SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Escolas particulares têm quebrado a cabeça bolando estratégias para tentar tirar as crianças e os jovens do celular. Entre as tentativas de colégios de São Paulo estão projetos culturais nos intervalos, como apresentações de músicas, e campeonatos esportivos. Além disso, inspetores circulam por corredores e pátios incentivando alunos que não saem dos smartphones a participarem das atividades.
Alguns desses colégios acreditam que, com essas estratégias e com um trabalho de conscientização, não haja necessidade de proibir o uso do celular, como vem acontecendo em várias escolas do Brasil, do Canadá, dos EUA e de países da Europa. Já outros admitem que, mesmo com projetos assim, não tem sido fácil lidar com o vício de crianças e adolescentes nos smartphones e já cogitam aderir ao banimento.
No colégio Rio Branco, há nos intervalos atividades de música, poesia e jogos. “Também deixamos disponíveis, por exemplo, violão e livros, mas os jovens têm dificuldade de olhar para essas coisas”, diz a diretora, Esther Carvalho.
“Não adianta a gente achar que eles vão deixar o celular para ler um livro porque não estão habituados. Fora do horário regular das aulas, quando os alunos ficam na escola para outras atividades, é muito difícil que se desconectem. O ônus de liberar o celular na escola tem sido grande.”
Esther é pesquisadora da tecnologia aplicada à educação, mestre e doutoranda da PUC-SP, e tem visitado países que são referência em processos educacionais, como Finlândia, Suécia e Irlanda, a fim de conhecer as melhores práticas de ensino.
Ela lembra que, originalmente, o smartphone foi visto como um recurso para uso pedagógico de muita potência.
“Mas a vida mudou, especialmente após a pandemia, e as escolas se depararam com um nível preocupante de uso do celular que, entre outros prejuízos, deixa o foco comprometido”, diz.
“Um dia, vi alunos usando o celular para entrevistar pessoas e fazer um trabalho, e isso é uma beleza, não gostaríamos de perder isso. Mas temos que pensar em outros dispositivos, porque 80% do uso do celular acaba sendo fora do pedagógico, do que faz sentido para a escola.”
A diretora conta que muitas famílias querem a proibição do celular na escola e que, em reuniões, o assunto tem sido discutido. Um dos encontros teve como tema o best-seller “A Geração Ansiosa”, do psicólogo Jonathan Haidt, que trata do colapso da saúde mental entre crianças e jovens no mundo em razão do uso dos smartphones. Ele defende que as crianças e adolescentes não tenham smartphones até os 14 anos, e que as escolas sejam ambientes livres de celulares.
Esther acha “o termo banimento pesado”, mas admite que “a regra de utilizar o celular apenas para o uso pedagógico não tem sido suficiente” e que “deixar para a criança e o jovem decidirem se vão usar o celular na escola é muita responsabilidade diante do apego que todos temos à tecnologia”.
Para ela, seria preciso repensar inclusive a utilização do celular pelos professores e funcionários. “Precisamos dar o exemplo, e não basta a escola proibir, é preciso formar uma rede com as famílias. Mas, sim, temos que tomar medidas. Do jeito que está não dá para continuar.”
No colégio Visconde de Porto Seguro, o projeto para tirar os estudantes do celular se chama Porto Disconnect. Nos intervalos, há jogos de vôlei, basquete, futebol, de futmesa (algo como o tênis de mesa, mas com bola de futebol), além de jogos de tabuleiro.
“Temos funcionários que ficam no intervalo incentivando os alunos a deixarem o celular no armário e a participarem das atividades”, conta Joice Leite, diretora de educação digital. “O mantra do Disconnect é deixar o celular.”
Além disso, as salas de aula são trancadas no recreio, para que os alunos não possam ficar lá usando o celular. E, nos corredores, inspetores passam tentando convencer os grupos que estão nos smartphones a participarem das atividades presenciais.
Outra decisão da escola foi a de não colocar o celular como ferramenta pedagógica. “Essa é nossa primeira regra, entendendo tudo o que envolve o uso dos smartphones por crianças e jovens. Para a tecnologia na educação, há computadores. A formação dos professor parte da ideia de que celular não é instrumento de aprendizagem.”
Já no Bandeirantes, os celulares são usados para atividades em sala de aula. Segundo a diretora pedagógica do colégio, Mayra Ivanoff, o tablet é que é o material pedagógico obrigatório, desde o 5º ano, mas muitos estudantes preferem utilizar o smartphone.
“O celular tem elementos que distraem a atenção? Sim, mas até o computador tem. Faz parte da estratégia da aula envolver os alunos no aprendizado”, afirma a diretora.
“Claro que a gente se preocupa com os alunos que ficam muito no celular e tenta desenvolver estratégias para tirá-los do aparelho”, diz. Entre essas estratégias, segundo ela, estão musicais, práticas de ioga e jogos esportivos nos intervalos.
“Além disso, as equipes de ajuda do Band, que são formadas pelos próprios alunos com apoio da escola, estão treinadas para observar se há estudantes isolados, que ficam só no celular, e para buscar ajuda nesses casos”, conta.
“Sabemos que os celulares são feitos para viciar, mas acreditamos que é mais importante dar opções de atividades para combater esse vício do que simplesmente proibir o uso”, defende.
No Vera Cruz, o debate sobre o banimento está intenso, embora o colégio também invista em projetos para que os alunos se desconectem do celular. Entre as atividades nos intervalos, há musicais, exposições, campeonatos esportivos organizados pelos professores de educação física e a saída para uma praça em frente à escola.
“Mesmo com tudo isso, temos um ou outro aluno que estão em um processo mais complicado de vício e ficam sozinhos com o celular. A gente intervém, puxa amigos para conversas, mas temos uns 20% que ficam no celular, e isso nos preocupa”, afirma o coordenador do fundamental 2 (6º a 9º ano), Daniel Helene.
Segundo ele, 93% dos estudantes dessas séries têm smartphones. No 6º ano, quando eles têm por volta de 11 anos, já são 79%.
No começo do ano, a diretoria recebeu um carta com mais de 800 assinaturas de pais pedindo pela proibição. “A nossa posição é nunca fazer os processos à revelia dos alunos. Para chegarmos a uma decisão sobre o banimento, precisamos construir esse caminho com os estudantes”, afirmou o coordenador. “Mas eu acho que é muito possível, sim, que a gente caminhe para proibir o celular.”
O colégio, neste ano, vetou os celulares nas viagens de estudo. “Eles ficaram cinco dias sem o celular. Alguns nos agradeceram pela oportunidade de vivenciar a viagem de um jeito diferente”, conta. “Outros reclamaram e alguns burlaram a regra. E houve famílias que se engajaram para que eles burlassem.”
No mês passado, o colégio convidou a deputada estadual Marina Helou (Rede) para debater com alunos, pais e professores o seu projeto de lei para o banimento dos celulares no ambiente escolar. O coordenador disse achar interessante a proposta, porque “uma legislação pode nos ajudar a tomar decisões e medidas”.
Daniel pondera que o banimento “não pode negligenciar o direito que os alunos têm de aprender sobre o uso consciente do celular”. “Não se pode confundir, achar que não devemos falar disso. Temos que formar os alunos para o uso das telas”, afirmou.
Ele também lembra que o banimento na escola “não significa resolver integralmente o problema, porque eles utilizam o celular em casa e precisam da supervisão dos pais”.
Por fim, ressalta que “o correto seria regular as big techs”. “Com o forte lobby das big techs contra a regulação, a gente talvez tenha que passar por esse tipo de solução, como proibir o celular nas escolas”, afirma. “Que isso seja só uma etapa. Não podemos perder de vista que a regulação das big techs é luta que precisamos travar.”
LAURA MATTOS / Folhapress