito belo”, declara.
Sabrina Cristiane Cardoso, 34, e Kelly Talita Monteiro da Rosa, 23, viviam em Passo de Estrela antes da cheia. Na manhã desta terça, as amigas retornaram ao local para ver se era possível retirar algo intacto do pátio em que moravam.
Elas buscavam materiais como tijolos que pudessem ser reaproveitados em uma nova construção. O plano das duas é contar com a ajuda de familiares e migrar para o município vizinho de Lajeado.
As amigas, contudo, se queixam da ausência de medidas de auxílio do poder público até o momento.
“A gente não tem dinheiro para comprar material de construção agora. A gente tem criança também”, diz Sabrina.
Para quem sai do centro de Lajeado em direção a Passo de Estrela, o trajeto de cerca de cinco quilômetros também é de devastação. Casas e prédios estão destruídos às margens do Taquari.
O marrom da lama ainda se faz presente nas paredes das construções. Cadeiras e outros objetos estão pendurados em fios de postes de luz.
Em um posto de gasolina, o chão está cheio de barro. O telhado ficou repleto de furos e partes soltas.
LEONARDO VIECELI / Folhapress