SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A entidade que administrava duas das três unidades do programa de moradia para sem-teto da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) rescindiu contrato com a administração municipal no último dia 17, cerca de um ano antes do prazo final de execução.
A AVSI Brasil foi contratada pela gestão Nunes em dezembro do ano passado para gerir as unidades Cruzeiro do Sul e Anhangabaú do projeto Vila Reencontro, que disponibiliza casas modulares provisórias de 18 m² a moradores de rua.
Em documento, a entidade alegou que a implantação da metodologia de cogestão na Vila Reencontro, em que os moradores compartilham com a entidade gestora as decisões sobre regras de convivência, demanda “investigação qualitativa mais aprofundada”.
Segundo a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social Smads, a rescisão do contrato foi feita de comum acordo e que o projeto de cogestão foi concluído. Procurada, a AVSI Brasil não respondeu.
Com a desistência, as duas unidades da Vila Reencontro passaram a ser geridas por meio de contrato emergencial pela Associação Evangélica Beneficente, que já administra outros equipamentos voltados ao atendimento à população de rua, entre eles, a recém-inaugurada unidade Pari da Vila Reencontro, na região central.
Durante os seis meses de contrato emergencial, a organização social irá receber repasse mensal de R$ 303.674,66. Segundo a prefeitura, passado o período, será realizado um chamamento público para embasar o novo contrato de gerenciamento das unidades. Essa modalidade de contratação dispensa processo de licitação.
No total, a Associação Evangélica Beneficente tem quatro contratos vigentes com a municipalidade que somam repasses de R$ 52,5 milhões.
A Folha de S.Paulo mostrou em setembro que 3 em cada 10 sem-teto que saíram das Vila Reencontros foram expulsos. Desde dezembro do ano passado, 38 pessoas foram forçadas a deixar as unidades, de um total de 116 saídas no período. Até junho, 212 pessoas tinham sido atendidas.
As expulsões foram precedidas, em maior parte, por casos de violência de gênero, ameaça e agressão entre os moradores. Um dos expulsos, que não quis se identificar, afirma que deixou uma das unidades após ter sido xingado e acusado de agredir outra moradora.
Ex-moradores ouvidos pela reportagem relataram consumo de álcool e drogas nas unidades e trocas de ameaças com facas quando há desentendimento entre vizinhos.
Procurada, a secretaria afirmou que o consumo de drogas e álcool é proibido e que agentes do serviço são orientados a mediar os conflitos nas unidades. Quando há ameaças à integridade física, o morador é advertido verbalmente. Em caso de reincidência, é feita uma notificação e, persistindo o comportamento, o acolhido é direcionado a outro abrigo.
A Vila Reencontro foi anunciada pela gestão Nunes como principal resposta ao crescimento da população de rua na capital paulista.
Segundo censo divulgado pela prefeitura em janeiro do ano passado, houve aumento de 31% dos sem-teto na cidade. Em 2021, segundo a gestão Nunes, havia 31.884 moradores de rua na cidade, são 7.540 a mais do que o registrado em 2019, quando eram 24.344 nessa situação.
Em relação a 2015, quando havia 15.905 moradores de rua, o número dobrou.
O levantamento identificou também mudança no perfil de quem não tem onde morar em São Paulo com maior presença de famílias. Esse segmento quase dobrou durante a pandemia. Dos 31.884 moradores de rua, 28% afirmaram viver com ao menos um familiar, somando 8.927 pessoas. Em 2019, esse percentual era de 20%, alcançando 4.868.
A contratação da AVSI Brasil no fim do ano passado foi anunciada pela gestão Nunes como inovadora por causa do perfil diferenciado em relação às organizações sociais que gerem os serviços de assistência social na cidade.
Sediada em Salvador (BA), a entidade é especializada em gerenciar abrigos para refugiados e atuou na recepção de venezuelanos que cruzaram a fronteira com o Brasil e se fixaram em Boa Vista (RR) e Pacaraima (RR) no norte do país.
MARIANA ZYLBERKAN / Folhapress