Enchentes forçam reconstrução de cidades gaúchas em outros lugares

ROCA SALES, RS (FOLHAPRESS) – Uma das cidades que mais sofreu com as enchentes do Rio Grande do Sul que já deixaram cem mortos, Roca Sales (a 143 km de Porto Alegre) precisará não apenas ser reconstruída, mas também mudar de lugar. O município viveu na semana passada a terceira grande enxurrada nos últimos oito meses.

Agora, o prefeito Amilton Fontana (MDB) decidiu que não adianta reconstruir os prédios públicos e parte dos bairros residenciais no mesmo local em que sempre estiveram.

A estimativa é que ao menos 50% do município mude de endereço. O objetivo, após limpar as ruas, desobstruir vias e retomar os serviços públicos é fazer um estudo para identificar uma área segura para construir novas casas, escolas, indústrias, hospital e sede da prefeitura.

A situação de Muçum (115 km da capital gaúcha) é parecida. A cidade também foi atingida pelas enchentes de setembro e novembro do ano passado e novamente neste ano. O prefeito Mateus Trojan (MDB) diz que ao menos 30% das construções terão que ser transferidas para outra área.

Antes de setembro do ano passado, a última grande enchente havia acontecido em 1941. Nos últimos 83 anos, nenhum dos dois municípios tinha vivido algo parecido. No máximo, grandes chuvas causavam alagamentos pontuais, sem invadir residências tampouco destruí-las e arrastá-las, como tem acontecido.

As cidades tiveram áreas completamente devastadas. As placas de trânsito, agora, foram improvisadas com pichações em muros, que indicam o rumo dos municípios vizinhos.

Na maioria das casas que foram inundadas, mas seguem de pé, pessoas com mangueiras e lava-jato expulsam o barro de dentro. Na parte da frente, vê-se entulhos e móveis sujos de barro.

Alguns, os moradores ainda tentam recuperar, outros já estão perdidos, mas não há um local para jogar fora e eles ficam empilhados. Roca Sales ficou sem comunicação e energia por três dias, o que dificultou o trabalho de retomada da normalidade. Muçum, por sua vez, está sem energia até hoje e a previsão é que fique mais quatro dias nessa condição.

Os dois municípios estão situados no Vale do Taquari, região banhada pelo Rio Taquari.

“Vamos ter que deixar o rio passar onde ele quer. É a natureza. O rio quer passar e nós estamos aqui trancando a passagem dele. Então, o município precisa arrumar um local para a gente trabalhar a questão da área central e realocar aos poucos, começando pelos prédios públicos”, afirma Fontana.

A cidade tem 12 mil habitantes e teve suas três grandes indústrias, o frigorífico JBS, a calçadista Beira Rio e o curtume Couro Bom Retiro, que empregam 2.500 pessoas, destruídas. Choveu em seis dias o que geralmente chove em um ano.

A costureira Celoir Casemiro, 52, que mora em Roca Sales há 25 anos, reconhece a necessidade de transferir a cidade de local, mas lamenta o fato de os pontos históricos terem que deixar de existir.

“É o mais certo a se fazer, infelizmente” diz. Ela afirma que é preciso encontrar uma maneira de a cidade sobreviver, porque não pretende se mudar.

“De Roca Sales não vamos embora. Aqui é a nossa cidade, que escolhemos para viver o resto das nossas vidas. Graças a Deus temos força ainda pra lutar e conseguir vencer”.

A Prefeitura está instalada na sede do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), que ficou alagada, mas não foi destruída. Os funcionários ainda limpam o local enquanto o prefeito e secretários trabalham para atenuar os danos causados pelas chuvas.

Ao lado do local, um grande churrasco de linguiça com pão é preparado para distribuir à população atingida. Por ali também chegam e são distribuídas as doações.

Em Muçum o cenário é similar. A equipe da prefeitura trabalha no hospital, único local com energia, devido a um gerador. A população se aglomera nos arredores para dividir tomadas para carregar o celular e conectar na internet.

O prefeito diz que 85% da área urbana é inundável e que o ideal seria fazer a transferência de toda essa área, mas considera a ideia inviável.

Diante disso, o plano é transferir cerca 30% dos locais mais suscetíveis para outra área. “Teremos que remanejar para regiões mais altas”, diz.

Ele fala da dificuldade de implementar o projeto. “É complexo. Envolve toda uma questão cultural, direito de propriedade das pessoas, viabilidade de logística. Uma série de fatores para consolidar todas etapas. Nossa intenção é gradativamente retirar da parte considerada de risco iminente praticamente toda a área da cidade, mas é gradativo, não acontece de uma hora para outra”, afirma.

A aposentada Lorena Zanete, 72, que mora há 38 anos em Muçum, teve a casa inundada na enchente de setembro. Ela decidiu reformar a casa e as obras ficaram prontas dois dias antes de a enchente voltar com ainda mais força.

“Agora vai ser difícil. Estou hospedada no meu compadre porque não tenho para onde ir”, diz.

Ela acha difícil prever o futuro após as enchentes. “A gente espera ajuda para construir a casa de novo, mas é difícil, porque não adianta, todo mundo ficou sem nada”, diz.

O Vale do Taquari sofreu com as enchentes pela primeira vez em setembro de 2023, quando morreram 54 pessoas. Muçum registrou o maior número de mortes: foram 20 ao todo, sendo que dois corpos não foram encontrados.

Desta vez, não houve óbito. Em Roca Sales, por sua vez, o prefeito diz que já houve 5 mortes. Além disso, há seis pessoas que estavam em um local em que houve deslizamento e que ainda não foram encontradas.

O local é de difícil acesso e o Corpo de Bombeiros acessa o local de helicóptero e barco para fazer as buscas. A área rural da cidade, que tem 700 km de estrada de chão, é extensa e em muitos locais as chuvas obstruíram vias. Até o momento, só foi encontrado uma perna de uma pessoa.

Ao todo, os dados oficiais afirmam que já foram registradas 107 pessoas mortas em decorrência das chuvas. A quantidade de óbitos foi informada pela Defesa Civil estadual pela manhã e confirmada às 18h.

Além disso, o boletim da noite desta quarta-feira (9) apontou que há 327.105 pessoas desalojadas.

MATHEUS TEIXEIRA E PEDRO LADEIRA / Folhapress

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