Enchente não é inimiga, precisamos de solução baseada na natureza, diz defensor de cidade-esponja

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O combate aos estragos provocados por enchentes passa no longo prazo pelo desenvolvimento de soluções baseadas na própria natureza, e não por uma infraestrutura cinza, que inclui a construção de mais represas ou diques.

Essa é a avaliação do arquiteto e paisagista chinês Kongjian Yu, pioneiro do conceito das cidades-esponja e professor da Universidade de Pequim.

“A enchente não é nossa inimiga. Precisamos encontrar uma solução e financiar essa solução para resolver o problema de uma forma holística. A alternativa é uma infraestrutura ecológica baseada na natureza, e não uma infraestrutura de concreto cinza”, afirmou o especialista.

A declaração ocorreu nesta terça-feira (18) em um seminário do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) no Rio de Janeiro. O evento discutiu experiências que podem auxiliar na reconstrução do Rio Grande do Sul, devastado por enchentes em maio.

“É claro que a infraestrutura cinza pode corrigir problemas imediatos, a curto prazo, mas, para o longo prazo, é necessário considerar uma solução baseada na natureza. Uma estrutura centrada na ecologia é o que chamo de cidade-esponja”, declarou o arquiteto.

Esse conceito prevê a adoção de áreas verdes, como parques arborizados e alagáveis, que deem espaço e tempo para a água ser absorvida pelo solo após as chuvas. A intenção é abrir espaços para que não haja devastação com enchentes. Yu mostrou projetos desenvolvidos na China.

“Vejo aqui [no Brasil] o investimento na agricultura, maravilhoso, mas você vai investir em quê? Tenho visto quilômetros e quilômetros de soja. Vejo algo faltando, comparado com a minha fazenda, não há espaço para água, não é? Talvez vocês estejam utilizando as técnicas erradas de agricultura. Com uma pequena solução, você pode mudar drasticamente essa situação”, disse Yu.

O arquiteto fez uma comparação das enchentes do Rio Grande do Sul com episódio semelhante ocorrido na China. Na visão do especialista, é possível implementar o conceito de cidades-esponja em municípios gaúchos, já que a topografia local não parece tão complicada. Ele ainda sugeriu ao Brasil a elaboração de planos para saber o que pode ser “cedido” para a água no futuro.

O Rio Grande do Sul voltou a registrar fortes chuvas no final de semana. Municípios locais sofreram novos alagamentos.

O governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), foi convidado para o seminário desta terça no BNDES, mas cancelou a viagem devido ao retorno das chuvas ao estado. Leite enviou uma declaração em vídeo para o evento.

Na gravação, o tucano disse que trabalha em uma parceria com o BNDES para viabilizar estudos e projetos após a tragédia ambiental. A intenção, segundo o governador, é desenvolver sistemas de proteção e alerta robustos.

“As mudanças climáticas trazem esse desafio hoje para o Rio Grande do Sul. Neste momento, é o Rio Grande do Sul que está sofrendo. Mas sabemos que essa realidade deverá se impor sobre outros estados, assim como está se impondo em outros países”, afirmou Leite.

“O Rio Grande do Sul será a boa referência sobre o que deve ser feito, sobre o que será feito nessas parcerias que estamos desenvolvendo, inclusive com o BNDES”, prometeu.

O ministro Paulo Pimenta (Reconstrução do Rio Grande do Sul) também foi convidado, mas cancelou a participação no seminário devido a uma reunião emergencial, segundo o que foi anunciado no evento.

O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, abriu o encontro no Rio de Janeiro. Em seu discurso, ele criticou o que chamou de “negacionismo ambiental”.

A programação ainda teve um debate entre especialistas mediado pelo cientista Carlos Nobre, membro do conselho de administração do BNDES.

Nobre elogiou o conceito de cidades-esponja, dizendo que elas formam uma solução “absolutamente necessária”. “O Brasil tem um enorme potencial”, apontou.

Também presente no evento, Paulo Artaxo, professor sênior do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo), afirmou que as áreas urbanas brasileiras estão despreparadas para lidar com eventos climáticos extremos, inclusive a cidade de São Paulo.

“Mesmo a parte mais rica do nosso país ainda tem uma vulnerabilidade muito grande para a questão das mudanças climáticas”, disse o professor.

Segundo ele, para enfrentar os desafios, o Brasil não pode agir apenas “circunstancialmente”. É preciso atuar de modo mais profissional e buscar iniciativas como o reforço das defesas civis, afirmou Artaxo.

“Isso é obviamente para ontem. Vai evitar prejuízos econômicos e sociais enormes a um custo absolutamente mínimo perto dos benefícios.”

LEONARDO VIECELI / Folhapress

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