SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Você que acompanha o noticiário deve ter visto que corre na Câmara dos Deputados um projeto de lei, o PL 1904/2024, que quer limitar os casos em que se pode fazer aborto no Brasil.
Hoje, a interrupção da gestação pode ser feita em três casos:
1) quando a gravidez põe a vida da mãe em risco;
2) quando o feto é anencéfalo, isto é, quando há ausência parcial do cérebro, que inviabiliza a sobrevivência dele;
3) ou quando a gravidez ocorreu após um estupro.
Em todos esses casos, o aborto pode ser feito em qualquer momento da gestação. Todos os demais são considerados ilegais e podem ser punidos com até três anos de detenção.
O QUE O PL 1904 QUER MUDAR NA LEI?
O projeto propõe uma mudança na punição de quem pratica o aborto. Isso significa que os casos ilegais passariam a ter pena igual à de quem comete assassinato, que pode ir a até 20 anos de prisão.
Além disso, o PL também quer mexer no limite de tempo para que as vítimas de estupro possam abortar. Nesse caso, elas teriam até 22 semanas -por volta de cinco meses e meio- para interromper a gestação. Depois disso, recairiam na pena de até 20 anos.
Adolescentes também poderiam ser punidas. Vítimas de estupro abaixo dos 18 anos que fizerem aborto podem acabar internadas em um estabelecimento educacional por até três anos.
Dessa forma, a pena para quem faz aborto ficaria ainda maior do que a pena para estupradores, que é de 6 a 10 anos.
COMO É NO RESTO DO MUNDO?
Enquanto países da América Latina, como Argentina e Colômbia, descriminalizam o aborto, e a França e o estado da Califórnia, nos Estados Unidos, asseguram essa possibilidade como um direito da mulher, o endurecimento da legislação nacional colocaria o Brasil ao lado de países como o Afeganistão e a Indonésia.
No Afeganistão, onde impera o regime do Talibã e a lei Sharia, baseada no islamismo, provocar um aborto intencionalmente pode levar a sete anos de prisão.
Na Indonésia, a prática só é permitida em caso de risco à vida. Em casos de estupro e quando o feto não tem viabilidade, ou seja, quando não vai sobreviver ao parto, o cônjuge precisa autorizar o procedimento.
DE ONDE VEIO ESSE PROJETO?
No Brasil, a proposta veio do deputado Sóstenes Cavalcante, do Partido Liberal, do Rio de Janeiro. Ele é um dos líderes da bancada evangélica do Congresso, um grupo de parlamentares que tende a adotar posições tidas como mais conservadoras. A luta contra o direito ao aborto é uma dessas posturas.
Em linhas gerais, esse grupo defende que a interrupção da gravidez é uma forma de assassinato -do feto, no caso, que está na barriga da mãe. Isso porque, segundo eles, a vida começa na concepção, e não no parto.
Sóstenes protocolou o projeto no final de maio e o presidente da Câmara, Arthur Lira, do Partido Progressistas de Alagoas, o colocou na pauta em regime de urgência.
Isso significa que o projeto pode entrar direto para votação sem passar por comissões internas especializadas em direitos humanos ou direitos das mulheres.
QUEM SERIAM AS PESSOAS MAIS AFETADAS CASO O PL PASSE?
Especialistas afirmam que, na prática, as pessoas mais afetadas caso esse projeto seja aprovado seriam as meninas, uma vez que são as mais afetadas por violência sexual.
Além disso, ginecologistas e autoridades da saúde dizem que elas têm mais dificuldades em perceber a gravidez antes que já esteja avançada.
Mulheres que vivem longe de grandes centros urbanos também podem enfrentar obstáculos, uma vez que é difícil chegar aos hospitais e serviços de saúde que fazem abortos. No Brasil, só 2% dos municípios têm hospitais de referência.
COMO A SOCIEDADE REAGIU?
Protestos pipocaram em várias cidades do Brasil e, neles, mulheres vestidas como as personagens da série e do livro “O Conto da Aia” se manifestaram contra o presidente da Câmara, Arthur Lira.
Uma pesquisa feita pelo Datafolha mostrou que 2 em cada 3 brasileiros eram contra o projeto de lei de Sóstenes Cavalcante.
ESSE PL PODE SER APROVADO?
A urgência do PL foi aprovada, o que significa que ele vai ser votado pelos 513 deputados federais sem passar pelas comissões especializadas.
Mas, até virar uma lei, o caminho é longo. Ele precisa ser aprovado pela maioria dos representantes na Câmara para ir ao Senado, onde é debatido, talvez alterado, e votado.
Se ele for aprovado lá sem mudanças, vai direto para a sanção do presidente da República. Se ele sofrer mudanças no Senado, ele volta à Câmara para ser votado de novo.
Uma vez nas mãos do presidente, ele pode ser aprovado ou vetado, no todo ou em partes. Nesse caso, as partes sancionadas viram lei e os vetos vão mais uma vez ao Congresso.
O Senado já sinalizou que o PL 1.904 não tramitaria em regime de urgência e passaria pelas comissões especializadas de lá.
BÁRBARA BLUM / Folhapress