SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A disputa envolvendo a rede francesa Carrefour e frigoríficos do Mercosul, em especial os brasileiros, tem origem em pressões da União Europeia para que o setor agropecuário diminua suas emissões de gases do efeito estufa. Nos países do bloco, os produtores rurais precisam cumprir uma série de exigências ambientais algumas mais rigorosas que as brasileiras.
Há meses, os produtores europeus têm organizado manifestações contra essas políticas. No início deste ano, por exemplo, agricultores bloquearam estradas em vários países do bloco exigindo o fim da burocracia no setor e a flexibilização das regras ambientais, como a redução do uso de pesticidas.
Neste mês, os protestos voltaram na França. O repúdio da vez é um eventual acordo de livre comércio entre a União Europeia e Mercosul, negociado há décadas pelos dois blocos econômicos, mas que avançou na gestão de Jair Bolsonaro (PL). No governo Lula, o acordo voltou em análise, mas a França se manifestou contrária à proposta, sob o argumento de que o acordo prejudicaria seus produtores o texto final precisa ser aprovado no Parlamento de todos os países-membros.
O acordo criaria um mercado comum de 780 milhões de pessoas e um fluxo de comércio de até R$ 274 bilhões em produtos manufaturados e agrícolas. Como o Brasil é um dos maiores produtores de carne do mundo, o tratado abriria caminho para o agronegócio brasileiro aumentar seus ganhos.
Os protestos de novembro acontecem após parlamentares da UE darem sinais de esforço para concluir o acordo comercial. Uma das vice-presidentes do Parlamento Europeu, a dinamarquesa Christel Schaldemose, afirmou à Folha de S.Paulo neste mês que há apoio no Legislativo da UE para a aprovação do termo.
Os produtores questionam o que chamam de concorrência desleal. Na avaliação deles, produtos sul-americanos mais baratos e submetidos a regras ambientais menos rigorosas teriam acesso ao mercado europeu em detrimento dos fornecedores locais. Assim, a margem de lucro dos produtores que teria diminuído devido às legislações ambientais da UE seria ainda mais prejudicada.
Em meio aos protestos, o presidente mundial do Carrefour, Alexandre Bompard, anunciou na semana passada que a rede suspenderia a compra de carne de países do Mercosul, afetando os grandes frigoríficos brasileiros, como JBS, Marfrig e BRF. Por outro lado, o Carrefour Brasil informou que a rede no país continuaria comprando carne de produtores locais. Dias antes, a também francesa Danone havia anunciado que tinha parado de comprar soja do Brasil.
O anúncio repentino de Bompard, porém, pegou o agronegócio brasileiro de surpresa. Afinal, ainda que a Europa represente uma porcentagem pequena das vendas dessas empresas, o Carrefour é uma das maiores redes de supermercados do mundo e há temores de que a decisão possa gerar um efeito cascata em outras redes.
Como contrapartida, a JBS e a Marfrig resolveram suspender o fornecimento de carne ao Carrefour, que também comanda a rede Atacadão.
No sábado, representantes de 44 associações da cadeia produtiva brasileira assinaram uma carta aberta ao executivo francês sobre a qualidade das carnes produzidas no Mercosul. Eles afirmam no documento que a decisão anunciada na última semana por Bompard demonstra uma “abordagem protecionista que contradiz o papel de uma empresa global com operações em mercados diversos e interdependentes”.
É incerto qual será o real impacto dessas suspensões nos negócios do Carrefour nos países onde opera. No Brasil, porém, é provável que a rede tenha dificuldades em operar seus estoques a depender de quanto tempo a suspensão durar.
POLÍTICAS AMBIENTAIS
Em suma, as políticas ambientais da União Europeia para a agropecuária são mais rigorosas que as brasileiras, ainda que o setor não esteja sob o guarda-chuva do mercado de carbono europeu. Na Holanda, por exemplo, o governo tenta há ao menos cinco anos criar regulações para diminuir as emissões de gases poluentes pela agropecuária, e uma das soluções levantadas pelo país é, inclusive, comprar fazendas e desativá-las.
Mas o bloco, hoje em dia, já estabelece a fornecedores brasileiros o cumprimento de algumas exigências para que seus produtos adentrem no mercado europeu.
Um exemplo é o rastreio do animal. A partir de uma regra sanitária, o bloco exige que os frigoríficos divulguem as propriedades em que os animais passaram nos 90 dias anteriores ao abate. Mas, devido ao curto período analisado, a norma não é suficiente para impedir a entrada de animais criados em áreas irregulares.
Uma lei aprovada pela União Europeia, porém, vai exigir dos fornecedores de carne a comprovação de que os produtos não sejam oriundos de áreas desmatadas depois de dezembro de 2020 ou que tenham contribuído para a degradação florestal. O período analisado é mais recente do que o Código Florestal, legislação brasileira de 2012 que fixou proporções das áreas dos biomas brasileiros que poderiam ser desmatadas.
A legislação, conhecida como “lei antidesmatamento”, entraria em vigor no final deste ano, mas sob pressão de frigoríficos brasileiros o Parlamento europeu adiou para o final de 2025. O principal desafio das empresas brasileiras é monitorar todas as propriedades em que os gados passaram até o seu abate, já que nesse mercado é comum que os animais sejam vendidos em várias fases de sua vida.
Mas o argumento dos produtores europeus é que a fiscalização mais branda ao agronegócio brasileiro faz com que o produto brasileiro entre no mercado europeu bem mais barato que o local. A solução, segundo esses produtores, passaria pela flexibilização das normas europeias ou em impedir a entrada dos produtos brasileiros no bloco.
PEDRO LOVISI / Folhapress