BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Luiza Erundina dificilmente seria eleita prefeita de São Paulo em 1988 se a disputa fosse em dois turnos. Mas uma conjuntura singular, incluindo a pluralidade de candidatos de centro-direita, permitiu que uma assistente social nordestina, petista e solteira fosse a primeira mulher a governar a maior cidade da América Latina, 35 anos atrás.
A constatação é da própria Erundina, 89. Hoje deputada federal pelo PSOL, ela diz ter consciência de que não foram apenas seus méritos pessoais que garantiram a vitória em 1988, reconhecendo ainda que os demais partidos se uniriam para derrotá-la caso houvesse um segundo naquela eleição.
“Ganhei porque era turno único e os partidos da ordem não estavam bem”, lembra ela, que acabou derrotada por Celso Pitta (PPB) no segundo turno de 1996.
Em 1988, 14 candidatos concorreram à prefeitura. O PMDB e o recém-criado PSDB lançaram candidaturas próprias. O candidato do PDT desistiu da disputa às vésperas da eleição, e o prefeito Jânio Quadros (sem partido) enfrentava protestos após decisões impopulares, como demissão de servidores e até proibição de prática de skate, medidas que foram revogadas por Erundina em 1989.
A eleição se deu em meio à comoção provocada pelo assassinato pelo Exército de três trabalhadores durante a greve na CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), seis dias antes da votação.
Foi nesse ambiente, de alvorecer da democracia e de crise econômica enfrentada pelo governo Sarney, que Erundina –à época filiada ao PT– obteve 29,84% dos votos. Paulo Maluf (PDS) chegou em segundo, com 24,45%.
No secretariado de Erundina, nomes como Paulo Freire (Educação), Marilena Chauí (Cultura) e Paul Singer (Planejamento) imprimiam ares de ministério ao primeiro governo petista na maior cidade brasileira.
A expectativa era que, ao lado de Olívio Dutra, em Porto Alegre, e Celso Daniel, em Santo André, a gestão dela servisse de amostra do modo petista de governar para a disputa presidencial de 1989, a primeira enfrentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Seus apoiadores apontam “a inversão de prioridade”, com investimentos voltados para a periferia, como marca do governo Erundina. Citam os mutirões habitacionais, a construção de seis hospitais, a regularização fundiária, o estatuto do magistério e a renovação da frota de ônibus como exemplos de um governo democrático e popular.
A inauguração do sambódromo do Anhembi e a saúde financeira da cidade também são listados como pontos positivos de sua gestão.
Mas, sem maioria na Câmara, ela viu frustrado o plano de tarifa zero para os ônibus do município. Em 1990, a Câmara rejeitou proposta de aumento do IPTU para subsidiar a gratuidade do transporte público a partir de 1991.
Erundina até lançou cinco linhas de ônibus de graça para circular em Cidade Tiradentes, na zona leste. O projeto vigorou até 2000, quando foi encerrado pelo prefeito Celso Pitta.
A implantação de IPTU progressivo enfrentou resistência na Câmara, onde os partidos de esquerda somavam 19 de 53 cadeiras. Ela também sofreu derrotas na tentativa de aprovação de um plano diretor e para implantação das subprefeituras. Na disputa pela prefeitura em 2016, Erundina lembrou essas dificuldades, descrevendo-se como alvo de perseguição.
Filha de camponeses que migrou para São Paulo por sofrer ameaças durante a ditadura militar, Erundina conta que, à época, indagavam qual era o homem que governava em seu lugar. “Não foi fácil defender o mérito de uma política, sobretudo com meu perfil: uma mulher nordestina, de esquerda e solteira. A minoria que detinha, desde sempre, o poder da cidade ficou assustada.”
Os desafios não eram impostos apenas pela oposição, mas vinham até do PT, partido que ajudou a fundar. Erundina sustentou sua administração em uma ala do partido que excluía seu próprio vice, Luiz Eduardo Greenhalgh.
No início do governo, durante a campanha de Lula à Presidência, a decisão de aumentar a tarifa de ônibus serviu de argumento para a criação de um conselho político composto por dirigentes do PT.
Apesar dessas dificuldades, manifestações de rua, mobilização petista e o endosso de personalidades públicas impediram que suas contas fossem rejeitadas pelos vereadores.
Então secretária de Habitação de São Paulo, a arquiteta e urbanista Erminia Maricato ressalta o governo Erundina dentro do que chama de ciclo de prefeituras democráticas e populares, marcado por iniciativas como orçamento participativo e a gestação de conselhos populares.
Secretária das Administrações Regionais de São Paulo, Aldaíza Sposati lembra a resistência para levar adiante propostas como a descentralização. “Luiza teve muita coragem, muito enfrentamento de situações que diziam que a cidade não dava conta”, afirma.
Além de 1996, Erundina concorreu à prefeitura mais três vezes (2000, 2004 e 2016), sem sucesso. Em 1993, ela se licenciou do PT para ocupar um ministério do governo Itamar. Está no sétimo mandato na Câmara de Deputados.
CATIA SEABRA / Folhapress