Erik Cardoso leva fé às pistas para superar limites no atletismo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Erik Cardoso, 23, segue um ritual sempre que treina na pista de carvão do Sesi, em Santo André. O velocista primeiro reza e agradece a Deus pelas oportunidades que a vida lhe deu. Depois, escreve no chão o tempo que deseja superar na prova dos 100 m, a mais tradicional do atletismo.

Ele já buscou 9s93, tentou 9s95 e, certa vez, definiu que queria completar o trajeto com 9s97. As escolhas são quase aleatórias, mas, em geral, com marcas nunca antes alcançadas por um brasileiro.

“Eu sempre fui assim, sempre vou para as pistas com o pensamento de melhorar minhas marcas, com fé em Deus”, diz à Folha.

Na tarde do último dia 29, ele repetiu seu ritual, confiante, mas sem imaginar que seria o dia em que suas orações seriam atendidas.

Líder do ranking nacional nesta temporada, Erik Cardoso completou a final do Sul-Americano de atletismo com o tempo de 9s97, tornando-se o primeiro brasileiro na história a correr abaixo dos 10 segundos.

“Logo que cruzei a linha de chegada, eu me ajoelhei e agradeci. Eu já sabia que tinha feito uma boa prova e estaria no pódio”, conta. “Quando o tempo foi confirmado, lembro que a primeira pessoa que veio à minha mente foi minha avó Sebastiana, que morreu há pouco tempo. Tenho certeza de que estava em festa no céu.”

O atleta sente saudade, mas não fala da ausência da avó com tristeza. Pelo contrário, ele acredita que suas orações são, também, uma forma de manter-se em contato com ela. Católico desde a infância, ele é devoto de Nossa Senhora e de santa Terezinha.

“Deus, Nossa Senhora e a Igreja Católica são o sentido da minha vida. É o sentido em que eu norteio minhas atitudes, minhas ações”, afirma.

Assim como ocorreu com a religião, a conexão com o esporte veio do berço, já que a mãe do corredor, Denise Barbosa, foi jogadora de vôlei.

“Em casa, eu sempre tive incentivo para ser atleta. Não só dos meus pais mas dos meus avós também. Eu sei que todos ficaram muito orgulhosos.”

Inicialmente, o garoto competia no lançamento do disco e no arremesso do peso, até encontrar nas provas de velocidade sua verdadeira vocação.

Ainda jovem, conquistou a medalha de ouro em prova de 75 m. Mais recentemente, em 2021, começou a dar sinais de maior amadurecimento, consolidando-se como segundo homem mais rápido do Brasil durante o Campeonato Brasileiro sub-23. Com o tempo de 10s01, bateu o recorde sul-americano na categoria.

O tempo era o segundo melhor resultado do atletismo brasileiro nos 100 m. Antes disso, o mais rápido do país na prova era Robson Caetano, então dono do recorde nacional e sul-americano.

Bronze nos Jogos Olímpicos de Seul, em 1988, e nos Jogos de Atlanta, em 1996, o carioca obteve no Campeonato Ibero-Americano de 1988 seu melhor tempo, com exatos 10s.

Foram 35 anos até alguém superá-lo ou igualá-lo em marcas oficiais (com vento inferior a +2.0 m/s). Em um só dia, ele viu dois atletas sul-americanos conseguirem isso. Erik foi prata. O ouro ficou com Issamade Asinga, 18, de Suriname, com 9s89, novo recorde sul-americano.

Robson estava no pódio na ocasião, e foi ele quem deu a medalha para o paulista. “Ali caiu a minha ficha, e soube que meu nome estava atrelado a um número tão significativo para o atletismo brasileiro”, diz Erik.

O feito poderá ser ainda maior.

Exame antidoping de Asinga apontou a presença da substância cardarine, segundo comunicado da Unidade de Integridade do Atletismo.

O recordista aguarda o resultado da contraprova, que pode lhe render suspensão e perda do ouro. Nesse caso, o brasileiro herdaria a medalha e o recorde sul-americano.

A decisão da entidade não mexe com a cabeça de Erik. Neste momento, ele está em Budapeste, onde vai disputar a partir deste sábado (19) o Mundial de atletismo, primeira competição dele desde que se tornou o recordista brasileiro.

A vaga no torneio veio com o índice obtido em São Paulo, que também lhe garantiu presença nos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024. A marca exigida pela World Athletics, a federação internacional de atletismo, nos dois eventos é inferior a 10s.

Integrante da equipe brasileira do revezamento 4 x 100 m, pela qual estreou em 2019, o paulista passou a ser esperança de medalhas para o Brasil.

Ele reconhece a expectativa que carrega agora, mas entende também que não é fácil repetir sua melhor marca em uma edição olímpica.

“São muitas variáveis [para conseguir isso]. Tem o aspecto psicológico, tem a parte física. E tem a experiência de cada atleta. Quando você chega a um campeonato grande, tudo isso é um fator decisivo.”

LUCIANO TRINDADE / Folhapress

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