SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As engrenagens que alimentam a popularidade de Pablo Marçal (PRTB) nas redes sociais continuam girando impulsionadas por uma indústria que inclui venda de cortes prontos do influenciador e cursos sobre como enriquecer com a divulgação desse material por meio da monetização de plataformas digitais.
Os cortes são a chave do sucesso de Marçal no meio digital. São vídeos curtos que prendem a atenção e que rapidamente viralizam nas redes, nos quais o influenciador geralmente aparece com alguma fala polêmica ou inusitada.
Marçal suspendeu as competições que promovia no aplicativo Discord, com pagamentos para os autores dos cortes que mais viralizassem com sua imagem (o campeonato segue, porém, sendo realizado com base em vídeos focados em pessoas de seu entorno, como o influenciador Renato Cariani).
Ainda assim, a indústria dos cortes de Marçal continua funcionando com autonomia, movida por uma legião de pessoas que transformaram a divulgação dos vídeos do autodenominado ex-coach em uma profissão. Isso porque, mesmo sem a premiação ofertada pelo candidato, os editores ganham dinheiro a partir da monetização nas redes sociais, que remuneram os cortes mais visualizados.
Como os vídeos atualizados do influenciador geralmente são gerados em sabatinas, debates ou atos de caráter político, parte importante do material que inunda as redes acaba funcionando como propaganda eleitoral.
As digitais de Marçal ainda podem ser vistas nesse ecossistema em uma plataforma que faz parte do grupo de empresas ligadas a ele, a Xgrow, usada por pessoas interessadas em vender cursos de cortes ou pacotes de vídeos prontos. Os consumidores desse tipo de material, que visam ganhar dinheiro da plataforma TikTok, eventualmente acabam também se tornando vendedores de cursos.
Um deles, nomeado “Fique rico com cortes”, traz a foto do influenciador e é oferecido pela empresa Marçal Serviços Digitais, que tem ele próprio como administrador. O email de suporte é o mesmo utilizado pelas empresas de Marçal em outros cursos.
Fernando Neisser, professor de direito eleitoral na FGV (Fundação Getúlio Vargas) de São Paulo, afirma que há indícios de que a indústria de cortes esteja desrespeitando a lei eleitoral.
“Não se pode desvincular a existência dessa indústria de uma ação deliberada do Pablo Marçal que durou muito tempo e que, de certa forma, ainda dura, ainda que hoje sob a roupagem de cortes de outras pessoas ligadas a ele”, diz. “Esse ambiente em que se cria uma rede de pessoas gerando dinheiro em torno de uma campanha eleitoral está fora das regras previstas.”
Neisser afirma que o quadro poderia se encaixar no artigo 334 do Código Eleitoral, que proíbe a utilização de “organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda ou aliciamento de eleitores”. O crime prevê detenção de seis meses a um ano e cassação do registro se o responsável for o candidato.
A reportagem procurou a assessoria de Marçal, mas não obteve resposta.
A Folha mostrou que responsáveis pelos cursos de cortes do influenciador têm inclusive impulsionado anúncios na plataforma Meta para expandir os negócios.
“Os cortes não são de gatinhos, são de vídeos que envolvem Marçal, que falam da campanha. [Ele] não precisa dizer ‘Pegue esse trecho que fala da minha campanha’. As pessoas entendem que é o que atrai visualizações no momento”, afirma o advogado
Uma das pessoas que por conta própria entraram nessa linha de produção, Leonardo Jhonata, 23, trabalha há um ano com cortes e tem diversos produtos relacionados a Marçal na plataforma Xgrow. Eles vão de pacotes prontos até uma assinatura mensal com cortes atualizados do influencer, que promete “curadoria apurada” e que “você receba os cortes e polêmicas mais recentes e impactantes”.
De acordo com ele, a curadoria envolve escolher o tipo de conteúdo de Marçal que mais vai viralizar. “A gente pega as partes mais polêmicas”, diz Jhonata, acrescentando que atualmente a maioria é relacionada à eleição.
Um formato usado também nas comunidades de cortes é o modelo em que o produtor do material tem afiliados, em que revendem os cortes e ganham um percentual.
Segundo ele, atualmente não estão ocorrendo competições no Discord, que rendiam prêmios, devido às eleições. “Aí a galera tá fazendo por fora, só pra manter o trabalho. Tem muita gente que vive só de cortes hoje em dia”.
Ele diz que os compradores finais reproduzem os vídeos no TikTok, que monetiza vídeos com muitas visualizações. No entanto há uma série de critérios a seguir, que incluem manter engajamento na página, respondendo aos comentários.
Muitos vendedores de cursos e cortes começam assim. É o caso de Karen Talissa, que diz já ter trabalhado como auxiliar de limpeza e de cozinha no resort de Marçal em 2021.
Ela afirmou nas redes que voltou a publicar vídeos do influenciador no dia 6 de maio deste ano. Segundo seu relato, ganhou “uma premiação diária e uma premiação mensal da competição dos cortes do Pablo Marçal”.
No vídeo, cita o grupo do Discord onde as competições eram promovidas pelo entorno do influenciador e afirma que em sete dias saltou de 4.000 para 190 mil seguidores. “Em 16 dias fiz mais de 3 mil reais só fazendo cortes!”, escreveu em publicação do dia 30 de maio.
Quando a seguidora foi premiada em competição promovida pelo influenciador, conforme ela narra, ele já era citado pela imprensa como pré-candidato à prefeitura. Em abril, o presidente nacional do PRTB, Leonardo Avalanche, afirmou que o empresário concorreria pelo partido. A pré-candidatura foi confirmada no mês seguinte.
Questionada pela Folha sobre qual foi a premiação oferecida no grupo do Discord de Marçal em maio, Karen respondeu em uma rede social: “50.000. Para quem obtiver mais visualizações”. Logo em seguida, porém, ela disse que a remuneração é na verdade paga pelas plataformas. “Oq paga mesmo são as monetização (sic)”, escreveu. “A competição que ele faz é só pra incentivar mais!”
A professora e pesquisadora da ECA-USP, Carolina Terra, afirma que o formato dos cortes se tornou uma prática comum entre grandes podcasters e influenciadores digitais, para agradar um nicho adepto de vídeos curtos.
No caso de Marçal, além de produzir o próprio material, ele resolveu terceirizar a criação.
“Marçal entendeu que esse formato trazia visibilidade e ajudava a furar a bolha dele, atingindo audiências novas. Para estimular isso, ele remunerava os melhores cortes. Agora, mesmo sem esse estímulo direto, as pessoas continuam fazendo”, diz.
Nas eleições, isso virou um diferencial para Marçal. “Ele está vivendo da exposição formal como candidato, e a indústria de cortes, a favor dele ou para monetização, aproveita isso. Outros candidatos não sabem usar essa estratégia, e é uma vantagem competitiva para ele”.
ANA LUIZA ALBUQUERQUE E ARTUR RODRIGUES / Folhapress