Entenda como funciona uma pesquisa eleitoral e por que ela é tão sensível nos EUA

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Às vésperas das eleições nos Estados Unidos, as principais pesquisas mostram um empate virtual entre Kamala Harris e Donald Trump. Analistas têm evitado arriscar um palpite sobre quem vai vencer em 5 de novembro, seguindo a famosa ideia socrática que confessa: “só sei que nada sei”.

Esse cenário de incerteza é agravado pelo fato de que, no passado, as pesquisas de opinião erraram –e muito. O exemplo mais claro é a eleição de 2016. Modelos estatísticos chegaram a cravar que havia uma chance de 99% de que Hillary Clinton vencesse. Foi Trump, como se sabe, quem ganhou naquele ano.

Desde então, os institutos de pesquisa americanos revisaram seus métodos. Segundo o Pew Research Center, 61% dessas entidades usaram em 2022 técnicas que não tinham empregado em 2016. Ainda assim, existe um limite claro do quanto eles conseguem prever. São estimativas de como os eleitores devem votar, não vaticínios do futuro.

É importante, nesse sentido, entender como essas pesquisas funcionam. Em primeiro lugar, são feitas por amostragem. Ou seja, os institutos ouvem uma parcela pequena de eleitores e, em cima disso, desenvolvem análises de como a totalidade deles deve se comportar no pleito.

A maior parte das pesquisas que circulam hoje foi feita em cima de uma amostra de cerca de mil pessoas. Até pouco tempo atrás, as entrevistas eram conduzidas por telefone. Nos últimos anos, porém, os institutos passaram a usar a internet também. Isso é importante porque permite que consultem as parcelas da população que têm outros hábitos.

Essas pesquisas costumam ter uma margem de erro de cerca de três pontos percentuais. Ou seja, se um instituto prevê 49% dos votos para Kamala e 51% para Trump, é um cenário de empate técnico. Isso porque a margem de erro indica que a porcentagem dela, nesse exemplo, vai de 46% a 52%; a dele, de 48% a 54%.

Analistas têm insistido, também, que a margem de três pontos não é real. É apenas uma indicação do método estatístico. Não leva em conta, por exemplo, que os eleitores de determinados candidatos podem ter motivos para esconder sua intenção real de voto, como afirmam hipóteses já levantadas a respeito dos eleitores de Trump. Isso pode ter influenciado as estimativas errôneas das eleições de 2016.

Não está claro, hoje, se os republicanos escondem mesmo o voto. Há estudos que dizem que não é o caso. Outra opção levantada por especialistas é que os eleitores de Trump confiam menos nos institutos de pesquisa e, por essa razão, tendem a ter menos interesse em colaborar.

Esse é um problema enorme para os profissionais. Tanto que a maior parte dos institutos de pesquisa tem tentado corrigir estimativas, dando mais peso aos eleitores declarados de Trump para, com isso, calibrar suas estatísticas. Eles não têm certeza, no entanto, de que isso funciona. O receio é agora superestimar o desempenho do republicano.

Outra medida que os institutos estão adotando é incluir maior variedade de eleitores, com recortes que levem em conta fatores como gênero, raça e idade, que influenciam comportamentos de maneiras mais ou menos previsíveis. Nestas eleições, por exemplo, Kamala leva vantagem na demografia de mulheres negras, em comparação com o seu rival, Trump, mais forte entre homens brancos.

Nessa seara, um dos pontos mais importantes é o da educação. Uma das críticas feitas às sondagens de 2016 foi a de que não incorporaram o grau de estudo dos eleitores. Hoje, nos EUA, quanto mais uma pessoa estuda, mais ela tende a adotar os valores do Partido Democrata.

A lista de problemas segue. Outra questão é que as próprias pesquisas afetam como as pessoas agem. O voto não é obrigatório nos EUA. Isso significa que, se um eleitor acredita que seu candidato vai vencer, ele pode decidir ficar em casa. É, em parte, o que aconteceu em 2016, quando a vitória de Hillary já era dada como certa.

Há, por fim, as especificidades do sistema eleitoral americano. Grande parte das pesquisas que aparecem na imprensa tratam da intenção de voto em nível nacional. Mas a eleição americana é decidida nos estados. Cada unidade do país elege uma determinada quantidade de delegados, que por sua vez elegem o presidente no chamado Colégio Eleitoral. Um candidato pode, então, ter mais votos no país e ainda assim perder a eleição -mais uma fez, o caso de Hillary Clinton.

Isso faz com que seja necessário levar em conta uma mistura de pesquisas nacionais e regionais e calcular, também, o que acontece se um candidato vencer em um estado-chave e perder em outro. São, assim, diversas incertezas para se incorporar aos modelos matemáticos.

Com tudo isso dito, cada ciclo eleitoral é diferente, e os institutos vão aprendendo. O futuro, agora, aponta para a incorporação de ferramentas de inteligência artificial. Já há empresas investindo nessa tecnologia como uma adição ou mesmo uma substituição dos métodos convencionais de consulta por telefone e pela internet. Programam um sistema para simular o comportamento de eleitores e prever o resultado. Os primeiros testes mostram que a ideia funciona. Deve estar no centro do debate sobre pesquisas durante o próximo pleito americano.

DIOGO BERCITO / Folhapress

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