Entidades que apoiaram gestão Silvio Almeida reclamam de Anielle Franco

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Entidades próximas a Silvio Almeida durante sua gestão no Ministério Direitos Humanos e Cidadania têm enviado cartas ao presidente Lula (PT) com reclamações sobre Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial.

Franco e outras mulheres denunciaram ter sido importunadas sexualmente por Almeida, culminando na demissão do advogado e professor em 6 de setembro. Ele nega as acusações.

Na última semana, dez organizações do movimento negro enviaram texto a Lula com críticas à gestão da Igualdade Racial e pedindo uma reunião. Elas afirmam que escolhas do ministério têm sido negativas e levantam problemas como planejamento errático, ausência de consulta pública e atraso no debate de pautas consideradas importantes.

Em nota, a pasta de Franco diz que recuperou, estruturou e apresentou políticas históricas com ampla participação de movimentos sociais e da sociedade civil. “A igualdade racial é a segunda agenda mais transversal em todo o governo, atrás apenas de meio ambiente.”

Entre as entidades que assinam o documento, protocolado pela Convergência Negra, estão a Coordenação Nacional de Entidades Negras, a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e os Agentes de Pastoral Negros do Brasil. Esses grupos compunham base de apoio à gestão de Silvio Almeida nos Direitos Humanos.

A defesa de Silvio Almeida, representada pela advogada Juliana Faleiros, afirma não haver nenhum vínculo e nenhum contato entre o professor e os grupos citados. Portanto, diz, “ele não tem nada a ver com essas manifestações”.

Em junho de 2023, quando foi ventilada a chegada de um membro do centrão ao comando dos Direitos Humanos e Cidadania, essas mesmas organizações divulgaram uma nota em defesa do então ministro. O texto afirmava que Almeida era um quadro capacitado na luta contra as injustiças, era reconhecido mundialmente e fazia uma administração participativa. Por fim, condenava possível saída dele.

“A defesa que fizemos naquele momento da manutenção do Silvio é quanto à presença negra no governo. Temos outros ministros negros como Luciana Santos (Ciência e Tecnologia), Marina Silva (Meio Ambiente)”, diz Dennis de Oliveira, da Convergência Negra.

“Qualquer ocupante de cargo de governo negro ou negra que seja ameaçado de ser retirado por racismo, o movimento vai ficar ao seu lado”, afirma também. Anielle Franco não foi citada.

Ele complementa que nenhuma denúncia de assédio contra Almeida havia surgido naquele momento e que a Convergência defende a apuração e a punição de episódios do tipo, “caso sejam comprovados”.

Na carta da semana passada, as entidades denunciaram ainda “demissões injustificadas de lideranças representativas do movimento negro”. Elas se referem a Yuri Silva, ex-secretário do Sinapir (Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial), exonerado em 7 de outubro.

Silva é ligado a Almeida. Antes de entrarem no governo Lula, eles trabalharam juntos no Iree (Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa), que pertence ao advogado Walfrido Warde.

A exoneração de Silva também foi questionada por terreiros de candomblé e organizações que atuam pelos direitos de religiões de matriz africana em uma carta endereçada ao presidente Lula, contendo críticas à gestão de Anielle Franco.

Segundo o texto, Yuri Silva “é um jovem negro de candomblé, amplamente conhecido pela sua atuação nas pautas da liberdade religiosa e da juventude”. Eles ainda afirmaram que Franco age com descaso e pediram intervenção no ministério, a substituição da equipe de trabalho e, em última medida, a troca da própria ministra.

As instituições religiosas tiveram espaço na gestão de Silvio Almeida em Brasília. Ele, candomblecista, manteve posição firme contra a intolerância religiosa e escutou líderes de terreiros.

Sobre a demissão de Yuri Silva, o Ministério da Igualdade Racial afirma em nota que se tratava de um cargo de confiança e que mudanças são uma prática comum de qualquer gestão.

RELEMBRE O CASO SILVIO ALMEIDA

O ministro Silvio Almeida, então titular da pasta de Direitos Humanos no governo Lula, foi alvo de acusação de assédio sexual feita à organização Me Too Brasil no início de setembro. Os casos teriam ocorrido no ano passado. A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, foi citada como uma das vítimas.

Franco confirmou à Polícia Federal que foi importunada sexualmente pelo colega de esplanada.

Em seu depoimento, a ministra disse que as “abordagens inadequadas”, como definiu, começaram no fim de 2022, quando ambos passaram a fazer parte do grupo de transição de governo nomeado por Lula antes da posse dele como presidente da República.

Antes ainda de o escândalo ser divulgado, Franco contou a pessoas próximas no governo que Silvio Almeida a importunava.

Em seus relatos, ela afirmava que ele chegou a tocar em sua perna por debaixo da mesa quando estavam em reuniões públicas —e que insistiu nas abordagens por diversos meses.

A ministra relatou também aos colegas que tentou resolver a situação diretamente com Almeida, sendo clara em seu desconforto e no desejo de que ele parasse com as abordagens.

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LEIA A CARTA ASSINADA POR GRUPOS DO MOVIMENTO NEGRO

Sr. Presidente,

A Convergência Negra – Unidade Contra o Racismo, articulação que agrega as entidades nacionais do movimento social negro e demais Fóruns Estaduais de Entidades Negras, Redes e Coletivos Negro em todo país, compreende que o Ministério da Igualdade Racial é uma conquista do movimento negro produto da mobilização da Marcha Zumbi 300 anos que levou a Brasília mais de 30 mil pessoas em 1995, além de outras ações. Não se pode negar que está no seio das conquistas institucionais do movimento negro.

Ao indicar a Exma. Sra. Anielle Franco para a honrosa tarefa de chefiar o Ministério da Igualdade Racial, seguiu a orientação: “…dialogue com o movimento social negro”. Por esta razão, é fundamental que as gestões do Ministério de Igualdade Racial sejam constituídas a partir de diálogos permanentes com o conjunto do movimento negro, por meio de seu Conselho Nacional (CNPIR), mas, também outros espaços ampliados. Isto porque em uma sociedade marcada pelo racismo estrutural, somente com a sinergia entre movimento social e instituição será possível implantar as políticas do MIR.

A cada dia vemos a deterioração da relação do MIR e o Conselho Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), com ausências recorrentes de sua Presidenta, ausência sistêmica do corpo diretivo do MIR, o seu planejamento com baixa efetividade devido ao errático fluxo administrativo, relevante ausência das representações governamentais o que tem impactado no quórum de suas reuniões plenárias, entre outros.

Temos assistido demissões injustificadas de lideranças representativas do movimento negro (Movimento Negro Unificado – MNU e Coletivo de Entidades Negras – CEN), levando ao apagamento da participação social na elaboração da Política de Igualdade Racial e a eliminação da contribuição do movimento negro nesta política no âmbito do MIR. A cada dia vemos se consolidando uma relação disruptiva com o legado/acúmulo da promoção da igualdade racial construído nos quatro governos democráticos e populares que ascenderam a Presidência da República.

Essa escolha política do MIR, tem impactado negativamente na agenda política de igualdade racial:

a) Atraso nos debates estruturantes da política de igualdade racial como a expansão das cotas no serviço público e na educação superior em vista de pouca incidência no Congresso Nacional;

b) Atraso de quase dois anos na realização da V Conferência Nacional de Igualdade Racial e, consequentemente, na atualização do Plano Nacional de Igualdade Racial (PNPIR), que data de 2003 e requer urgentemente novo decreto;

c) Urgência no novo Decreto do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), que aumentaria a adesão de Estados e Municípios para a consolidação das políticas de Promoção da Igualdade Racial pelos entes federados;

d) Ameaça a consolidação do Projeto +COMPIR, que pretende formar quadros para o exercício da participação e controle social da política de PIR nas bases;

e) Ausência de um olhar atento às necessidades básicas no atendimento às Comunidades Remanescentes de Quilombos da forma que se esperava;

f) Não há investimento em políticas para o movimento negro da região Amazônica, mesmo diante das inúmeras buscas de dialogo deste campo junto ao MIR;

g) Ausência de respostas em políticas de comunicação antirracista;

h) Falta de diálogo das instâncias de participação do ministério com o conjunto mais amplo dos movimentos sociais;

Considerando que o movimento negro é ator fundamental da construção da igualdade racial no Brasil;

Considerando que a construção do enfrentamento ao racismo exige profícuo diálogo;

Considerando que o movimento negro se empenha nas ruas, nas redes e nas urnas para garantir na Presidência da República um governo democrático;

Considerando que a unidade do povo brasileiro e o desenvolvimento da Nação exige um tratamento adequado a questão racial;

Vimo por meio desta solicitar à Vossa Excelência uma mesa tripartite, sob a coordenação da Presidência da República, com MIR, CNPIR e representações do movimento social negro para ajustar o rumo da Política de Igualdade Racial coordenada pelo Ministério da Igualdade Racial.

BRUNO LUCCA / Folhapress

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