SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza foi criada após a Guerra Árabe-Israelense de 1948 e se manteve praticamente intacta desde então. Durante 75 anos, esta linha imaginária sobreviveu a várias guerras e regimes de ocupação, tornando-se um dos lugares mais vigiados do mundo.
Até que, na manhã de 7 de outubro de 2023, a fronteira colapsou. Ao menos 1.500 integrantes do grupo terrorista palestino Hamas romperam o bloqueio à Faixa de Gaza e infiltraram o sul de Israel, onde realizaram massacres e sequestraram reféns. As cenas da carnificina chocaram o mundo e provocaram uma guerra sangrenta.
Com mais de 1.300 mortos do lado israelense, o 7 de Outubro foi o pior atentado terrorista no mundo desde o 11 de Setembro. Foi também o maior ataque já sofrido por Israel dentro de seu próprio território.
Passada uma semana -a mais sangrenta do século na região- os detalhes da ação do Hamas ainda estão aparecendo em meio a uma avalanche de desinformação. Imagens disponíveis e entrevistas mostram a cronologia do que aconteceu naquele dia.
A reportagem identificou 8 pontos de infiltração na fronteira e 22 localidades invadidas por terroristas do Hamas em Israel; em 10 delas, foram registrados episódios com pelo menos cinco mortos.
ATAQUE A TORRES DE VIGILÂNCIA
Logo antes do amanhecer, integrantes do Hamas na Faixa de Gaza usaram drones carregados com explosivos para destruir torres de vigilância e veículos militares desprotegidos na fronteira. A primeira linha de defesa de Israel havia sucumbido, e os terroristas iniciaram uma invasão por terra, água e ar, acompanhada pelo disparo de milhares de foguetes.
Foi uma das maiores falhas dos serviços de inteligência de Israel, comparável à ocorrida 50 anos antes, quando a Síria e o Egito lançaram um ataque surpresa na Guerra do Yom Kippur.
Por volta das 6h30 da manhã, as autoridades israelenses se deram conta do ataque e acionaram as sirenes de alerta.
Em Zikim, um kibutz com cerca de 900 habitantes a poucos quilômetros da Faixa de Gaza e do mar Mediterrâneo, o brasileiro Mark Levy, 75, ouviu as sirenes e imediatamente se dirigiu para o quarto de segurança da sua casa junto à esposa e os dois netos. As residências da região são construídas com bunkers por causa dos recorrentes disparos de foguetes do Hamas.
Mas, desta vez, o ataque foi diferente. Terroristas chegaram de barco à praia de Zikim e tentaram invadir o kibutz, mas foram mortos por residentes armados.
“Nas primeiras horas, nos fechamos dentro desse quarto de segurança, até receber a confirmação de que não havia palestinos dentro do kibutz. Só então pudemos sair do quarto para fazer comida, enfim, pudemos circular um pouco”, disse Levy horas mais tarde naquele mesmo dia.
Segundo o brasileiro, a rotina foi “totalmente diferente” da verificada em ataques anteriores. “Até hoje, todos os momentos de tensão eram mísseis, não havia infiltração. A última vez que tivemos que enfrentar [algo parecido] foi na guerra de independência em 1948. Desde então, todas as guerras se deram fora do Estado de Israel, entre exércitos. Esta é uma mudança radical”, afirmou.
TERRORISTAS ROMPEM A CERCA
Em outras partes da região, o Hamas usou explosivos e tratores para romper a cerca na fronteira e infiltrar Israel. Foi assim que os terroristas chegaram até o moshav de Netiv HaAsara, localizado a apenas 15 minutos de carro de Zikim. Ali, invadiram a comunidade e mataram 15 pessoas.
Outras comunidades localizadas perto de pontos em que a cerca foi violada também registraram massacres. É o caso dos kibutzim de Nahal Oz (10 mortos), Kissufim (8), Holit (11) e Re’im (5).
Na cidade de Sderot, moradores gravaram a ação dos invasores. Os terroristas apareceram em uma camionete, vestindo uniformes pretos e faixas brancas na cabeça, e atiraram indiscriminadamente contra civis. Na estrada que dá acesso a Sderot e nas ruas da cidade, foram encontrados 20 corpos.
Nos dias que se seguiram, surgiram notícias de ataques ainda mais sangrentos na região. Um dos piores massacres ocorreu no kibutz de Be’eri, onde foram encontrados 108 corpos. Após a retomada do local, militares israelenses autorizaram a entrada de repórteres e fotógrafos, que viram prédios destruídos, incendiados e com marcas de bala na parede.
Em outros dois kibutzim, Kfar Aza e Nir Oz, há dezenas de mortos, e os corpos ainda estão sendo contados. Em Kfar Aza, socorristas dizem que a destruição equivale ou até supera a vista em Be’eri.
Na quinta-feira (12), o Ministério das Relações Exteriores de Israel divulgou imagens de bebês assassinados por terroristas em um dos kibutzim invadidos. Não informou a quantidade de vítimas, nem a local em que as fotos foram tiradas. O Hamas nega ter atacado bebês e diz que essas imagens são propaganda de guerra.
Massacre em local de rave
Para além das infiltrações por água e terra, houve pelo menos um ponto em que terroristas usaram paramotores (parapentes com hélices na traseira) para sobrevoar a cerca na fronteira. Foi assim que atacaram a rave Universo Paralello, evento organizado por brasileiros em um local a cerca de 5,5 km da Faixa de Gaza. Foi o pior massacre de todos, com 260 mortos.
O brasileiro Rafael Zimerman, 27, estava na festa com amigos. Ele relatou que, após ouvir as sirenes, correu para um bunker.
“Foi aí que o inferno começou”, disse. Os terroristas cercaram o local, lançaram granadas e dispararam contra eles. O brasileiro conta que teve que se fingir de morto por horas. “Me esparramei por cima dos corpos, só queria morrer tranquilo. Só queria que atirassem em mim.”
Zimerman foi ferido nas costas por estilhaços e teve que ser hospitalizado. Ele recebeu alta e passa bem. Outros três brasileiros que estavam no evento foram mortos: Ranani Glazer, 23, Bruna Valeanu, 24, e Karla Stelzer Mendes, 42.
Terroristas chegaram a infiltrar outras localidades no sul de Israel. Em Ofakim, a 28 km da Faixa de Gaza, assassinaram um motorista de uma ambulância. Instalações militares foram invadidas em algumas localidades, como Re’im e Erez.
Alguns dos foguetes disparados pelo Hamas atingiram alvos em Israel. Ao menos seis pessoas morreram em vilarejos beduínos no deserto do Negev. Um hospital foi atingido em Ashkelon, sem deixar feridos.
Os enfrentamentos no sul de Israel se estenderam por vários dias após o ataque surpresa, e o país chegou a bombardear alvos dentro do seu próprio território. A zona de guerra transbordou pela fronteira.
O governo diz ter matado 1.500 integrantes do Hamas dentro do país, mas não há certeza de que todos os terroristas que cruzaram a fronteira tenham sido mortos ou presos.
DANI AVELAR / Folhapress