Entenda o projeto de lei do mercado de carbono aprovado no senado

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O projeto de lei do mercado de carbono, aprovado nesta quarta-feira (13) pelo Senado, cria um sistema que precifica emissões de gases de efeito estufa e também autoriza a União a criar limites para elas.

O objetivo do mecanismo, chamado internacionalmente de “cap and trade” (teto e comercialização) é fazer com que empresas que ultrapassem o patamar de poluentes paguem por isso e, consequentemente, sejam estimuladas a se tornarem mais sustentáveis.

O instrumento já foi criado em diferentes países em meio ao esforço global para se conter as emissões e, assim, limitar o aquecimento do planeta. Em 75 lugares do mundo (incluindo estados e províncias) já se adota o mercado de carbono ou imposto sobre as emissões -que, juntos, movimentaram globalmente mais de US$ 100 bilhões (R$ 575 bilhões) em 2023, segundo o Banco Mundial.

A previsão do Ministério da Fazenda é que o mercado esteja funcionando plenamente em 2030 e que, desse ano até 2040, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro seja impulsionado em 5,8% no período acumulado. Para 2050, a projeção é de 8,5%.

Apesar disso, a arrecadação para os governos tem sido baixa. A maior contribuição da precificação de carbono para um orçamento nacional é observada na Alemanha, onde o mercado de carbono representa cerca de 4% da receita governamental em 2023.

“Isso sugere que há uma oportunidade para reformas que ajudem a alcançar metas fiscais, econômicas, sociais e ambientais”, diz o Banco Mundial em relatório publicado neste ano sobre o tema. Para a instituição, instrumentos como o mercado de carbono podem gerar receita com menor impacto negativo sobre o emprego e são ainda mais relevantes em lugares com níveis mais altos de tributação.

O projeto ainda precisa ser votado pela Câmara dos Deputados, mas a previsão é que a tramitação seja acelerada. Depois disso, ainda será necessária uma regulamentação detalhada por parte do Poder Executivo.

O QUE É O MERCADO DE CARBONO?

Um mecanismo por meio do qual os gases de efeito estufa são precificados e podem ser neutralizados por meio da compra de créditos de carbono (de um projeto de reflorestamento, por exemplo).

O QUE DIZ O PROJETO DE LEI NO SENADO?

O texto cria regras para o mercado, a ser chamado de Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), e também autoriza a União a criar limites para as emissões. O objetivo é fazer com que empresas que ultrapassem o teto de poluentes paguem por isso e, consequentemente, sejam estimuladas a se tornarem mais sustentáveis. Ele será destinado às atividades no Brasil que produzem esses gases e devem se submeter aos limites.

O QUE VAI SER NEGOCIADO NO SBCE?

Serão dois ativos, que vão ser comercializados de acordo com a lei do mercado de capitais (6.385, de 1976) e com regulação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) no âmbito financeiro. São eles:

– CBE (Cota Brasileira de Emissões). Ativo que representa o direito de emissão de 1 tCO2e (uma tonelada de dióxido de carbono equivalente); poderá ser concedido pelo poder público ou leiloado.

– CRVE (Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões). Ativo que representa redução ou remoção de gases de efeito estufa de 1 tCO2e; poderá ser desenvolvido por projetos de pessoa jurídica com um capital social mínimo.

Haverá leilões frequentes de CBEs. Na experiência internacional, eles acontecem toda semana ou a cada 15 dias. Dessa forma, a empresa pode participar conforme planejamento próprio.

QUEM VAI ESTAR SUJEITO À REGULAÇÃO DO SBCE?

Quem emitir acima de 10 mil tCO2e por ano. Ao final de cada período, o operador deverá ter ativos do SBCE em quantia equivalente às suas emissões do período. A empresa também deverá submeter plano de monitoramento, enviar relatos de emissões e remoções de gases e um reporte de conciliação periódica de obrigações (além de outras obrigações).

QUEM ESTABELECERÁ OS LIMITES DE EMISSÃO?

Será competência exclusiva da União o estabelecimentos dos limites de emissão dos setores regulados. Os números estarão no Plano Nacional de Alocação, que reunirá a cada período o limite máximo de emissões, a quantidade de CBEs a ser alocada entre os operadores e outros itens. Ele terá uma abordagem gradual, será aprovado com antecedência de pelo menos 12 meses da vigência e deverá estimar a trajetória dos limites de emissão para os dois períodos subsequentes, entre outras tarefas. O Plano é de responsabilidade de um comitê interministerial.

OS LIMITES DE EMISSÃO SERÃO POR SETOR?

O limite global de emissão é definido no Plano Nacional de Alocação. Ele é definido para a soma das atividades produtivas sob o SBCE. A divisão do limite global em limite individuais (por empresa, por exemplo) levará em conta as emissões de cada fonte.

QUEM VAI MANDAR NO SBCE?

Um Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (já previsto em lei de 2009), um órgão gestor e um Comitê Técnico Consultivo Permanente. O Poder Executivo estabelecerá as regras. Ao comitê interministerial competirá, por exemplo, estabelecer diretrizes, aprovar o Plano Nacional de Alocação e aprovar o plano anual de aplicação dos recursos arrecadados com o SBCE. Já o órgão gestor será a instância executora e vai regular o mercado, estabelecer os limites anuais de emissões e emitir as CBEs (Cota Brasileira de Emissões).

COMO SERÃO AS PENALIDADES?

No SBCE, haverá advertência, multa, publicação de extrato da decisão condenatória em meio de comunicação às custas do infrator, embargo de atividade, suspensão parcial ou total da atividade e mais uma série de possibilidades que inclui até proibição de emprestar com bancos públicos ou contratar com a administração pública. A multa pode chegar a 3% do faturamento bruto do grupo. No caso de pessoa física, de R$ 50 mil a R$ 20 milhões. Será garantido recurso.

COMO OS ATIVOS VÃO SER TRIBUTADOS?

O ganho com a venda de créditos de carbono será tributado pelo Imposto de Renda (IR). Poderão ser deduzidos da base de cálculo do IR da pessoa jurídica com apuração no lucro real as despesas com redução de emissões, inclusive gastos administrativos e financeiros. Também haverá o benefício quando a empresa cancelar créditos de carbono e certificados de maneira voluntária.

O SBCE TERÁ RECEITAS?

Sim. Da cobrança do pagamento dos leilões de CBEs, das multas aplicadas, de convênio com entidades, organismos e empresas ou de doações.

PARA ONDE ESSAS RECEITAS IRÃO?

– Ao menos 15% para a própria operação e manutenção do sistema

– Ao menos 75% para o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima

– E ao menos 5% a povos indígenas e povos e comunidades tradicionais

COMO O PROJETO TRATA A AGRICULTURA?

O texto deixa a agricultura expressamente de fora das obrigações.

O PROJETO FALA SOBRE REDUÇÃO VOLUNTÁRIA?

Sim. Os créditos de carbono podem ser ofertados no mercado voluntário por qualquer detentor dos créditos para serem vendidos para empresas que queiram, mesmo sem essa obrigação, comprá-los.

O QUE MAIS O PROJETO FALA SOBRE INDÍGENAS E POVOS TRADICIONAIS?

Eles terão direito à comercialização de CRVEs e créditos de carbono gerados nos territórios que ocupam. Eles terão direito a ao menos 50% dos créditos de carbono ou CRVEs decorrentes de projetos de remoção de gases e ao menos 70% dos créditos ou CRVEs decorrentes de projetos chamados de REDD+ (Reduções de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, que representam a quantidade de emissões evitada ao se conservar uma área florestar em vez de derrubá-la).

QUE TERRAS SÃO APTAS AOS PROGRAMAS DE CRÉDITO DE CARBONO E CRVE?

Terras indígenas, territórios quilombolas e outras ocupadas por povos tradicionais; unidades de conservação; projetos de assentamentos; florestas públicas não destinadas; e outras áreas que não tenham vedação legal.

COMO SERÁ A IMPLEMENTAÇÃO?

– Fase 1: período de 12 meses (prorrogável por igual período) para a regulamentação da lei.

– Fase 2: período de um ano para o relato de emissões por parte das empresas.

– Fase 3: período de dois anos no qual as empresas estarão sujeitas ao dever de submeter o plano de monitoramento e apresentação de relato de emissões e remoções de gases.

– Fase 4: vigência do primeiro Plano Nacional de Alocação, com distribuição de CBEs e implementação do mercado de ativos do SBCE

– Fase 5: implementação plena do SBCE.

FÁBIO PUPO / Folhapress

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