Erdogan apoia Putin sobre acordo de grãos; Rússia ataca porto

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No primeiro encontro de um chefe de Estado da Otan [aliança militar ocidental] com Vladimir Putin desde a invasão da Ucrânia em 2022, o turco Recep Tayyip Erdogan defendeu a posição do colega russo na disputa acerca do acordo para a exportação de grãos por Kiev pelo mar Negro.

Os líderes se reuniram em Sochi, balneário russo predileto de Putin, às margens do mesmo mar. Horas antes, a Rússia deixou claro que manteria a posição com um recado nada sutil, uma nova rodada de bombardeio contra a infraestrutura portuária da Ucrânia.

Erdogan afirmou que a Ucrânia deveria “amenizar sua posição em relação à Rússia” na questão do acordo abandonado por Putin em 17 de julho. O arranjo, mediado um ano antes pela Turquia e pela ONU, havia permitido a Kiev exportar 32 milhões de toneladas de produtos agrícolas.

Em troca, Moscou teria facilitada a exportação de seus grãos e insumos agrícolas, apesar das sanções ocidentais que sofre devido à guerra. Putin afirma que isso não ocorreu de maneira satisfatória, algo com que Erdogan concorda, e disse que está “pronto para retomar” o acordo se a contrapartida for cumprida.

Para a irritação de Kiev, o turco também disse que “as alternativas ao acordo de grãos não oferecem uma solução duradoura” para a questão. Foi uma referência indireta à proposta ucraniana de um corredor exclusivo ligando Odessa, principal porto do país, ao estreito de Bósforo na Turquia, ponto que liga os mares Negro e Mediterrâneo.

Alguns navios estrangeiros têm passado pela área sem serem importunados pelos russos, mas Putin voltou a dizer que não aceitará o uso do corredor para transporte de armas.

Putin afirmou que as “conversas foram construtivas” e destacou a ideia russa de transformar a Turquia num centro distribuidor do seu gás natural. Seu colega afirmou acreditar que “o acordo de grãos pode ser retomado rapidamente”, apesar de não ter havido avanço real nesta segunda.

O chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, afirmou enquanto transcorriam as três horas da reunião em Sochi que o presidente Volodimir Zelenski esperava uma ligação de Erdogan ao fim das conversas. O turco exerce um delicado malabarismo, mantendo suporte militar a Kiev e condenando a guerra, mas sem adotar sanções contra Moscou e mantendo uma interlocução forte com o colega do Kremlin.

Antes da guerra, o presidente turco estava na realidade em um momento de ampliação de laços, que além de energéticos seriam militares, após a compra de poderosos sistemas antiaéreos russos que levou os EUA a expulsar Ancara do projeto de construção do caça F-35. Esse movimento agora está congelado.

O acordo de grãos de 2022 estancou uma febre inflacionária provocada pelos então cinco primeiros meses da guerra, e aliviou o risco de uma crise alimentar nos países africanos, bastante dependentes dos grãos da região. A Ucrânia tem cerca de 10% do mercado mundial de trigo, metade da fatia russa.

Desta vez, a medida de Putin impactou imediatamente os preços de grãos, mas eles voltaram a patamares mais baixos devido, ironicamente, à supersafra russa do trigo deste ano. No longo prazo, contudo, a situação seria imprevisível.

O presidente russo aproveitou a conjuntura e, ante as acusações de que usava comida como arma no conflito, ofereceu enviar grãos gratuitamente a países na África em maior dificuldade durante uma cúpula com líderes do continente em São Petersburgo, no mês passado. Nesta segunda, afirmou que “está tudo pronto” para o fornecimento, e que “não há fome no mundo” devido à suspensão do acordo.

ROMÊNIA NEGA QUE TENHA SIDO ATINGIDA EM ATAQUE

Com a saída russa, o mar Negro voltou rapidamente a ser uma área ativa na guerra, algo que não ocorria desde que o acordo havia sido implementado. Moscou passou a bombardear os portos ucranianos e a infraestrutura de exportação de grãos, concentrada em Odessa.

O governo de Zelenski buscou então aumentar o escoamento pelos seus dois portos principais no Danúbio, Izmail e Reni, na esperança que a vizinhança imediata do outro lado do rio de um país da Otan [aliança militar ocidental], a Romênia, demovesse Putin de ataques.

Não deu certo, e ambas as estruturas também passaram a ser atacadas. A Otan aumentou a vigilância na área, sem sucesso, e o risco da campanha foi colocado à prova nesta segunda, horas antes do encontro entre Putin e Erdogan.

Um ataque intenso, de três horas e meia com drones kamikazes, atingiu Izmail. Segundo o Ministério das Relações exteriores, ao menos dois aparelhos caíram na Romênia, causando um incêndio cujas imagens foram postadas em redes sociais.

Rapidamente, o Ministério da Defesa romeno negou ter havido danos ou ameaças militares. Horas depois, a chanceler Luminita Odobescu disse a repórteres em Berlim: “Claro, há um risco de acidentes ou incidentes, mas não foi o caso desta vez”. Pode ou não ser verdade, mas o que é certo é que Bucareste buscou evitar uma escalada.

A chancelaria em Kiev afirmou que tinha “evidências” sobre sua afirmação, mas a tendência é de contenção de danos, uma constante da Otan, que busca evitar uma Terceira Guerra Mundial: se Bucareste se declarasse atacada pelos russos, os outros 30 membros da aliança teriam de intervir para socorrê-la.

A crise no mar Negro gerou outros impactos. Sem uma Marinha de fato, Zelenski passou a empregar uma armada de drones aquáticos para ameaçar a Rússia. Atingiu um navio de guerra e um petroleiro, que foram avariados, além de manter as tentativas de ataque contra a simbólica ponte que liga a Crimeia anexada à região russa de Krasnodar.

Kiev chegou a ameaçar um bloqueio ao tráfego de navios dos seis portos russos no mar Negro, por onde passa 2% da produção mundial de petróleo, enviada para os países que não aplicaram sanções a Moscou, como Índia e China. Por incapacidade ou falta de oportunidade, nada aconteceu.

Essa nova frente marítima da guerra é um dos aspectos da fase atual do conflito, marcado pela dificuldade da Ucrânia em fazer avançar sua contraofensiva, lançada em 4 de junho. Houve sucessos pontuais, mas também um renovado ataque russo no nordeste do país, na região de Kharkiv, que ameaça as linhas de Zelenski.

O ritmo lento, somado a um histórico de acusações de corrupção, acabou derrubando neste domingo (3) o ministro da Defesa ucraniano, Oleksii Reznikov. Ele será substituído por Rustam Umerov, que participou das negociações infrutíferas com a Rússia no começo da guerra e também da confecção do primeiro acordo de grãos.

IGOR GIELOW / Folhapress

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