Entenda como funcionam as Paso, as eleições primárias na Argentina

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Neste domingo (13), os argentinos vão sair de suas casas em direção à escola onde estão suas seções eleitorais, identificar-se aos fiscais da mesa, e seguir para uma sala chamada de “quarto escuro”. Lá, selecionarão seus candidatos favoritos para uma série de cargos do Executivo e do Legislativo, incluindo a Presidência.

Trata-se de exatamente o mesmo roteiro que eles seguirão em 22 de outubro, quando acontece o primeiro turno das eleições gerais no país. Mas seus votos não vão eleger ninguém. Os argentinos participam das primárias nacionais, as Paso, em que são convocados a escolher os políticos que concorrerão nas eleições de fato.

“A única diferença é que, em vez de as cédulas dizerem ‘candidato’, dizem ‘pré-candidato'”, resume o cientista político argentino Federico Rossi, atualmente professor da Universidade Nacional de Educação à Distância (Uned) em Madri.

Para além do ensaio geral, porém, as primárias têm uma importância estratégica no cenário eleitoral argentino, fornecendo uma prévia das preferências do eleitorado especialmente valiosa em um momento de incerteza em relação à confiabilidade das previsões das pesquisas de intenção de voto.

O que são as Paso?

Acrônimo de “Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatórias”, as Paso são uma etapa prévia das eleições gerais da Argentina. Elas têm dois propósitos: solucionar eventuais disputas internas entre pré-candidatos dentro dos partidos antes do pleito oficial, e eliminar as legendas nanicas, já que as siglas que registram menos de 1,5% dos votos são impedidas de concorrer no primeiro turno.

Federico Rossi, o professor, afirma que as Paso são uma espécie de imitação das primárias americanas. Mas se nos Estados Unidos só os filiados dos partidos Democrata e Republicano escolhem quem representará a legenda na corrida presidencial, na Argentina, toda a população de 18 a 70 anos é obrigada a ir às urnas. Eleitores de 16 e 17 anos e maiores de 70 anos também podem participar.

Quando e por que elas surgiram?

O mecanismo foi criado em 2009, durante o primeiro mandato de Cristina Kirchner, e implementado pela primeira vez em 2011. Na época, seus principais objetivos eram diminuir o total de candidaturas nas eleições e “terceirizar” para a população a resolução de eventuais disputas internas, já que as legendas não tinham filiados suficientes.

Quais os cargos em disputa nesta votação?

Presidente e vice-presidente Deputados (metade dos assentos, ou 130 de 260) Senadores (um terço dos assentos, ou 24 de 72, representando oito províncias) Deputados do Parlasul, o Parlamento do Mercosul (19 por distrito nacional e 24 por distrito regional)

Quais chapas lideram a corrida pela Presidência?

No total há 22 “listas”, ou chapas, de presidentes e vice-presidentes, pertencentes a 15 alianças. Três delas concentram cerca de três quartos das intenções de votos segundo as pesquisas: a peronista União pela Pátria, a direitista Juntos pela Mudança, e a ultradireitista A Liberdade Avança. Destas, só a última não terá disputa interna, tendo apresentado apenas um candidato, Javier Milei.

A competição mais acirrada se dará dentro da frente Juntos pela Mudança. Tanto Patricia Bullrich, ex-ministra de Segurança que aposta em uma imagem de linha-dura, quanto Horacio Larreta, chefe do governo de Buenos Aires que se vende como um “dialoguista” mais ao centro, têm boas chances de avançarem para o primeiro turno.

Já o União pela Pátria havia decidido levar um candidato único às urnas, o atual ministro da economia Sergio Massa, para concentrar os esforços de campanha e dividir o mínimo possível os votos de centro-esquerda e esquerda, ameaçados por um antikirchnerismo crescente. Mas o sindicalista Juan Grabois se candidatou de forma independente.

Quem são os principais pré-candidatos à Presidência?

União pela Pátria

Sergio Massa, 51 (Lista Azul-Clara e Branca)

Vice-presidente: Agustín Rossi

Ministro da Economia do governo de Alberto Fernández, lidera as pesquisas de intenções de voto embora a inflação tenha atingido 116% durante sua gestão. É conhecido por ser objetivo e diplomático e representa a ala centrista do peronismo, principal força política da Argentina por décadas, e tem uma relação ambígua com a poderosa ala esquerdista do partido, embora tenha ganhado seu apoio nestas primárias.

Não se sabe se Massa seguirá no governo caso seja o escolhido para se candidatar à Presidência por seu partido. Fontes próximas do ministro afirmaram recentemente ao El Cronista que a expectativa é de que ele continue, sim, no cargo.

Juan Grabois, 40 (Lista Justa e Soberana)

Vice-presidente: Paula Abal Medina

Líder sindical de muita popularidade, tem como principal reivindicação um salário mínimo universal e integra o La Cámpora, ala mais radical do peronismo. É um aliado importante de Cristina Kirchner, embora tenha protagonizado algumas desavenças com o governo, participando de uma de manifestação contra ele, por exemplo. Católico, é próximo do papa Francisco.

Juntos por el Cambio

Horacio Larreta, 57 (Lista A Mudança de Nossas Vidas)

Vice-presidente: Gerardo Morales

Termina seu segundo mandato como chefe de governo da cidade de Buenos Aires. Formado em economia, foi chefe de gabinete de Maurício Macri quando ele ocupou o mesmo cargo no passado, de 2008 a 2015, e fundou com ele o partido Proposta Republicana (PRO).

Patricia Bullrich, 67 (Lista A Força da Mudança)

Vice-presidente: Luis Petri

Considerada mais “linha dura”, foi ministra da Segurança de Macri (2015-2019) e deputada federal por Buenos Aires (2007-2015). Antes, atuou como ministra do Trabalho e Segurança Social na gestão de Fernando de la Rúa (1999-2001). Tem se movimentado para se aproximar do concorrente Javier Milei, dizendo que atuará junto com ele em propostas se ganhar, de olho nos eleitores de direita do rival.

A Liberdade Avança

Javier Milei, 52 (Lista Liberdade para Sempre)

Vice-presidente: Victoria Villarruel

Economista e professor, foi eleito deputado federal em 2021. É líder de sua coalizão e também do Partido Libertário. Ganhou fama a partir de 2018, quando chamou uma jornalista de “burra” e teve que pedir desculpas na Justiça. Desde então, chama a atenção por suas críticas contundentes às gestões de Cristina Kirchner, Macri e Fernández e por seu modo agressivo de falar.

Define-se como “anarcocapitalista” e tem como principal proposta a dolarização da economia argentina. Costuma atrair principalmente o eleitorado jovem.

Como é o processo de votação?

Alguns distritos usam urnas eletrônicas mas, na maior parte deles, vota-se por meio de cédulas de papel. Estas lembram os nossos “santinhos” de propaganda eleitoral, com retratos e nomes dos políticos em disputa impressos em tinta colorida.

Se um eleitor quiser votar em uma chapa para presidente, por exemplo, e em outra para deputado, terá de cortar a cédula. No passado, isso era feito com tesoura ou régua. Hoje, os papéis já vêm com uma linha pontilhada para facilitar o rasgo. Os pedaços de papel são então inseridos no envelope e depositados em uma urna do corredor, nesta etapa à vista de todos.

Como são as coligações políticas que imprimem as cédulas, com dinheiro do Estado, são elas as responsáveis por monitorar o número de cédulas nas seções para garantir que elas não faltem.

Em quais horários ocorre a votação, e quando os resultados finais serão divulgados?

As seções eleitorais funcionam de 8h às 18h. Então, as portas dos centros de votação são fechadas e os presidentes das mesas esperam até que todas as pessoas nas filas depositem seu voto para dar início ao processo de apuração.

De acordo com o chefe da Direção Nacional Eleitoral (Dine), Marcos Schiavi, a expectativa é que os resultados das Paso se tornem públicos às 21h do próprio domingo.

O que acontece depois?

Os candidatos das coligações que vencerem as primárias estarão habilitados a concorrer nas eleições presidenciais de 22 de outubro. Presidenciáveis podem vencer em primeiro turno de duas maneiras: obtendo mais de 45% dos votos ou, alternativamente, mais de 40% dos votos desde que a porcentagem seja dez pontos percentuais maior do que aquela do segundo colocado. Se nenhuma dessas condições for atendida, um segundo turno é marcado para dali a 30 dias. Neste ano, um eventual segundo turno cairia em 19 de novembro.

Qual é a relação dos argentinos com as Paso?

As primárias não são unânimes no país. Alguns afirmam que ela tornou o processo eleitoral mais democrático, uma vez que a escolha dos candidatos das eleições gerais é feita diretamente pela população. Outros dizem que, como muitos dos partidos apresentam só um candidato nas primárias, seu objetivo inicial é distorcido, e elas acabam se tornando uma espécie de pesquisa eleitoral mais confiável do que qualquer levantamento por amostragem, uma vez que contam com o comparecimento de cerca de 70% da população em média.

Outra crítica frequente é que as Paso acabam estendendo o período eleitoral por muito mais tempo do que o necessário. As campanhas para as primárias não diferem muito daquelas para as eleições de primeiro turno, com comícios que reúnem multidões, discursos inflamados, cidades cobertas de propaganda política e cobertura jornalística intensa.

Por fim, Federico Rossi ainda observa que, como as primárias são abertas à toda a população, isso abre espaço para que eleitores votem estrategicamente em um candidato de um partido rival que considerem mais fraco para que ele concorra nas eleições gerais e, assim, as chances da sua própria sigla aumentem no pleito em si.

CLARA BALBI / Folhapress

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