RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – A disputa por terras da Vila de Jericoacoara, área do município de Jijoca de Jericoacoara (CE), a 297 km de Fortaleza, no litoral, tem sido marcada por conflitos de versões nas últimas semanas. O acordo inicialmente anunciado pelo governo estadual para cessão de terras a uma empresária está suspenso pela Procuradoria-Geral do estado.
A suspensão aconteceu no início de novembro. Desde então, moradores da vila têm contestado versões apresentadas pela empresária Iracema Correia São Tiago.
Jericoacoara é um dos principais destinos turísticos do Nordeste. A área sob disputa fica fora do Parque Nacional, gerido pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Inicialmente, a empresária alegou ser dona de 83% das terras da Vila de Jericoacoara. Ela apresentou documentos sobre a propriedade das terras ao Idace (Instituto do Desenvolvimento Agrário do Ceará) em julho de 2023.
Segundo ela, em 1983, seu então marido, José Maria Machado, comprou terrenos que totalizam 714 hectares na região. Ela apresentou a escritura pública de compra. Desse total, 73,5 hectares estariam na área da Vila de Jericoacoara, que tem, ao todo, 88 hectares.
A Procuradoria-Geral inicialmente reconheceu a legitimidade da escritura apresentada por Iracema. Por meio do órgão, o governo firmou um acordo extrajudicial, ou seja, sem necessidade de intervenção da Justiça, que acabou suspenso no começo de novembro.
Segundo a Procuradoria, no acordo firmado entre as partes, Iracema abriu mão “de todas as terras que, mesmo estando dentro de sua propriedade, estivessem ocupadas com moradores ou quaisquer tipos de construções”, o que corresponde a 90% da área pleiteada inicialmente.
Pela proposta, somente terrenos que ainda estavam no nome do Idace e que não estavam ocupados de alguma forma -ou seja, uma parte menor considerando o todo da vila- é que passariam para o nome de Iracema, em uma área de 49,5 mil metros quadrados.
Desde então, moradores de Jericoacoara têm buscado fazer contrapontos aos argumentos da defesa da empresária.
O conselho de moradores divulgou, em novembro, documentos antigos do Diário Oficial do Ceará que apontam que as terras da família Machado estavam localizadas ao sul do Parque Nacional.
Para o conselho, não existia nenhuma propriedade privada na área quando o governo do estado realizou a regularização fundiária de Jericoacoara, entre 1995 e 2000.
O grupo argumenta que as terras da família ficavam em uma fazenda de caju, localizada fora da área do Parque Nacional e distante da Vila de Jericoacoara.
Para os advogados da empresária, os questionamentos “são frágeis e atendem apenas aos interesses de pessoas e de empresários que exploram o turismo na Vila de Jeri e que vem se apropriando indevidamente de áreas públicas para seu próprio benefício ao longo dos anos”.
Em nota, a defesa afirma que uma portaria de 2000 do Idace erra ao colocar as terras ao sul da área de proteção ambiental e diz que isso “ignora todas as demais propriedades existentes e facilmente identificadas”.
“O fato do cartório não ter informado corretamente ao Idace na época a existência de outras propriedades na região não implica na perda dos direitos aos imóveis, seguindo entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal).”
Os advogados de Iracema também apresentaram um mapa de 2020 do ICMBio que reconheceria as fazendas dentro da área do Parque Nacional.
Em contraponto, os advogados do conselho de moradores afirmam que o Ministério Público do Ceará teria apontado que a matrícula da área que seria transferida para a empresária apresentou aumento significativo, passando de 441 hectares para 924 hectares.
Esse aumento é um dos argumentos utilizados pelo grupo para contestar a transferência das terras.
O processo está suspenso por tempo indeterminado na Procuradoria-Geral do Ceará. O órgão vai ouvir outros órgãos, como a comunidade da Vila de Jericoacoara, Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a Superintendência do Patrimônio da União no Ceará, o ICMBio e os ministérios públicos federal e do Ceará.
Não há prazo para as manifestações, segundo a PGE-CE. A expectativa é que o processo continue ao longo de 2025.
Em nota, a defesa de Iracema diz que não está preocupada com a suspensão. “Acreditamos que essa nova análise dará ainda mais segurança jurídica para o acordo celebrado.” A defesa da empresária afirma ainda que irá à Justiça caso o acordo não seja implementado pelo governo do Ceará.
O primeiro secretário do Conselho Empresarial de Jericoacoara, Marcelo Laurino, diz estar confiante na revogação do acordo. “A abertura de consulta para outras instâncias foi decisiva. Isso abriu caminho para que a obrigatória revogação do acordo venha, como desejamos.”
JOSÉ MATHEUS SANTOS / Folhapress