SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nas últimas semanas, o debate sobre o que é a ciência e para quê serve o método científico ganhou força no Brasil.
A discussão teve início após o lançamento do livro “Que Bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério” (ed. Contexto), da microbiologista Natália Pasternak e do jornalista Carlos Orsi, que discute crenças e práticas consideradas pseudociência no país.
Diversas entidades saíram em defesa de algumas das práticas mencionadas no livro, como o CFM (Conselho Federal de Medicina), sobre a homeopatia, e psicanalistas refutaram a classificação de psicanálise como “pseudociência”.
Para entender esse debate, é importante saber quais as premissas básicas da ciência.
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O que é o método científico?
O método científico é baseado em uma ou mais hipóteses (perguntas) que vão ajudar a explicar um fenômeno. Para isso, são feitas observações (coleta de dados) que são depois testadas e vão comprovar ou refutar aquela hipótese, chegando-se ao resultado final (conclusão).
A definição do método científico depende ainda de dois conceitos fundamentais: a falseabilidade (verificação da hipótese por terceiros) e a reprodutibilidade (pode ser testado diversas vezes que chega ao mesmo resultado).
O método científico visa eliminar vieses subjetivos que os indivíduos podem inferir em determinado fenômeno natural, criados a partir de crenças e ideologias pessoais.
Quando a ciência surgiu?
Há registros da origem do pensamento científico que datam da Grécia Antiga, com os pensadores denominados “filósofos da ciência”. Posteriormente, Aristóteles também aplicou o pensamento científico para explicar ideias como parte do universo observável (mundo real).
Já na Era Medieval, os cientistas uniram a filosofia greco-romana com as universidades europeias para aplicar a experimentação como prova das teorias do mundo real. Entre eles está o físico Galileu Galilei, considerado “pai” da ciência moderna.
Como a ciência pode ser aplicada para explicar o mundo real? A ciência sempre foi construída a partir da experimentação (observação empírica)?
A aplicação da ciência ao mundo real é por teste de hipóteses, que são as previsões observadas a partir dos fenômenos, afirma o biólogo evolucionista Olivier Rieppel. “Estas podem levar a investigações adicionais e mais detalhadas.”
Porém, nem tudo o que hoje é reconhecido como ciência passou por essas experimentações no passado, explica a professora de filosofia e ensino em matemática na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Tatiana Roque. “Na própria matemática, o método de prova é a demonstração lógica de um teorema a partir do método hipotético-dedutivo. Não tem nenhuma demonstração experimental.”
Roque afirma ainda que a ciência e a experimentação mudaram muito com as novas tecnologias. “A inclusão dos computadores e do método de simulação computacional para testar hipóteses foi algo que não foi bem aceito inicialmente por não ser considerado como uma experimentação nem como uma demonstração”, afirma.
Existem outras formas de aplicar o método científico para áreas que não são experimentais?
Sim. Existem diversas áreas da ciência que não são consideradas experimentais, como as ciências humanas.
Assim, muitos estudiosos criticam quem considera que ciência (ou o método científico) só é válida se for testável com rigor metodológico.
O debate sobre se só existe uma ciência universal não é novo, afirma Roque. “Nem tudo aquilo que se diz ciência é experimental, e o padrão de rigor difere entre elas. Dizer o que deve ou não ser considerado científico através de um único padrão é uma limitação do que é a ciência”, explica.
Por outro lado, aqueles que praticam a pseudociência se aproveitam da credibilidade do método científico e usam falsos experimentos ou resultados que não passariam pelo crivo metodológico para afirmar que determinada prática funciona de forma “comprovada”, argumenta Natália Pasternak.
“Existe uma confusão sobre o rigor metodológico, e é importante definir que nem todo estudo científico nasce igual. Para conseguir comprovar se determinado medicamento ou prática funciona, existem critérios que precisam ser guiados, não pode ser apenas observacional”, afirma a microbiologista. “É importante se basear em práticas que tenham o melhor rigor metodológico, isto sim é a ciência.”
Aquilo que não é possível de replicar por experimentação ou método científico não pode ser considerado ciência?
Alguns estudiosos afirmam que o pensamento científico é construído a partir de métodos que podem ser aplicados para diversas áreas do conhecimento, incluindo aquelas consideradas como não experimentais.
“A ciência avança pela eliminação de vieses, então se você tem métodos e protocolos para eliminar possíveis vieses, você consegue chegar a consensos a partir de diferentes grupos e de resultados que são sempre coletivos”, disse a pesquisadora da UFRJ.
No entanto, existem algumas áreas que historicamente não tinham o rigor científico como regra. É o caso da medicina, em que a chamada “medicina baseada em evidência” é algo novo, que data dos anos 1960.
“Antes dos estudos com a vacina da Salk [contra pólio] já havia demonstração do funcionamento das vacinas com os estudos de Pasteur sobre varíola, mas nem por isso é uma pseudociência”, afirma o epidemiologista Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da USP.
Existem áreas do conhecimento que hoje estão bem estabelecidas como ciência, mas que não passaram do crivo científico à época em que foram propostas?
De acordo com Rieppel, existem diversas áreas do conhecimento que demoraram a passar pelo denominado “crivo científico” da época.
Um exemplo são as próprias observações de Galileu, já que a imagem formada pelo telescópio do físico era de cabeça para baixo. “Isso, pelo menos, foi um argumento contra sua ciência na época”, explica.
Outro exemplo mais recente seria a construção do consenso científico sobre mudanças climáticas. “A criação do IPCC [Painel Internacional de Mudanças Climáticas] conseguiu juntar um escopo incontestável de evidências produzidas por diversos grupos independentes que comprovaram que o aquecimento global é causado por ação humana, algo que no início não era uma certeza”, afirma Roque, que é também autora do livro “O Dia em Que Voltamos de Marte”, que aborda a descoberta e as implicações das mudanças climáticas.
Assim, a formação do consenso usa a melhor explicação possível naquele momento para determinado fenômeno, mas pode mudar com os anos, explica o jornalista Carlos Orsi, coautor de “Que Bobagem!”. “Isto não quer dizer que o consenso não vai mudar, mas ele é consolidado porque necessita de evidências extraordinárias para refutá-lo.”
ANA BOTTALLO / Folhapress