Entenda o que já foi comprovado ou não sobre a prática de acupuntura

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Recentemente, a acupuntura e a medicina tradicional chinesa, reconhecidas como práticas integrativas e complementares (PICs) no SUS (Sistema Único de Saúde) desde 1988, tiveram a sua comprovação científica questionada.

A prática é citada no livro “Que Bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério” (ed. Contexto), da microbiologista Natália Pasternak e do jornalista Carlos Orsi, como sendo sem respaldo científico.

De acordo com eles, há estudos que contestam a comprovação científica da prática; em geral, os efeitos encontrados são de nível moderado a ausência total de eficácia.

Por outro lado, associações médicas e especialistas em acupuntura dizem que há, sim, comprovação de efeitos positivos da prática –só que não para todos os tipos de doenças.

Veja abaixo o que é a acupuntura, o que diz a ciência sobre a sua comprovação e quais as possíveis aplicações.

O que é acupuntura?

Surgida há pelo menos 2.000 anos, a acupuntura consiste em puncionar com agulhas metálicas pontos específicos na pele em trajetos conhecidos como meridianos, através dos quais passa o qi (pronuncia-se “chi”) e que atuam na regulação de alguns sintomas fisiológicos, como dores.

De acordo com o ortopedista, acupunturista e presidente da CMBA (Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura), André Wan Wen Tsai, a acupuntura é um tratamento médico chinês e que foi mal interpretado quando foi levado ao ocidente.

“Houve essa má interpretação de que o ‘qi’, que em chinês é a substância vital do organismo, significa energia. Então quando falamos da acupuntura moderna não é sobre reequilibrar a energia, isso é mesmo uma bobagem, mas sim a regulação da fisiologia por meio da ativação endócrina cerebral que ajuda, por exemplo, a aliviar a dor”, explica.

Segundo ele, os médicos chineses que fazem a prática de acupuntura também são orientados à prática de medicina alopática. “Não é uma substituição, mas sim uma complementação terapêutica”, afirma.

No entanto, existem correntes diferentes da prática de acupuntura que reconhecem localizações variadas de pontos no corpo para a punção. A falta de consenso é um dos principais argumentos contrários ao tratamento.

“Fica um pouco difícil imaginar como um terapeuta vai escolher que pontos furar se diferentes escolas usam diferentes pontos, e mesmo entre os que estudaram nas mesmas escolas não há consenso”, escreveram Pasternak e Orsi em seu livro.

O que dizem os estudos científicos sobre a prática? Ela tem comprovação de eficácia?

Desde pelo menos o final da década de 1970, diversos estudos clínicos randomizados e controlados (o chamado padrão-ouro em medicina) buscaram avaliar a eficácia de acupuntura para diferentes condições de saúde.

Os resultados encontrados são, contudo, contraditórios. Em geral, os estudos não conseguem realizar o chamado duplo-cego, uma vez que os pacientes recebem ou não a prática, então usa-se uma técnica diferente ou agulhas retráteis para controle de placebo.

“De fato, existem muitos estudos que não conseguiram demonstrar superioridade da acupuntura verdadeira. Nestes, a conclusão é que o efeito benéfico é provavelmente o chamado efeito placebo”, explica Tsai.

Em todas as terapias, há o chamado efeito placebo, que é quando a pessoa acredita se sentir melhor apenas por estar recebendo um tratamento, mesmo que ele não tenha nenhuma eficácia.

Porém, o médico argumenta que há outras pesquisas que demonstraram uma eficácia de leve a moderada para as seguintes condições: cervicalgia (dor no pescoço), lombalgia (dor na região lombar), alguns tipos de mialgia (como fibromialgia), osteoartrite de joelho e cefaleia (dor de cabeça). Há também alguns estudos pré-clínicos, feitos com animais em laboratórios, que geraram resultados positivos -e, nesse caso, não há o efeito placebo.

O mecanismo pelo qual a acupuntura age reduzindo a sensação de dor seria anestésico. “Com a perfuração da pele, são liberados neurotransmissores, como serotonina e noradrenalina, que diminuem a inflamação e reduzem a sensação de dor”, afirma.

Tal demonstração apareceu pela primeira vez em um estudo científico de 1976, produzido pelo neurocientista Bruce Pomeranz, da Universidade de Toronto (Canadá). Já a ideia de que os pontos da acupuntura representam meridianos dos órgãos internos e que podem aliviar sensações ou sintomas fisiológicos nunca teve comprovação científica.

Para quais condições de saúde ela é recomendada?

Atualmente, a acupuntura tem diversas recomendações na literatura médica, desde tratamentos para dores crônicas, fibromialgia, dores nos dentes, dores de cabeça e enxaquecas, até algumas condições psiquiátricas de grau leve, como ansiedade e depressão.

“É preciso pensar sobre qual o desfecho que se deseja com a acupuntura, se ele é um desfecho de melhorar o sono, diminuir a ansiedade, melhorar a qualidade de vida ao reduzir a dor, e nesse sentido pode ser que tenha sim um desfecho positivo”, afirma Paulo Kertzman, ortopedista do IOCB (Instituto de Ortopedia e Traumatologia Campo Belo).

Há alguma contraindicação da acupuntura?

De acordo com Tsai, do CMBA, não há contraindicações específicas à acupuntura. O que os médicos que realizam a prática afirmam é que para cada paciente há uma recomendação ou não de terapia.

“É importante quando for indicar a acupuntura saber qual o diagnóstico exato e as condições do paciente. Por exemplo, havia um mito que gestantes não podiam fazer acupuntura, mas isso depende da paciente. Se no pré-natal ela não tiver nenhum risco, não há problema em fazer”, explica o médico.

Quem pode realizar a acupuntura?

A acupuntura é reconhecida desde 1995 pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) como especialidade médica.

No entanto, conselhos de outros profissionais da saúde tentaram incluir a terapia como uma de suas práticas, dentre eles os nutricionistas, psicólogos e esteticistas.

Isto gerou uma disputa judicial que foi parar no STF (Supremo Tribunal Federal) em 2019, com decisão favorável à classe médica no último ano, proibindo outros profissionais da área da saúde praticarem a acupuntura. Assim, desde 2022, somente médicos, médicos veterinários e cirurgiões-dentistas estão autorizados a fazer acupuntura.

ANA BOTTALLO / Folhapress

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