SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O número de processos de recuperação judicial cresceu em 2023, com empresas grandes e populares indo à Justiça buscar proteção contra credores.
Quando o pedido é enviado à Justiça, ele ainda precisa ser avaliado pelo juiz, que dirá, com base na documentação enviada pelos advogados, se a empresa tem ou não a capacidade de se recuperar.
Se o pedido de recuperação judicial é aceito, a companhia consegue evitar a cobrança de dívidas e ganha tempo para organizar um plano de pagamento.
A empresa pode pedir a suspensão pelo prazo de 180 dias de ações de credores e consumidores que tenham ido à Justiça após a interrupção de serviços.
Entenda:
O QUE É RECUPERAÇÃO JUDICIAL?
A recuperação judicial, como a que foi pedida por Polishop, Coteminas, Southrock (da Starbucks), 123milhas, Americanas, Oi, Odebrecht (hoje Novonor), entre outras, é um processo que busca a proteção da Justiça para, na prática, impedir que dívidas sejam cobradas, até que a empresa apresente um plano para pagar seus credores.
Isso permite que a companhia possa continuar operando, sem que seu caixa seja imobilizado pelas cobranças e execuções.
Segundo a FIA (escola de negócios fundada por professores de administração da Universidade de São Paulo), a recuperação judicial é uma medida extrema. Ou seja, é o recurso final que uma empresa lança mão para evitar a falência.
Um segundo objetivo é recuperar a empresa do ponto de vista econômico e financeiro para que ela volte a gerar valor e mantenha empregos e serviços.
COMO FUNCIONA A RECUPERAÇÃO JUDICIAL?
O pedido de recuperação judicial deve ser protocolado em uma Vara de Falências, nos municípios que já tem as varas especializadas, ou nas varas cíveis comuns, onde ainda não há.
Como empresas que pedem recuperação judicial já estão com suas contas muito comprometidas, há necessidade de as decisões serem rápidas para protegê-las. A criação das varas especializadas, recomendada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) busca atender essa pressa.
O objetivo é dar condições para que a companhia pague suas dívidas e mantenha sua atividade. O processo é dividido em três etapas, segundo a FIA.
Postulatória
Nessa fase preliminar, a empresa faz à Justiça o pedido de recuperação. Para isso, ela terá que informar:
Os motivos que a levaram a entrar em crise
Seus resultados contábeis de pelo menos três anos
O montante total das dívidas em aberto
A relação dos bens de proprietários e sócios
Também terá que apresentar vários documentos que comprovem a real situação da empresa, como:
Relação completa de credores que ainda não estão com dívidas vencidas, com a natureza de cada débito e a classificação com valores atualizados
Endereços dos credores, além dos registros contábeis relativos a cada débito informado
Relação dos empregados, com funções e atividades exercidas, salários, benefícios e gratificações a que tenham direito
Para cada débito, a empresa deverá informar também os meses de referência, discriminando os valores para cada funcionário listado
Atas de nomeação dos atuais administradores
Extratos atualizados das contas bancárias em nome da empresa e comprovantes de aplicações financeiras de todos os tipos
Relação de ações judiciais, em especial na Justiça Trabalhista, com projeção dos valores pleiteados pelos autores
Deliberativa
Feito o pedido, cabe à Justiça avaliar se a empresa tem direito à proteção. Para isso, o órgão do Judiciário vai avaliar se a companhia preenche pré-requisitos, com base nas informações prestadas no pedido.
Estes requisitos são:
Não estar falido
Se já teve falência decretada anteriormente, todas as responsabilidades deverão estar extintas por sentença que não caiba recurso
Não ter, nos últimos cinco anos, ingressado com outra recuperação judicial
Estar ativa por, no mínimo, dois anos
Não ter sido condenada por crimes previstos na Lei de Falências
Não ter registrada concessão de plano especial de recuperação judicial nos últimos oito anos
Satisfeitas as exigências, o juiz nomeia um administrador judicial, que pode ser uma consultoria ou escritório especializado. Nessa fase, ficam suspensas as ações em todas as esferas.
Após a concessão da recuperação judicial, o prazo legal para o plano de pagamentos é de 60 dias da publicação da decisão.
O plano de pagamentos precisa conter:
discriminação pormenorizada dos meios de recuperação a ser empregados
demonstração de sua viabilidade econômica
laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.
Segundo advogados, geralmente este plano é preliminar, e outro mais elaborado sai em quatro meses ou mais, a depender das negociações.
Os credores da empresa serão chamados para uma assembleia em que vão analisar o plano de recuperação apresentado. Se for aprovado, o juiz concede a recuperação. Do contrário, a empresa terá sua falência decretada.
Depois da concessão pela Justiça, o plano aprovado começa a ser executado. Segundo a FIA, atendidas as exigências nos prazos estipulados, a Justiça poderá encerrar o processo de recuperação. Se qualquer ação prevista no plano for descumprida, a empresa pode ter sua falência decretada.
QUAIS AS CLASSES DE CREDORES?
Existem diferentes tipos de credores, com diferentes privilégios e prioridades de pagamento, segundo a advogada Camila Crespi, especialista em reestruturação empresarial e advogada na Luchesi Advogados.
Alessandro Guimarães, sócio-fundador do escritório Alessandro Guimarães Advogados, relaciona os seguintes tipos principais.
Credor trabalhista trabalhadores que têm a receber salários, férias e outros direitos trabalhistas
Credor com garantia real como imóvel dado em hipoteca ou veículo dado em garantia de um empréstimo
Credor público os que têm a receber tributos
Credor com garantia flutuante possuem garantias sobre bens móveis da empresa, como estoques, máquinas e equipamentos, que podem ser vendidos
Credor quirografário não possuem garantias reais ou pessoais de pagamento, como fornecedores, prestadores de serviço, instituições financeiras, entre outros
Além disso, alguns créditos podem ser considerados extraconcursais, o que significa que possuem prioridade de pagamento sobre todos os demais credores. Entram nesse grupo, por exemplo, os honorários dos administradores judiciais, as despesas com a realização da assembleia geral de credores, os impostos devidos pela empresa em razão da decretação da falência ou recuperação judicial.
QUAL DOS CREDORES RECEBE PRIMEIRO?
Inicialmente, pagam-se os créditos extraconcursais e depois os créditos concursais.
De acordo com o advogado Alessandro Guimarães, “somente se avança para a categoria seguinte, se a anterior estiver totalmente satisfeita”. Se não houver ativos suficientes para pagamento total da categoria, faz-se o rateio proporcional.
Camila Crespi, especialista em reestruturação empresarial e advogada na Luchesi Advogados, afirma que dentro de cada classe de credor é possível formar grupos diferentes.
Por exemplo, entre os créditos quirografários, pode haver um grupo de fornecedores, outro de detentores de debêntures (papéis vendidos a investidores, com a promessa de devolver o investido mais juros), outro de clientes que esperam ser ressarcidos pelo serviço não prestado.
O plano de pagamento pode prever grandes descontos no valor que cada credor tem a receber quando essa oferta é aceita, isso pode significar receber mais cedo o pagamento.
O pagamento das dívidas segue uma ordem de preferência:
Credores extraconcursais
Créditos trabalhistas com limite de 150 salários-mínimos por credor e os decorrentes de acidentes de trabalho
Créditos com garantia real limitados ao valor do bem gravado na garantia; podem não receber integralmente o crédito se a venda dos bens não for suficiente
Créditos tributários independentemente da sua natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e multas
Créditos quirografários créditos originários de obrigações simples, sem garantia real, e os saldos dos créditos trabalhistas que excederem o limite estabelecido
QUEM PODE PEDIR RECUPERAÇÃO JUDICIAL?
A lei 11.101/2005, que estipula as regras de recuperação judicial, exclui:
empresa pública e sociedade de economia mista;
instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
As outras empresas podem fazer o pedido.
QUAL A DIFERENÇA ENTRE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E FALÊNCIA?
A primeira tem como objetivo justamente evitar a segunda. Quando uma empresa decreta falência, é obrigada a liquidar todo o seu patrimônio para honrar os compromissos em aberto.
Já a recuperação é uma proteção para que ela possa pagar essas dívidas e, ao mesmo tempo, manter-se ativa para preservar empregos e gerar valor.
Redação / Folhapress