O Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) faz 25 anos nesta edição de 2023, que começa neste domingo (5) e continua no próximo (12). O exame nasceu como avaliação, evoluiu para vestibular nacional e hoje é símbolo de desafios que envolvem, além da permanente questão logística, a adaptação curricular do ensino médio e a ampliação de seu papel de inclusão, esvaziado nos últimos anos.
“O desenho do Enem tem sido mantido desde 2009. Tivemos a base curricular em 2018, agora tem a reforma do ensino médio, estamos em um momento muito rico para discussões para a construção de um teste melhor para os estudantes”, diz o presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), Manuel Palácios.
Ligado ao MEC (Ministério da Educação), o Inep é responsável pela prova.
Mudanças só virão a partir de 2025. E a decisão é que seja mantida uma prova única, ancorada em uma nova matriz de conhecimentos alinhada à formação geral da Base Nacional Comum Curricular.
Está descartada, portanto, a ideia do governo Jair Bolsonaro (PL) de ter versões diferentes da prova como forma de se adequar à reforma do ensino médio.
Criado em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, o Enem surgiu para ser um termômetro de qualidade do ensino médio. Com o passar dos anos, algumas instituições particulares e até públicas passaram a usar a nota para o ingresso ou para bônus nos vestibulares, como a USP fazia.
O grande salto de inscritos foi depois de 2004, quando a prova passou a ser critério de acesso a bolsas do ProUni (Programa Universidade para Todos). De um para o outro, o exame dobrou de tamanho, superando os 3 milhões de inscritos.
Mas foi em 2009, no governo Lula (PT), que o exame tornou-se a principal porta de entrada para o ensino superior público. O exame foi organizado em dois dias de provas, baseadas em uma nova matriz e com novo sistema de elaboração e correção.
“Já havia um uso crescente do Enem para ingresso em instituições, a grande mudança foi a atração das universidades federais para usá-lo como vestibular”, conta o professor Reynaldo Fernandes, da USP de Ribeirão Preto, que presidia o Inep na época dessa mudança.
A partir daquele ano o Enem passou a adotar a TRI (Teoria da Resposta ao Item) em sua elaboração e correção. Trata-se de um conjunto de modelos matemáticos que permitem o controle da dificuldade das questões e a comparabilidade dos resultados.
A prova foi divida em quatro áreas de conhecimento (ciências humanas, ciências da natureza, matemática e linguagens), além da redação. Os participantes fazem 45 questões de cada uma dessas áreas, 90 itens por dia de exame.
O Enem como vestibular ganhou importância e cresceu de tamanho. Mas os desafios logísticos logo apareceram –e se tornaram centrais na história da exame. A prova foi roubada da gráfica e vazou já em 2009.
Nos anos seguintes, houve problemas de impressão, troca de gabaritos, divulgação de notas erradas. Neste ano, cerca de 50 mil inscritos foram alocados a mais de 30 km de distância de suas casas –para tentar resolver isso, o MEC abriu a possibilidade de os prejudicados fazerem a prova em outra data, em dezembro.
Ao longo desses anos, essa gama de desafios logísticos se impôs a qualquer outra questão. Sobretudo à relacionada ao modelo da prova.
“Em 2009, a grande discussão foi a matriz [de referência de conteúdos]. Mas, após a queda do Enem 2009, mudou a preocupação e o grande problema do Enem virou a segurança. E a discussão de conteúdo não voltou mais”, diz Reynaldo Fernandes. “Mas essa discussão voltou agora, com o novo ensino médio.”
Dentro do governo, em todas as gestões, o Enem é encarado como uma operação de grande complexidade e sensibilidade. Uma logística que envolve Executivo, Polícia Federal, Correios, polícias estaduais, Forças Armadas e milhares de aplicadores e corretores por todo Brasil.
Neste ano, o exame será aplicado em 9.399 locais de prova, em 1.750 municípios do país.
O presidente do Inep explica que, mais do que a adaptação à reforma do ensino médio (que trata de uma organização curricular), o próximo movimento do Enem será de adequação da matriz à Base Nacional Comum Curricular, que define o que os alunos devem aprender.
“Assentou a discussão que a formação geral da Base deve ser a referência”, afirma Manuel Palácios. Com o novo ensino médio, parte da grade curricular dos alunos é vinculada a uma formação geral comum, e outra a linhas de aprofundamento –que devem ser escolhidas pelos alunos, se houver oferta.
O governo Lula encaminhou ao Congresso Nacional um projeto de lei para rever a arquitetura dessa reforma. O texto prevê, em linhas gerais, aumento da carga horária para essa parte comum e limitações para as linhas de aprofundamento, cuja nomenclatura muda de “itinerário” para “percurso”.
ESCOLA PÚBLICA
Também a partir de 2009 foi criado o Sisu (Sistema de Seleção Unificada), que reúne as vagas de universidades que adotam as notas da prova como vestibular. Isso representou facilidade de concorrência em instituições em todo país ao fazer apenas uma prova.
A medida foi considerada democratizadora do exame. Para alunos de escola pública, negros e indígenas, intensificou-se com a Lei de Cotas, implementada em 2013.
Mesmo com esse cenário, o número de inscritos tem sofrido desidratação nos últimos anos. Durante o governo Bolsonaro, a prova ficou mais branca e elitista, como mostrou a Folha de S.Paulo.
Com 3,9 milhões de inscritos neste ano, o governo conseguiu uma ampliação de 13% no número de participantes em relação a 2022. Mas a participação de concluintes de escola pública fica distante dos cerca de 2 milhões de jovens que concluem o 3º ano do ensino médio a cada ano nas escolas estaduais.
Na média, nem 60% dos concluintes de escola pública se inscreveram. Na média das escolas privadas, 80% dos cerca de 230 mil alunos do 3º ano se inscreveram, de acordo com análise da reportagem com base nos dados do Enem e do Censo Escolar.
Aluno de escola pública em Brasília, Hugo Kaue Medeiros Gomes, 18, integra o grupo de concluintes inscritos no exame. Ele diz achar a prova cansativa e teme o mistério do tema da redação, com uma ansiedade que só aumenta.
“Vai chegando o dia e o nervosismo vai aumentando, e na hora é tensão total”, afirma o estudante. “Estou preparado, não muito também. Mas vamos nessa.”
Neste e no próximo domingo, os portões dos locais de prova fecham às 13h, no horário de Brasília. A prova começa às 13h30 e termina, no primeiro dia, às 19h, e no segundo, às 18h30.
Cronologia
1998
ORIGEM
MEC cria o Enem como instrumento para medir a qualidade do ensino médio
2004
PROUNI
Prova passa a ser critério para acessar bolsas do ProUni, o que faz expandir número de inscritos
2009
NOVO MODELO E VAZAMENTO
Governo altera modelo da prova, que passaria a ser usada como vestibular nacional. Na semana que antecede a primeira aplicação no modelo, prova vaza e MEC cancela exame. Reaplicação ocorreu semanas depois
2010
IMPRESSÃO
Cartões resposta são impressos com erros, e Inep tem que reaplicar exame para candidatos prejudicados. Tema da redação vaza em Pernambuco
2011
PRÉ-TESTE
Exame traz 14 questões idênticas a itens antecipados em simulado por colégio de Fortaleza. Perguntas foram vazadas de pré-teste
2014
RECORDE
Prova bate recorde de participantes, com 8,7 milhões de inscritos
2017
DOIS DOMINGOS
Enem passa a ser aplicado em dois domingos. Desde 2009, prova acontecia no mesmo fim de semana.
2019
CENSURA
Governo Bolsonaro cria comissão para fazer pente fino ideológico nas questões da prova. Ditadura militar deixa de ser abordada, o que ocorreu até 2022
2023
LOCAIS DE PROVA E FIM DO DIGITAL
Governo decide abandonar Enem digital, iniciado em 2020. Cerca de 50 mil inscritos são alocados a mais de 30 km de casa
PAULO SALDAÑA / Folhapress