Enchentes no RS revelam sítio arqueológico que pode ter mais de 10 mil anos

VERA CRUZ, BA (FOLHAPRESS) – Por onde passaram, as águas das enchentes de maio no Rio Grande do Sul deixaram um rastro de devastação: ruas, estradas e pontes destruídas, árvores e casas arrastadas, lama por todo lado e imensas crateras em lavouras, por exemplo. Nem tudo foi destruição, no entanto. Uma dessas crateras, aberta pela inundação do rio Jacuí, em uma plantação de arroz no município de Dona Francisca, a 255 km de Porto Alegre, revelou um sítio arqueológico com vestígios de ocupação humana de 12 a 10 mil atrás.

Ao percorrer sua lavoura depois da enchente para ver os estragos, o agricultor Diogo Fernandez, 36, se deparou com centenas de fragmentos de pedra lascada e de potes de argila. Imaginando que aquilo tivesse importância histórica, ele procurou a Secretaria de Cultura do município, que, por sua vez, contatou pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a 56 km dali.

O arqueólogo João Heitor Macedo e a historiadora Maria Medianeira Padoin foram então até o local fazer um resgate emergencial das peças antes que uma eventual segunda enchente levasse tudo embora. “Estávamos preocupados com as previsões de mais inundações —e as tivemos de fato”, conta Padoin. “Agora, estamos na fase de conclusão da limpeza do material e produção de relatório para os órgãos competentes.”

Segundo ela, foram encontrados 130 fragmentos de pedra lascada, entre as quais vários de calcedônia (uma das variedades criptocristalinas do mineral quartzo), e 469 de cerâmica, algumas do tipo corrugado e outras com grafismos e pinturas. Isso indica que ao longo de 12 a 10 mil anos o local foi habitado por pelo menos duas culturas diferentes, a primeira de caçadores-coletores e a segunda, a partir de 5.000 anos atrás, de horticultores ceramistas.

Macedo explica que as peças de pedra lascadas, usadas para pontas de flechas, por exemplo, são atribuídas aos caçadores-coletores, que fizeram parte dos primeiros grupos humanos que ocuparam o território brasileiro.

“Temos datação de 12, 10 mil anos mais ou menos”, diz. “Eram grupos de nômades, caçadores, coletores e pescadores, que viviam, dos recursos naturais oferecidos pelo meio ambiente. Por isso, caça, coleta e pesca.”

O material cerâmico, por sua vez, é atribuído aos guaranis, grupo indígena que habita o Rio Grande do Sul até os dias de hoje. “Esse povo ocupava densamente a região quando os europeus chegaram e começaram a colonização”, explica Macedo. “Eram horticultores, que se voltaram à produção de cerâmica, principalmente vasilhame, que era de muito boa qualidade.”

De acordo com ele, esses indígenas tinham uma ocupação sazonal, principalmente nas margens dos grandes rios, como o Jacuí. “Eram migrantes que vieram da Amazônia por volta de 5 a 4 mil anos atrás”, diz. “Eles tinham por tradição ocupar as áreas de mata ciliar, que reproduziam as características da floresta tropical, o lugar de origem de onde eles vieram.”

Por isso, acrescenta o arqueólogo, o impacto e a importância da descoberta do sítio de Dona Francisca é muito grande para que se possa entender um pouco mais sobre esse grupo, antes do contato com os europeus. “A importância é gigantesca, na verdade”, diz. “Nós ainda estamos na etapa bem inicial das análises do material. Só fizemos duas visitas técnicas ao local, para poder dar uma resposta à comunidade e aos proprietários que estavam encontrando as peças.”

Macedo afirma que é necessário um estudo técnico muito mais aprofundado. “Mas a descoberta já revela muitas informações sobre os povos originais, sobre a presença do índio guarani no Rio Grande do Sul antes da chegada dos europeus”, diz.

Nesse sentido, Padoin diz que, mesmo que já se soubesse da existência de povos antigos na região, não havia uma quantidade tão grande de material aflorando à superfície. “Esse ‘presente’ da natureza provocará, com certeza, o surgimento de projetos de pesquisa, pois a fonte não é apenas de uma peça ou instrumento encontrado, mas de muitos e com características diferenciadas”, diz. “Assim, há a perspectiva de que surjam projetos de pesquisa a partir do achado, mas dependerá também do financiamento para os estudos.”

EVANILDO DA SILVEIRA / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS