QUITO, EQUADOR (FOLHAPRESS) – Além de decidir quem disputará a Presidência em outubro, o Equador votou para suspender a exploração de petróleo numa parte da Amazônia em um referendo histórico neste domingo (20). Os campos ficam no Parque Nacional Yasuni, uma das áreas ambientais mais ricas do mundo, na fronteira com o Peru.
Com 93% das urnas apuradas, 59% dos eleitores responderam “sim” à seguinte pergunta em que se baseava a consulta popular: “Você concorda que o governo equatoriano mantenha o petróleo do ITT [Ishpingo, Tambococha e Tiputini], conhecido como bloco 43, indefinidamente sob o subsolo?”.
Muitos criticaram a formulação da pergunta, já que seria mais lógico responder “não” à exploração.
Com o resultado, o governo terá que retirar progressiva e ordenadamente todas as atividades relacionadas à produção de petróleo que existem hoje no local em até um ano o prazo começa a contar em 4 de outubro, quando serão publicados os resultados oficiais do pleito. O Estado também não poderá fechar novos contratos de exploração na área.
Apesar de a área ter sido declarada “reserva da biosfera” pela Unesco em 1989, a estatal Petroecuador extrai petróleo do bloco 43 de Yasuni desde 2016, com aval do então presidente Rafael Correa. Ele tentou, sem sucesso, criar um fundo de preservação com aportes internacionais para evitar a exploração.
Quem advogou pelo “não” no plebiscito argumentou que a paralisação provocará perda de receitas para o país, que passa por uma grave crise de segurança. Já quem defendeu o “sim” destacou o alto impacto da atividade para a natureza e os povos indígenas da região. A polêmica atraiu a atenção de celebridades, como o ator de Hollywood Leonardo DiCaprio e a ativista ambiental sueca Greta Thunberg.
O parque Yasuní cobre mais de 1 milhão de hectares e abriga pelo menos 2.000 espécies de árvores e arbustos, 204 de mamíferos, 610 de pássaros, 121 de répteis, 150 de anfíbios e 250 de peixes. É também o lar de várias populações indígenas, incluindo pelo menos duas das últimas tribos ditas “isoladas”.
Segundo estimativas do governo, o bloco 43 é responsável por 12% dos 466 mil barris de petróleo produzidos por dia pelo país. A gestão do atual presidente, Guillermo Lasso, diz que o fim das operações gerará a perda de US$ 1,2 bilhão (R$ 6 bilhões) por ano, o que equivale a 0,1% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional.
Os equatorianos decidiram que esse é um preço pequeno a pagar. “Acho que não vale a pena, não compensa explorar o pouco que nos resta de natureza por isso, então votei contra [sim]”, disse a estudante Daiana Abril, 25, na porta de um colégio eleitoral em Magdalena, bairro periférico de Quito, pela manhã.
Ela criticou a pergunta que estava nas cédulas de papel. “O mais lógico seria responder ‘não’ à exploração de petróleo”, afirmou. O funcionário público Wilson Chulde, 57, foi na mesma toada: “Votei no ‘sim’, mas muita gente vai votar errado por não entender a questão, fizeram ao contrário para confundir”.
Confusos ou não, os equatorianos acabaram optando pela retirada dos maquinários da Amazônia. “Esperamos que nosso exemplo inspire outros países”, disse à BBC antes da votação Pedro Berneo, um dos líderes do Yasunidos, grupo ambiental que fazia campanha pelo referendo há dez anos.
PETRÓLEO NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
No Brasil, há exploração de petróleo e gás em partes da floresta amazônica, como no Polo Urucu, da Petrobras, no Amazonas, desde 1986. A estatal brasileira aposta em expandir a produção na Amazônia, mas fora da região continental. O litoral norte do país é visto como uma frente importante para a empresa nas próximas décadas, para suprir o declínio da produção do pré-sal já prevista.
A Petrobras busca licença para perfurar poços em alto-mar na bacia da Foz do Amazonas. Um dos pedidos para pesquisa de petróleo na área, no chamado bloco 59, tornou-se um embate entre as pastas de Meio Ambiente e Minas e Energia no governo Lula. Em maio, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), responsável por avaliar a licença, negou a solicitação.
O órgão ambiental entende que faltam estudos mais completos sobre a segurança para explorar petróleo na região, conhecida por correntezas fortes. A Petrobras, por sua vez, afirma ter apresentado dados suficientes para a avaliação. A estatal submeteu novo pedido nos últimos meses, ainda sem resposta.
O resultado no Equador foi comemorado por ONGs ambientalistas do Brasil. O Observatório do Clima, que reúne dezenas de organizações do país, festejou, em nota, o fato de “o Equador se tornar o primeiro país a banir por plebiscito a exploração de combustíveis fósseis numa zona ambientalmente sensível”.
“Esperamos que o governo brasileiro mire o exemplo equatoriano e decida fazer a única coisa compatível com um futuro para a humanidade e com a liderança que o Brasil quer ter na luta contra a crise climática: deixar o petróleo da Foz do Amazonas no subsolo e apoiar, quando assumir a presidência do G20, no mês que vem, um pacto global pela eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
JÚLIA BARBON / Folhapress