Equador vive banalização da violência até para disputa política, diz especialista

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O assassinato do candidato à Presidência do Equador Fernando Villavicencio na tarde de quarta-feira (9) é mais um episódio do que o sociólogo Daniel Pontón, pesquisador da Escola de Segurança e Defesa do Iaen (Instituto de Estudos Avançados Nacionais), descreve como banalização da violência no país.

“A violência se banaliza e se torna uma opção para qualquer tipo de disputa econômica, social, sentimental e inclusive política”, afirma Pontón, para quem tal descontrole já começa a afetar a democracia no Equador.

Com duas eleições, este ano está sendo marcado pela intimidação política no país, segundo o pesquisador. O primeiro pleito, no começo do ano, elegeu vereadores e prefeitos; o segundo, no próximo dia 20, vai escolher um novo presidente e renovar o Legislativo após o líder Guillermo Lasso dissolver a Assembleia e convocar novas eleições para escapar de um processo de impeachment.

A violência contra políticos, algo pouco surpreendente na América Latina, fez mais vítimas além de Villavicencio —no mês passado, o candidato à Assembleia Nacional Rider Sánchez foi assassinado na cidade de Quinindé, a noroeste do país. Já em fevereiro, Omar Menéndez foi morto a tiros aos 41 anos na véspera do pleito em que acabou eleito com 46,2% dos votos para a prefeitura de Puerto López.

A pequena cidade costeira é um exemplo do tipo de local que sucumbe à violência no país. Localizado entre Colômbia e Peru, os dois maiores produtores de cocaína do mundo, o Equador tem portos em posição estratégica para o envio de drogas para os Estados Unidos e para a Europa.

Há sinais de que, nos últimos meses, o volume de mercadorias ilegais a serem embarcadas aumentou: mesmo com um período de represamento por causa das medidas restritivas da pandemia de Covid, a oferta de cocaína disparou nos últimos anos e atingiu níveis recordes, segundo um relatório da ONU divulgado em março.

Em 2020, foram produzidas cerca de 2.000 toneladas de cocaína. Em 2014, quando a produção entrou em um ciclo de crescimento, esse número não chegava à metade dos níveis atuais. O fenômeno se deve ao aperfeiçoamento do processo de fabricação da droga e ao aumento da demanda e do cultivo de coca, que cresceu 35% entre 2020 e 2021, o maior salto desde 2016.

A velocidade do impacto do crime organizado no país, porém, surpreende. Em 2017, o Equador chegou a sua menor taxa de homicídios em anos, quando 5,8 pessoas foram mortas a cada 100 mil habitantes. Desde então, o número aumenta pouco a pouco. “Este ano provavelmente terminaremos com mais de 36 homicídios para cada 100 mil habitantes”, diz Pontón.

Assim como outros especialistas, o sociólogo atribui tal descontrole à crise econômica pós-pandemia, ao aumento do poder do narcotráfico e ao descontrole nas prisões —desde 2021, os centros penitenciários equatorianos têm sido palco de diversos massacres que deixaram centenas de mortos. Em um dos últimos, pelo menos 12 pessoas morreram em decorrência de um confronto entre gangues rivais no presídio conhecido como La Penitenciaría, na cidade de Guayaquil, uma das mais perigosas do país.

Pontón, porém, não atribui a violência inteiramente a esses fatores.

“Não é que não haja relação, mas nem tudo é explicado apenas pelo narcotráfico, que não afeta só o Equador”, diz o pesquisador, que vê uma “bola de neve” na violência devido a erros das autoridades. “Infelizmente, há um fracasso absoluto na política de segurança em frear o poder dessas gangues criminosas pela falta de compreensão do que isso implica em nível social e político.”

Em abril, Lasso autorizou o porte de armas por civis e declarou estado de emergência em Guayaquil, onde a mesma medida já havia sido tomada três vezes em 2022. As cidades vizinhas de Duran e Samborondon, bem como as províncias de Santa Elena e Los Rios, também ficaram sob estado de emergência. Após o assassinato de Villavicencio, o dispositivo foi acionado em todo o país.

“A única coisa que Lasso faz é decretar estado de exceção sem nenhum tipo de orientação. Ele nunca teve uma política de segurança”, critica Pontón. “Improvisam-se estratégias e ações, não há planos para evitar problemas específicos, como a violência contra autoridades políticas.”

O fracasso das ações, segundo ele, foi comprovado com o crime político. “Dá para ver que há uma clara negligência por parte do Estado ao proteger um candidato que sofria ameaças de morte”, diz o sociólogo.

Para Pontón, ainda está pouco claro o que pode ter motivado o assassinato do político. O que é certo, em sua opinião, é que o episódio cria um precedente “nefasto e doloroso” para o país.

“Não se pode permitir que te assassinem ou assassinem seu candidato durante uma campanha política. Isso é doloroso para todos, independentemente dos afetos ou desafetos de cada um”, completa.

DANIELA ARCANJO / Folhapress

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