Entenda por que festas de SP oferecem ingresso gratuito para pessoas trans

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em sua edição de maio, que comemorou os dez anos de sua criação, a festa de música eletrônica Mamba Negra -uma das mais famosas de São Paulo- chegou também a outra marca: a de maior quantidade de ingressos distribuídos gratuitamente para pessoas transexuais em sua história.

Das 8.000 pessoas que participaram daquela noite e dançaram ao som de nomes como Teto Preto, Mu540 e Paulete Lindacelva, cerca de 800 não pagaram a entrada por causa da lista trans free, benefício criado para ampliar a presença de pessoas trans em espaços e adotado majoritariamente pela cena noturna eletrônica e LGBTQIA+.

Foram 1.300 pedidos, nem todos aceitos, feitos por meio de um formulário criado pela festa. Há seis anos, quando a Mamba Negra se tornava uma das primeiras baladas paulistanas a implementar a lista, as solicitações beiravam 200 e a festa criada por Cashu e Laura Diaz tinha uma cara bem diferente da que tem hoje.

“A lista trans mudou a cena das festas”, diz o DJ e produtor Fê Ribeiro, responsável por administrar a lista da festa. “Com a adoção, muitas pessoas começaram a frequentar a noite, começamos a ocupar aquele espaço e quem não soube lidar com isso foi para outros lugares”.

A iniciativa começou no Recife, dois anos antes de ser trazida pela artista, produtora cultural e DJ Ana Giselle, conhecida como Transälien, para São Paulo. Quando começou a se apresentar na noite pernambucana, ela e colegas como Maria Clara Araújo, Ana Flor Fernandes e Mayara Cajueiro perceberam a ausência de pessoas como elas.

“Acho que é um movimento muito natural, sobretudo para nós, que carregamos uma identidade marginalizada e que escapa da norma. Obviamente quem faz parte da hegemonia cis está se vendo e, por isso, não sente a ausência de pessoas diferentes”, conta Ana Giza.

A lista trans free, então, surgiu como uma primeira tentativa de promover mudanças na cultura da pista de dança que, décadas atrás, foi construída também pela presença de travestis e pessoas transexuais e que viu minguarem justamente aqueles que estiveram em sua fundação.

Ana Giza chega em São Paulo no momento de ascensão do trabalho da Coletividade Namíbia -movimento de artistas negros na música eletrônica e nas artes visuais criado por Misael Franco- e pôs em prática a lista, que foi adotada pela Mamba Negra e, com o tempo, por festas como a ODD e a Batekoo.

Além do público, notou que a medida provocou mudanças também nos bastidores. “Em São Paulo, comecei a perceber que essa política também ajuda a criar funções para as pessoas trans nas próprias festas, que as chamam para cuidar das listas”, diz. Ribeiro, que cuida da trans free na Mamba, conta que a festa criou recentemente um banco de currículos para quem se inscreve na lista.

Anos depois da implementação, hoje existe a noção de que essa medida é o mínimo a ser feito. “A adesão precisa vir com uma conscientização do público para que ele entenda que essa população precisa de uma medida como essa para entrar nos lugares, porque há um contexto de exclusão, de falta de acesso a educação e trabalho e outras penalizações que fazem com que as possibilidades não sejam as mesmas de uma pessoa cisgênero”, diz Ana Giza..”É também colocar pessoas trans e travestis para dentro, tocando, trabalhando”.

A Casa Natura Musical se juntou a esse movimento e, desde junho, se tornou a primeira casa de shows de São Paulo a implementar a trans free em todas as suas apresentações, depois de anos de iniciativas pontuais feitas a pedidos dos artistas que tocavam por lá. A expectativa é que a casa, com capacidade para 700 pessoas, receba até 2.000 pessoas por ano por causa dessa lista.

“Se a diversidade é um pilar da nossa programação, a gente tem que falar também de representatividade e ter um movimento de dentro para fora, de pessoas trans não só no palco, mas na equipe e em toda a estrutura da casa”, diz a diretora executiva do espaço, Suyanne Keidel. “E isso se junta com uma campanha de formação do nosso público”.

Para Ana Giza, que também criou o coletivo Marsha!, dedicado à produção artística e política de pessoas trans e travestis, o objetivo final é a retomada desses espaços em um lugar de protagonismo. “A minha esperança é a de que a lista seja o pontapé para uma conscientização de que a gente também pode ser a provedora desses espaços e construir as nossas próprias casas, coletivos e iniciativas de autocelebração”, diz.

Veja, a seguir, festas paulistanas que adotam a lista trans free -e como solicitar ingressos para cada uma delas.

*

BATEKOO

A festa deixa o link para a trans free na descrição do perfil do Instagram. É só preencher dados pessoais até a hora determinada pela festa e aguardar a resposta via email.

Instagram @batekoo.

Próxima edição: Batekoo Festival – Neo Química Arena – av. Miguel Ignácio Curi, 11, Artur Alvim.

A partir de R$ 110 em Shotgun

BLUM

Com iniciativas também voltadas a mães solo e pessoas com deficiência e em situação de vulnerabilidade financeira, o evento avisa no Instagram sobre o formulário a ser preenchido em cada edição que faz.

Instagram @blum.sp.

Próxima edição: Tv. Casalbuono, 62, Vila Guilherme.

19/8, às 20h. A partir de R$ 40 em Shotgun

CASA NATURA MUSICAL

A casa de shows inclui a opção no site da venda dos ingressos. Uma vez no Sympla, a pessoa deve escolher a alternativa trans free e resgatar o ingresso, que chega pelo email.

Instagram @casanaturamusical

DESCULPA QUALQUER COISA E STEREO

As duas festas têm o mesmo esquema para a lista: um formulário online é colocado na descrição dos perfis do Instagram no dia em que as vendas são abertas e fica disponível até a noite anterior à festa ou até que os ingressos se esgotem. Basta preencher os campos, e o e-mail de confirmação servirá como comprovante do ingresso. Na porta, a pessoa também pode fazer a autodeclaração -mas sua entrada estará sujeita à lotação da casa.

Desculpa Qualquer Coisa: Instagram @desculpaqualquercoisa

Stereo: Instagram @stereoafesta

GOP TUN

O selo e festa trabalha com a lista trans e não-binária também com inscrição em formulários –depois, a organização envia o ingresso para quem fizer a solicitação.

Instagram @goptun.

Próxima edição: Festival Não Existe – Fabriketa – r. do Bucolismo, 81, Brás.

30/9, às 18h. Ingressos a partir de R$ 95 no Ingresse

MAMBA NEGRA

A noite de música eletrônica criou um formulário para pedidos trans free e, por não conseguir atender a todas as solicitações em 100% das edições, também oferece um ingresso com valor social para quem não puder entrar pela lista.

Instagram @mamba.n.

Próxima edição: r. Achilles Orlando Curtolo, 617, Parque Industrial Tomas Edson.

Sáb. (29), às 22h. Ingressos a partir de R$ 90 no Shotgun

MARSHA!

O coletivo que também promove festivais e outras atividades culturais faz, em suas festas, a autodeclaração diretamente na porta do evento –e sempre há uma pessoa trans na entrada.

Instagram @marshaoficial

ODD

Para pedir a entrada, é preciso mandar um inbox para Onna Silva em seu perfil do Instagram e preencher o formulário enviado por ela. O coletivo ressalta que, por causa da alta demanda, a lista é limitada e que seu objetivo é favorecer o acesso a quem precisa da gratuidade para comparecer à festa e, portanto, tratar a disparidade da classe social associada à identidade de gênero.

Instagram @odd_odd e @onnasilva.

Próxima edição: ODD + Bassiani – Fábrica de Impressões – r. Achille Orlando Curtolo, 617, Barra Funda.

12/8, às 22h. Ingressos a partir de R$ 100 em Sympla

PROCISSÃO

Dedicada à música brasileira, o evento entrou na lista de festas com entrada liberada há ao menos cinco anos. É preciso fazer o cadastro numa lista online, que fica aberta até as 23h do dia anterior ao da festa, e esperar a confirmação chegar no celular.

Instagram @festaprocissao.

Próxima edição: Espaço Nobre – r. Formosa, 65, Centro.

12/8, às 23h

VERSA

Para participar da festa de música eletrônica é só mandar uma mensagem pelo chat no Instagram, que é gerenciado por uma pessoa trans, e fazer o pedido pela entrada livre.

Instagram @versa.dance.

Próxima edição: 11/1. Ingressos a partir de R$ 100

ZIG

O clube com três unidades em São Paulo -duas no centro e uma na Barra Funda- oferece entrada livre para pessoas e trans e não-binárias em todas as suas festas. A confirmação deve ser feita via chat do Instagram ou por email, a depender do evento.

Instagram @zig1e2 e @studio.zig

LAURA LEWER / Folhapress

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