BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As enchentes no Rio Grande do Sul afetaram praticamente todas as empresas da região, que temem uma quebradeira do setor produtivo e o consequente empobrecimento do estado.
Alguns espaços de produção foram alagados e os que estão secos também sentem os problemas causados pelas chuvas que levaram à decretação de calamidade pública em 441 dos 497 municípios gaúchos.
A Fiergs (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul) afirma que 91% das fábricas do estado estão debaixo dágua e prevê uma década perdida para o estado.
Uma alternativa estudada por empresas é usar uma lei aprovada na pandemia da Covid-19 que permite uma série de medidas para mitigar o prejuízo. Entre elas, compensar dias não trabalhados com antecipação de férias e feriados e a queima de horas extras acumuladas dos funcionários.
A federação afirma que toda a atividade econômica do estado foi impactada pelas enchentes e que os municípios atingidos correspondem a pelo menos 83% do recolhimento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), principal fonte de arrecadação do estado.
A situação mais crítica é de empresas que estão situadas em locais ainda alagados, que geralmente têm o corpo de funcionários que mora em locais próximos e estão desabrigados ou em casas de parentes.
Nesses casos, a produção está suspensa e empresários buscam soluções para não interromper o fornecimento de seus produtos, com terceirizações e renegociação de prazos.
As empresas que não estão debaixo dágua também calculam um prejuízo grande em razão das enchentes. Os problemas de logística e de funcionários preocupam.
A obstrução de vias amplia a dificuldade de escoamento da produção. Além disso, a maioria das empresas têm funcionários que moram em casas que estão alagadas e não estão trabalhando.
Indústrias que estão em áreas não alagadas sentem o impacto em firmas parceiras, com falta de fornecimento de itens para desenvolvimento da produção.
Há casos de empresas que ainda não conseguem calcular o tamanho do prejuízo. A expectativa era que houvesse uma redução nas chuvas e do nível de inundação e permitisse o ingresso em fábricas, o que não se confirmou.
A chuva permanece e os alagamentos, também. Assim, muitas empresas continuam sem acesso às sedes e estimam uma ampliação das perdas.
A dona da metalúrgica TKS, Aline Teixeira da Silva, de São Leopoldo (35 km de Porto Alegre), diz que previa entrar no local nesta segunda-feira (13), mas que a elevação do rio dos Sinos impediu a concretização do plano.
“As máquinas devem estar oxidando mais a cada dia, o que dificulta o conserto. A água nunca havia chegado nem perto lá da fábrica”, lamenta.
Ela afirma que todo o bairro foi atingido pela enchente e que a maioria dos funcionários morava na região e, agora, está fora de casa. Aline acredita que conseguirá se recuperar, mas teme que empresas parceiras não resistam à crise.
“Meu medo é que muitas empresas quebrem e a economia fique ainda mais desaquecida”, afirma.
O presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico e Eletrônico da região do Vale do Sinos e que representa 35 municípios, Sergio Galera, espera que o governo ajude na recuperação do setor produtivo.
“Muitos funcionários estão lutando para sobreviver, com casas alagadas. Também surgiu um problema grave de logística. As empresas não conseguem escoar a produção, outras não recebem matéria-prima e aquelas que não estão afetadas diretamente não conseguem fornecer os produtos. Toda a cadeia está com problema”, diz.
Ele afirma que era impossível de as empresas trabalharem com esse cenário para estarem precavidas em um momento como este.
“Nem com a maior precaução do mundo seria possível. Podíamos ter criado meses atrás um comitê de crise para analisar todos os cenários que não conseguiríamos prever um contexto igual ao que estamos vivendo”, diz Galera.
Ele compara o estrago provocado pelas enchentes com uma guerra. “A crise afetou toda a estrutura do estado. Acho que o povo gaúcho é batalhador e tem condições de se recuperar, mas se não houver um apoio do Estado isso vai levar muito mais tempo.”
Uma das medidas necessárias, segundo ele, é a criação de linhas de crédito a fundo perdido.
Diretor da TFL, multinacional que atua no ramo de produtos químicos e que está situada em São Leopoldo, Jean Rochel diz que irá terceirizar parte da produção para continuar atendendo a empresas que dependem de seus produtos. Ele estima que levará ao menos três meses para retomar o trabalho normal da empresa.
Rochel conta que ele mesmo teve de deixar sua casa de lancha, em Eldorado, a 12 km de Porto Alegre, e que agora está em sua casa no litoral gaúcho.
Segundo o empresário, a TFL já fez contato com os 120 funcionários e que uma das famílias está em abrigo. “Em um primeiro momento foi difícil localizar todos. Foi tudo muito rápido e temos colegas que moram em áreas alagadas”, afirma.
Ele diz que a empresa está em São Leopoldo há 80 anos e que nunca tinha passado por algo parecido. Rochel afirma que é impossível retomar as atividades com trabalho a distância.
“A produção é com reatores químicos. Produzimos 1,5 tonelada de produtos químicos para o mercado coureiro calçadista, para todo o mundo, exportamos para vários países”, afirma.
O presidente em exercício da Fiergs, Arildo Bennech Oliveira, diz que é difícil prever quantos anos o estado levará para se recuperar, mas prevê uma década perdida sobre a possibilidade de crescimento econômico.
“Afora todos os problemas imediatos, a gente dificilmente vai ter inovações, muita gente querendo ir embora, os próprios trabalhadores não se sentem mais seguros”, afirma.
Segundo ele, a crise também terá impacto no cenário nacional. “O Rio Grande do Sul representa 6% do Produto Interno Bruto brasileiro e 91% do PIB industrial do estado está debaixo dágua.”
Oliveira afirma que terá uma reunião com o governo federal nesta semana e que apresentará uma série de demandas. Entre elas, suspensão de impostos das indústrias por três anos e financiamentos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) diretamente às empresas, sem bancos intermediários, com bom tempo de carência.
MATHEUS TEIXEIRA E PEDRO LADEIRA / Folhapress