SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cidade de São Paulo deverá ter prédios mais altos próximos às estações de metrô e corredores de ônibus. Essa é a direção para a qual aponta o texto revisado do Plano Diretor Estratégico paulistano, que tem a sua segunda e definitiva votação na Câmara Municipal prevista para esta segunda-feira (26).
Recheada de questões técnicas, a lei responsável por indicar como o município irá se desenvolver tem um alicerce que facilita compreender como as mudanças acontecerão. É a relação entre o custo do mercado imobiliário para construir e o benefício oferecido pelo poder público para que empreendedores do setor atuem em certas regiões.
Ao apresentarem suas propostas de revisão do Plano Diretor neste ano, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a Câmara mantiveram a espinha dorsal do projeto aprovado em 2014, durante a prefeitura de Fernando Haddad (PT). Os estímulos à construção são mais generosos nos chamados Eixos de Estruturação e Transformação Urbana. São os arredores das regiões onde há maior oferta de transporte público.
O incentivo a moradias voltadas à população com menor renda, chamadas de HIS (Habitação de Interesse Social) e de HMP (Habitação de Mercado Popular), também segue no cerne da proposta.
A grande diferença é que as mudanças da revisão agora permitem uma proporção maior de área construída em relação ao terreno nos empreendimentos localizados nos eixos e voltados à camada da população de menor renda. Isso torna a construção dos imóveis mais barata, explica Claudio Bernardes, vice-presidente do Secovi-SP (entidade que representa o setor).
“O custo para construir [material e salários] é o mesmo em qualquer região da cidade, o que muda é o quanto eu posso aproveitar da área”, afirma Bernardes.
A relação entre custo e benefício mencionada pelo construtor é representada pela sigla CA (coeficiente de aproveitamento). Quando a construção pode aproveitar apenas uma vez a área do terreno, diz-se que o coeficiente de aproveitamento é igual a um ou, simplesmente, CA1.
Nos eixos de transporte, a regra vigente permite que prédios residenciais construam quatro vezes o tamanho do terreno. Mas se o edifício for majoritariamente destinado à habitação social, a liberação sobe para seis.
No texto que irá para votação, esse aproveitamento de prédios residenciais pode chegar a até nove vezes se forem combinados diferentes tipos de moradia. A condição para isso é que mais da metade das unidades seja voltada para a população de renda mais baixa, de acordo com o vereador Rodrigo Goulart (PSD), relator do projeto.
Misturar empregos e pessoas de diferentes faixas de renda no mesmo empreendimento é um dos objetivos do Plano Diretor. Mas urbanistas consideram que, na prática, isso não ocorreu: os eixos que receberam a maioria dos prédios novos estão em bairros valorizados, e os empreendimentos geralmente são de alto padrão.
A ideia é que o estímulo maior à moradia social aproxime pessoas mais pobres dos polos geradores de emprego e renda, diz o vereador.
Se consideradas outras regras já vigentes no Plano Diretor, que permitem incluir lojas na fachada do prédio e salas comerciais, o potencial construtivo sobe para perto de 12 vezes o tamanho do terreno.
Acrescenta-se a isso a ausência de limite de altura para edifícios nesses eixos. Prédios enormes poderão surgir.
Além disso, os eixos vão ficar mais amplos. Hoje atingem as quadras dentro do raio de 600 metros do metrô e nos 300 metros do entorno de corredores de ônibus. A nova redação libera espigões em todas as quadras tocadas por um perímetro de 700 metros do transporte sobre trilhos e de 400 metros dos corredores.
É essa combinação que mobilizou vizinhanças, sobretudo as mais cobiçadas pelo mercado, a irem às audiências públicas na Câmara protestar contra a proposta dos vereadores. Esses moradores temem viver às sombras de paredões mais altos e mais largos, além de conviver em áreas com mais trânsito e poluição.
Goulart rebate as críticas dando como exemplo um ícone paulistano, o Edifício Copan, projetado por Oscar Niemeyer. “O coeficiente de aproveitamento do Copan é de aproximadamente 19. Qual é o problema que o Copan traz para a cidade?”, questiona.
Bianca Tavolari, professora e coordenadora do Observatório do Plano Diretor no Insper, afirma que as críticas da maior parte dos especialistas não estão relacionadas necessariamente à verticalização, e sim à destinação desses imóveis.
“O próprio Copan, pensado para pessoas de todas as classes, hoje está muito caro, com apartamentos pequenos destinados a turistas que os alugam por aplicativo”, diz.
Também pesquisador da cidade no Insper, o professor Adriano Borges afirma que outras mudanças realizadas pelo Plano Diretor podem ser tão relevantes quanto às discutidas nos eixos, mas é este o ponto com maior capacidade de mobilizar a sociedade. “Infelizmente, outras questões como a ambiental, habitação social e a proteção de patrimônio ficam eclipsadas pelos eixos.”
CLAYTON CASTELANI E TULIO KRUSE / Folhapress