SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Energia, finanças e saúde são, nesta ordem, os três setores da economia brasileira com mais capacidade de influenciar a economia (e, por vezes, a política) por meio dos seus vínculos acionários e de quão relevantes são suas empresas ao interconectar diferentes redes de companhias.
Essa é a conclusão da pesquisa “Quem está no comando? Poder entre os grupos econômicos hegemônicos no Brasil”, de autoria do professor universitário Eduardo Magalhães Rodrigues, pesquisador do Cesco (Centro de Estudos de Saúde Coletiva do ABC) e pós-doutorando em saúde pública pela USP (Universidade de São Paulo).
Em seu trabalho, Rodrigues analisou informações sobre participações societárias, em 2020, dos principais grupos brasileiros. Identificou que os 200 maiores grupos empresariais com sede no Brasil, de 21 setores diferentes da economia, controlam 6.235 empresas, que juntas mantêm 7.257 conexões acionárias entre si e representam 63,5% do PIB (Produto Interno Bruto).
Um subgrupo de 20% dessas empresas é responsável por 80% dessas conexões acionárias. Um subgrupo ainda mais restrito, de 1% dessas empresas, controla sozinho 22% das conexões acionárias.
Metade desse último subgrupo, formado por 31 empresas, compõem os três setores econômicos mais poderosos do país: energia elétrica, finanças e saúde.
O estudo adotou a metodologia da análise de redes sociais, utilizando três indicadores: 1) como número de empresas nas quais cada grupo tem participação, 2) o tamanho da fatia que cada grupo tem em outras empresas e 3) a posição de cada grupo como elo de intersecção entre diferentes redes de empresas com participações em outras companhias.
Levando em conta o primeiro critério, chamado de grau de saída, a que apresentava o maior número de participação em outras companhias em 2020 era a Rede D’Or.
No segundo critério, chamado de grau de saída ponderado (por considerar o percentual de ações de outras empresas que cada grupo possui), a Rede D’Or também vence.
Já em relação ao terceiro indicador, chamado de “centralidade de intermediação”, a vencedora era a Eletrobras privatizada em junho de 2022, no governo de Jair Bolsonaro (PL). Esse item mede a capacidade de uma empresa tem de funcionar como empresas-ponte, ou intermediárias, entre outras redes de companhias,, diz Rodrigues. Quando esse elo de ligação é retirado, a rede deixa de existir, diz. Nesse indicador, a vencedora é a Eletrobras.
“O estudo aponta que uma ínfima quantidade de empresas privadas e pessoas controlam a maior parte da economia brasileira, com destaque para os setores de energia, finanças e saúde”, disse Rodrigues. “Na rede de controle acionário, possuir elevados índices relacionais significa controlar as relações acionárias, ou controlar a própria rede. Neste caso, controlar a economia.”
Dos três setores, o da saúde suplementar (ou privada) área de pesquisa de Rodrigues era controlado por sete grandes empresas em 2020: Amil, Hapvida, Notre Dame Intermédica, Rede D’Or, Dasa, Aché e Eurofarma.
O grupo, chamado pelo pesquisador de SIS (sete irmãs da saúde), hoje está ainda mais concentrado. Em fevereiro de 2021, foi anunciada a fusão entre Hapvida e Notre Dame Intermédica; em fevereiro de 2022, a compra da SulAmerica pela Rede D’Or, que também anunciou em maio deste ano a criação de uma nova rede de hospitais com a Bradesco Seguros; em junho deste ano, houve a fusão entre Dasa e Amil para formar a segunda maior rede de hospitais do país.
Em medicamentos, a Eurofarma adquiriu no final de 2023 a colombiana Genfar, que pertencia à Sanofi e fabrica genéricos. Já o Ache integra uma associação com os laboratórios EMS, Hypera Pharma e União Química que controla a Bionovis, fabricante de medicamentos biológicos de alta complexidade e alto custo, que tratam de doenças do sistema imunológico.
Juntas, as companhias formam um oligopólio, defende Rodrigues. “Esse aumento da concentração diminui a concorrência e a livre iniciativa”, diz. Uma das características de uma rede é justamente o fato de ela ser um sistema fechado, e quem está fora depende de quem está dentro para entrar, afirma.
Como exemplos de comportamento que prejudicam o consumidor, o pesquisador cita “quebras de contrato de forma unilateral, alta abusiva de preços e desrespeito às normas da ANS, o que gera o aumento do número de reclamações.” Entre 2018 e 2023, as reclamações contra o setor na agência reguladora saltaram 263%, de 97.336 para 353.784.
Rafael Robba, especializado no direito à saúde, também vê prejuízo no movimento de concentração. Em sua avaliação, um pequeno grupo de empresas determina o preço, a qualidade e a oferta dos produtos de saúde oferecidos em nível nacional.
Procuradas pela reportagem para comentar a afirmação de que formam um oligopólio, as empresas não se pronunciaram, com exceção da Eurofarma, que afirmou que a classificação é “fantasiosa”.
“Não temos qualquer relação com as empresas citadas ou com grupos econômicos do setor de seguros de saúde, o mercado farmacêutico é altamente competitivo e pulverizado, e nossas vendas ao setor público representam 1% da receita global da companhia”, afirmou. “Não nos identificamos com nada exposto até aqui, e o resultado nos parece assombrosamente fantasioso.”
Rede D’Or, Dasa, Hapvida (que hoje forma um único grupo com Notre Dame Intermédica) e Aché não responderam até a publicação desta reportagem.
A Abramge (Associação Brasileira de planos de saúde) afirmou que rejeita a tese de oligopólio e que existe competição no setor, uma vez que 667 operadoras atendem 51,4 milhões de clientes. Segundo a associação, nos últimos três anos, surgiram 37 novas operadoras, todas de médio e pequeno porte.
Em resposta à Folha, a ANS afirmou, por meio da sua assessoria de imprensa, que “não tem competência para autorizar atos de concentração econômica (que englobam concentração vertical e horizontal), o que compete ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)”. De acordo com a agência, a legislação prevê a possibilidade de concentração vertical na saúde suplementar (quando uma mesma empresa atende diferentes segmentos).
Em relação ao aumento das queixas nos últimos anos, a ANS acredita que possa ter relação com “o empoderamento e o maior entendimento dos beneficiários sobre seus direitos.”
Entre as sete empresas analisadas na pesquisa, a Rede D’Or é a mais poderosa: possui 90 conexões diretas e, no que se refere a controlar o fluxo da rede total de empresas, ocupa o sexto lugar entre os 200 grupos pesquisados só fica atrás de Eletrobras, Ambev, CCR, Odebrecht e CBA (Companhia Brasileira de Alumínio).
No conjunto de empresas e fundos controlados em rede pela Rede D’Or, diz a pesquisa, estão empresas de planos de saúde, laboratórios de análise clínica, hospitais, clínicas e vários tipos de empresas de serviços médicos. Mas a holding também controla um grande número de corretoras de seguro, empreendimentos imobiliários e até uma empresa que oferece serviços de alimentação. Essa análise, diz Rodrigues, também pode ser aplicada às demais integrantes das SIS.
Pela ordem, no setor de saúde, depois da Rede D’Or vêm Dasa, Hapvida, Notre Dame Intermédica, Eurofarma e Amil. Rede D’Or.
DANIELE MADUREIRA / Folhapress