Entenda a reforma judicial em Israel apontada como ameaça à democracia

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Parlamento de Israel aprovou nesta segunda-feira (24) a primeira parte da reforma judicial que limita os poderes da Suprema Corte. Controversa, a medida é apontada como uma afronta à democracia e tem estimulado protestos massivos, numa das maiores crises domésticas da história local recente.

A lei aprovada versa sobre o chamado “padrão de razoabilidade”, recurso até então usado por tribunais para invalidar decisões do governo e que impacta, entre outros pontos, a nomeação de ministros.

Trata-se da primeira de uma série de propostas que buscam enfraquecer o Judiciário de Israel e aumentar o poder do Parlamento, controlado pelo governo. Entenda tudo sobre a reforma polêmica a seguir.

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O QUE É A REFORMA JUDICIAL?

A reforma é ampla e envolve vários projetos de lei que atuariam como uma espécie de emenda à Constituição para limitar o poder do Judiciário israelense. As medidas foram apresentadas como parte das chamadas leis básicas, legislação que funciona como espécie de Constituição do país.

Diferentemente do Brasil, Israel não possui uma constituição federal formal, mas usa as leis básicas para definir o papel das principais instituições e as relações entre as autoridades do Estado.

Em linhas gerais, a reforma dá ao Parlamento poder para anular decisões e prevê a criação de um comitê para revisar as nomeações de todos os juízes do país, inclusive os integrantes da Suprema Corte. Na prática, o projeto garante superpoderes ao premiê israelense, Binyamin Netanyahu, e aliados.

O QUE JÁ FOI APROVADO ATÉ AGORA?

A primeira lei aprovada proíbe os tribunais de usar o chamado “padrão de razoabilidade” para invalidar decisões do governo. A medida impacta, entre outros pontos, a nomeação de ministros.

Em janeiro, a Suprema Corte usou o padrão de razoabilidade ao determinar o afastamento do então número dois do governo, Aryeh Deri, devido a uma condenação anterior por fraude fiscal —o político confessou o crime no ano passado, como parte de um acordo judicial para escapar da prisão.

A proposta foi aprovada por 64 votos a zero —a oposição boicotou a votação.

O QUE DIZ O GOVERNO NETANYAHU?

Ao anunciar o plano, em janeiro, o ministro da Justiça, Yariv Levin, fez críticas à Suprema Corte e afirmou que a reforma tem o objetivo de restaurar a confiança da população no sistema. “Pessoas em quem não votamos decidem por nós. Isso não é democracia”, disse ele na ocasião.

O discurso é ecoado por Netanyahu, cujo governo é o mais à direita da história de Israel. O premiê diz que a reforma é necessária para conter o ativismo do que chama de Justiça tendenciosa. Na mesma linha, defensores do governo afirmam que as mudanças são necessárias para restaurar o equilíbrio entre os Poderes e também para facilitar a governança ao restringir as intervenções da Suprema Corte.

O QUE DIZEM OS CRÍTICOS DA PROPOSTA?

Críticos à proposta apontam que a reforma é parte de uma guinada autoritária de Netanyahu, que voltou ao poder em dezembro apoiado em uma coalizão com integrantes de extrema direita. Os opositores dizem que as mudanças removeriam os contrapesos nos quais um Estado democrático se baseia.

Analistas apontam que a reforma pode comprometer a separação entre os poderes e, em última análise, enterrar a democracia de Israel. Também afirmam que a reforma pode aproximar Israel de uma ditadura ou de um regime como o da Hungria, classificada pelo Parlamento Europeu de uma “autocracia eleitoral” — em que há eleições multipartidárias, mas outros pilares democráticos estão ausentes.

O QUE NETANYAHU TEM A GANHAR COM A REFORMA?

Netanyahu está sendo julgado por acusações de suborno, fraude e quebra de confiança em Jerusalém e, segundo especialistas, a reforma pode beneficiá-lo nos processos criminais. O governo poderia, por exemplo, substituir juízes e nomear aliados. Especialistas também afirmam que Bibi, como o premiê é conhecido, pode usar a ameaça da reforma como moeda de barganha para negociar um acordo.

COMO A SOCIEDADE ISRAELENSE TEM REAGIDO?

Milhares de manifestantes têm protestado contra a reforma há meses, em uma das maiores tensões da história de Israel. Os atos atraíram o apoio de seculares e religiosos, ativistas pela paz e militares, além de grupos de direita e de esquerda. Até mesmo os presidentes de bancos se juntaram ao coro de críticas —analistas alertam para o risco da fuga de investidores caso a reforma seja implementada.

Alguns grupos ainda organizam paralisações e greves. Cerca de 10 mil reservistas das Forças Armadas —uma das instituições mais centrais da sociedade do país— afirmaram em julho que iriam cruzar os braços em protesto contra o avanço da reforma judicial.

Diante da pressão, Netanyahu disse ter abandonado um item considerado crucial na sua controversa proposta. Em entrevista ao americano The Wall Street Journal, publicada em junho, o premiê afirmou ter derrubado a regra que permitiria ao Parlamento anular decisões da Suprema Corte por maioria simples.

COMO A REFORMA PODE IMPACTAR OS PALESTINOS?

Os críticos da reforma temem que os direitos das minorias possam ser impactados. Especialistas dizem que o enfraquecimento do Judiciário poderia, por exemplo, desestimular os palestinos a buscar a defesa de seus direitos se acreditarem que os tribunais estejam alinhados ao governo.

No ano passado, por exemplo, um tribunal suspendeu os despejos de famílias palestinas no bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental, onde grupos judeus reivindicaram a propriedade de terras nas quais as famílias vivem há décadas.

QUAIS SÃO OS PRÓXIMOS PASSOS DA REFORMA?

O Knesset, o Parlamento israelense, entra em recesso no dia 30 de julho e não volta até outubro, devido às férias de verão e a feriados (Rosh Hashaná e Yom Kippur, ambos em setembro). Nesse período, embora os comitês legislativos sigam ativos, em geral não há votações gerais. Até lá, Netanyahu deve tentar mais uma rodada de negociação com líderes da oposição para continuar avançando com a reforma.

Redação / Folhapress

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