A aprovação do projeto de lei da privatização da Sabesp marca uma vitória para o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), mas está longe de simbolizar o fim do debate sobre a desestatização da maior companhia de saneamento do país.
O resultado da votação na Assembleia Legislativa de São Paulo mostra que o governo conquistou mais apoio que antecipava. O texto enviado pelo governo teve 62 votos a favor -eram necessários 48 para aprovação. Nos últimos dias, o próprio Palácio dos Bandeirantes falava em cerca de 50 nomes.
Com a ausência da oposição no plenário após confusão entre manifestantes e Polícia Militar, houve um único voto contrário.
Veja abaixo as principais justificativas apontadas para privatizar a Sabesp e, em seguida, a visão de quem discorda dos argumentos.
BARATEAMENTO DA TARIFA PARA O CONSUMIDOR
O principal argumento do governo é que a privatização da Sabesp vai permitir uma redução na tarifa paga pelo consumidor, principalmente os mais vulneráveis. O projeto de lei enviado fala em dois mecanismos. O primeiro é um aporte de dinheiro na companhia com os recursos obtidos com a venda de ações. Isso permitiria uma redução tarifária de largada.
O segundo instrumento visa um barateamento mais duradouro e consiste em usar os dividendos que a empresa pagará ao governo para manter o preço baixo ao longo dos anos.
ADIANTAMENTO DAS METAS DE UNIVERSALIZAÇÃO
O estudo de viabilidade da privatização, feito pelo IFC (International Finance Corporation), diz que a capitalização trará recursos capazes de antecipar a universalização do saneamento no estado em quatro anos (para 2029). Isso, segundo o governo, sem aumentar a tarifa para o consumidor.
Tarcísio ainda promete que a privatização garante a despoluição de mananciais como os rios Tietê e Pinheiros.
EMPRESA PRIVADA CONSEGUE SER MAIS EFICIENTE
Com o controle da companhia na mão de investidores, a tendência é que a Sabesp consiga ser mais eficiente e reduzir custos, diz o governo.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, André Salcedo, diretor-presidente da Sabesp, afirmou que a privatização ainda tende a melhorar a qualidade do serviço, entregando mais a um preço menor.
SABESP TERÁ MAIOR FLEXIBILIDADE ADMINISTRATIVA
Companhias públicas precisam seguir trâmites licitatórios e burocracias da Lei das Estatais, o que acaba por restringir a liberdade de inovar, de contratar, de remunerar e de trazer elementos mais sofisticados para a gestão da companhia.
Salcedo menciona, por exemplo, todo o ciclo de prestação de contas, via Tribunal de Contas, Lei de Licitações, que a Sabesp precisa se submeter hoje. Quando a empresa passa a ser privada, consegue mais flexibilidade na gestão de forma ampla.
MAIS INVESTIMENTOS EM MODERNIZAÇÃO
O projeto de privatização fará mudanças no plano de investimento da Sabesp, que hoje prevê R$ 56 bilhões até 2033. A estimativa é adicionar mais R$ 10 bilhões nesse pacote. Além da universalização do acesso a água e esgoto, o investimento permitirá modernizar estações de tratamento e instalar novas plantas.
INCLUSÃO DE 1 MILHÃO DE PESSOAS
Outro compromisso do governo com a privatização é expandir a base de atendimento da Sabesp no estado, chegando a mais 10 milhões de pessoas que hoje estão em regiões vulneráveis -1 milhão de pessoas a mais que o plano original prevê.
Segundo Natália Resende, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do estado de São Paulo, são pessoas que vivem em zonas rurais, áreas irregulares consolidadas e comunidades tradicionais que hoje não estão dentro do perímetro de atendimento da Sabesp.
ARGUMENTOS CONTRAS
TARIFA SÓ SERÁ REDUZIDA POR MEIO DE SUBSÍDIO DO GOVERNO
Um dos principais argumentos da oposição é que o estudo do IFC não conclui que a privatização vai baixar a tarifa. O documento, na verdade, sinalizaria a possibilidade de o governo arcar com o barateamento, ou seja, subsidiar.
Em entrevista à Folha, Emidio de Souza questionou qual o sentido de o estado de São Paulo desestatizar uma companhia para bancar a redução de tarifa de uma empresa privada.
SABESP PÚBLICA TAMBÉM PODE ANTECIPAR A UNIVERSALIZAÇÃO
Na mesma entrevista, o deputado disse que a premissa de antecipar a universalização do saneamento não para de pé. Segundo ele, a Sabesp já previa reduzir este prazo de 2033 para 2030, e teria todas as condições para fazer em 2029, principalmente com a chegada do PAC. “Na prática, [a privatização] não vai antecipar em nada o que já está desenhado pela Sabesp”, afirmou.
Sabesp não é ineficiente ou deficitária
Em 2022, a Sabesp registrou lucro líquido de R$ 3,12 bilhões. Atualmente, a companhia é a maior do Brasil, a quinta maior do mundo e está avaliada em quase R$ 33 bilhões. A excelência do quadro técnico e da prestação de serviço é reconhecida publicamente, inclusive por Tarcísio.
Segundo Emidio, na história das privatizações do Brasil, há uma condição que é fundamental: a empresa tem que ser deficitária, com baixa eficiência ou não prestar serviço de qualidade. Sem atender a nenhum desses critérios, não haveria razão plausível para São Paulo abrir mão de um ativo importante.
ESTUDO DO IFC NÃO É IMPARCIAL
Outro ponto de crítica sobre a privatização da Sabesp é em relação ao estudo de viabilidade feito pelo IFC, que balizou os argumentos do governo.
O estudo foi contratado sem licitação e previa valor maior caso a instituição concluísse que a privatização era mais vantajosa: R$ 45 milhões. Caso o resultado fosse negativo para a proposta, a consultoria americana, vinculada ao Banco Mundial, receberia um valor menor, de ao menos R$ 8,6 milhões.
Foco da empresa privada será só o lucro
Atualmente, a Sabesp trabalha com uma lógica de financiamento cruzado. Nem todos os municípios têm uma operação de saneamento rentável. No entanto, outras cidades são bastante superavitárias. Ou seja, regiões lucrativas financiam as que não são lucrativas.
O receio de quem era contra a privatização da Sabesp é de que o foco no lucro -que costuma nortear a gestão privada- prejudique os serviços de água e esgoto das áreas que hoje significam “custos” para empresa.
PRIVATIZAÇÕES RECENTES NO SETOR NÃO MELHORARAM O SERVIÇO
Os opositores da proposta dizem que as privatizações costumam encarecer as tarifas para o consumidor sem necessariamente melhorar o serviço. Com a Sabesp não seria diferente. Como mostrou reportagem recente da Folha, empresas líderes em saneamento privado no país enfrentam hoje questionamentos sobre as tarifas praticadas em concessões de prestação de serviços de água e esgoto.
THIAGO BETHÔNICO / Folhapress